Levítico 19.1-3,13-18 - 18º. DOMINGO APÓS TRINDADE
E o Senhor falou a Moisés, dizendo: Fala a toda a congregação dos israelitas e dize-lhes: Sereis santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo! Cada qual respeitará sua mãe e seu pai, e observará os meus sábados. Eu sou o Senhor, teu Deus. Não oprimirás o teu próximo, nem o roubarás; o pagamento do teu jornaleiro não ficará contigo até a manhã. Não amaldiçoarás o surdo e não colocarás diante do cego qualquer obstáculo, sobre o qual ele possa cair; mas temerás o teu Deus. Eu sou o Senhor! Não praticarás injustiça no tribunal. Não favorecerás a pessoa do pequeno e não darás preferência a pessoa grande. Com justiça julgarás o teu próximo. Não andarás como mexeriqueiro entre os teus conterrâneos; não atentarás contra a vida do teu próximo. Eu sou o Senhor: Não odiarás o teu irmão em teu coração; decidirás cuidadosamente sobre o teu conterrâneo, e não lhe imputarás uma transgressão. Não te vingarás, nem guardarás ira contra os que pertencem ao teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor!
Prezada comunidade!
Geralmente as prédicas domingueiras nos dão um certo mantimento espiritual: Algo que guardamos lá dentro, que lá dentro ruminamos e consideramos. E, então, pode acontecer que saímos do culto embalados, bem satisfeitos e fartos com a refeição espiritual completa recebida. Uma refeição com diversos pratos: fé, palavra de Deus, justificação, perdão dos pecados, cruz, vida eterna. Etecétera! Isto é, geralmente as prédicas domingueiras falam apenas de coisas referentes ao nosso íntimo, ao nosso interior. Falam mais da minha salvação do que da minha ação; mais sobre o que é feito comigo do que sobre o que eu faço ou que devo fazer a outros. Pois bem, hoje é diferente!
Já devem ter percebido na leitura que o texto de hoje fala de ações concretas, e muito concretas até: Não oprimir, não roubar, não amaldiçoar, não praticar injustiças, não odiar, etc. É toda uma lista de exigências. No entanto, alguns já devem ter notado que se trata de exigências bem especiais.
Nós, na nossa vida cotidiana, vivemos tropeçando sobre exigências que nos são feitas. Por exemplo: Antes de se conseguir uma carteira de motorista, é preciso cumprir com diversas exigências: apresentar documentos (carteira de identidade), exame médico e psicotécnico, teste teórico sobre as regras de transito, e o temido teste prático. Então sim, cumprido cada um desses itens, recebe-se a carteira de motorista. Sem o cumprimento desses itens não há carteira. A carteira só sai se cada um for cumprido devidamente. As exigências são a condição para se receber o que se quer.
Com as exigências do nosso texto acontece algo bem diferente. Elas não são condições para se receber algo. Pelo contrário, elas são a consequência de algo que já se recebeu. No caso da carteira de motorista, as exigências representam a primeira parte; e a carteira, à segunda. Aqui, as exigências são a segunda parte. Como se a gente fosse ao Departamento de Trânsito e o funcionário nos entregasse a carteira prontinha sem exigir qualquer coisa, e dizendo: Aí está a carteira; e já que você recebeu a carteira, passe aqui nos próximos dias, entregue os documentos, faça o exame médico, o teste teórico e a prova prática.
A rigor, um absurdo! Mas é bem assim que acontece aqui. Antes de qualquer mandamento ou exigência, vem a sentença: Sereis santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo! No capitulo seguinte do mesmo livro de Levítico lemos: Ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo, e separei-vos dos povos, para serdes meus.
Aí está: Sereis santos é a segunda parte. A primeira diz assim: Eu, o Senhor, sou santo, e separei-vos dos povos, para serdes meus. Deus é santo. Que quer dizer isso? Que lá em cima, num trono, esta o velhinho de faces meigas, meio careca, com uma aureola na cabeça? Um santinho? Não! Deus é santo porque ele esta separado, apartado, deste nosso mundo, porque ele é bem diferente e não pode ser comparado com qualquer grandeza deste mundo; porque ele age bem diferente do que se age na vida cotidiana deste mundo. Isto é o que o texto quer dizer com santo.
Mas a primeira parte tem mais. Separei-vos dos povos, para serdes meus. Por que Deus não escolheu os egípcios que eram muito mais poderosos, ou os babilônios ou os assírios ? Não se sabe. O certo é que escolheu este um povo e a ele se dedicou. Esta é a primeira parte. Esta é a carteira que e dada de antemão. E agora sim, por isso: Porque eu, o Senhor, sou santo e separei-vos dos povos para serdes meus, por isso sereis santos. Primeiro a oferta; depois a consequência. Primeiro a carteira, depois os documentos e as provas.
II
Bem, mas isto é coisa do Antigo Testamento. E nós? Afinal de contas, nós não pertencemos ao povo de Israel. Nossa relação com Deus não é mais a mesma que a do povo de Israel, não são mais os mesmos laços que nos prendem a Deus. São laços muito mais fortes. Para Israel, Deus dizia: Eu vos apartei dentre os outros povos, vos escolhi, por isso vós sois meus; por isso sereis santos! A nós é dito: Eu reatei as relações que vocês cortaram; eu apaguei a inimizade que vocês criaram; eu lhes dei Jesus Cristo para poder perdoar-lhes, para apagar o seu pecado, para reatar as relações, para que volte a existir amizade entre nós. Em Jesus Cristo eu reabri o caminho para mim, que vocês fecharam; abri a possibilidade para que vocês possam viver em harmonia comigo para sempre.
Foi assim, diz Deus a nas, foi assim que eu os escolhi. Cada um que tiver fé neste Jesus Cristo, cada um que crer que por Jesus Cristo recebeu o perdão dos pecados e a vida eterna, é um escolhido, já tem a carteira. Assim, de graça, sem preencher condições, sem cumprir exigências. Sem entrada e sem mais nada!
E por isso: SEREIS SANTOS: Que quer dizer santos? Santinhos, carolas, gente que só conhece o caminho de casa para a igreja e da igreja para casa, de medo de se contaminar no mundo? Não! Santos quer dizer: homens que , por compreenderem o amor que Deus lhes dedica, passam a viver sua vida, toda ela, como um culto a Deus, em todas as atividades. Santos, não como afastados do mundo, mas como pessoas que não agem como o mundo age, que dentro do mundo não agem como o mundo quer, como o mundo aguarda, mas como Deus quer e aguarda. Santos, porque já não se norteiam mais pelo egoísmo, pela auto-preservação, pela ostentação que rege o mundo, mas porque se norteiam pela vontade de Deus, que é esta: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Isto significa ser santo. Porque Deus nos deu Jesus Cristo - por isso seremos santos. Primeiro oferta, depois a consequência. Primeiro a carteira, depois os documentos e as provas.
III
Pois é, e sé agora é que nosso texto fala daquelas ações bem concretas, que caíram na vista na primeira leitura do 'texto: não oprimir, não roubar, não amaldiçoar, não praticar injustiça, não odiar, etc. O que são esses mandamentos? Já vimos que não são a condição, o teste, o exame médico para se ganhar a carteira, para ser escolhido por Deus, para ganharmos perdão. Se no são a condição, o que é que são?
Esses mandamentos são um espelho. Um espelho que Deus coloca à nossa frente. E então Deus diz: Bem, eu escolhi vocês, eu restabeleci as relações entre nas, vocês são santos, Pois bem, então vivam como santos. Ponham em prática o que vocês são. Olhem-se nesse espelho para ver se realmente estão realizando a sua santidade.
E agora eu os convido: Vamos olhar a nossa imagem nesse espelho. Vamos ver: talvez a gravata esteja fora do lugar, talvez o casaco não esteja bem abotoado, talvez meu sapato não esteja bem amarrado. Também é possível olharmos no espelho da cabeça aos pés.
O espelho diz assim: Não explorarás o teu próximo, nem o roubarás. No te aproveitarás da situação de necessidade e de miséria do teu semelhante. E se ele trabalhar na tua fábrica, não hás de pagar-lhe apenas 80 contos por mês, obrigando-o a assinar um recibo de 140 contos (como está acontecendo). Se tiveres a teu serviço alguém que ganha pagamento diário, não atrasarás o pagamento, pois esta pessoa precisa do dinheiro para comprar pão e leite para os filhos na outra manhã. Não te aproveitarás da empregada ou da faxineira, só porque tens a possibilidade de encontrar outra, se ela não aceitar as migalhas que lhe ofereces.
Não colocarás diante do cego qualquer obstáculo, sobre o qual ele possa cair. O cego é cego e não vê o obstáculo. É indefeso. Não aplicarás qualquer golpe no indefeso, seja ele indefeso por ignorância, por pobreza, por doença ou por sua miserável situação social. Não deixarás que o dinheiro do poderoso e a miséria do desgraçado ofusquem o teu sentido de justiça. Não favorecerás a ninguém em detrimento de outro. No farás fofoca, pois a fofoca faz sofrer injustamente o outro. Não odiarás, não te vingarás, não guardarás ira, pois como podes alimentar tais sentimentos por uma pessoa que o Senhor teu Deus julgou digna de ser amada por ele, tão digna que por ela se entregou? Nada disso farás, como santo que és. O que farás é isso: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
IV
Este é o espelho. É só olhar. O tempo não permite que eu esmiúce cada faceta deste espelho. Só me resta convidar cada um a fazê-lo em casa, para si, lendo mais uma vez com calma o capítulo 19 do livro Levítico. Então acontecerá algo que talvez aqui já começou a ocorrer: a descoberta de que a imagem no espelho não apresenta apenas a gravata fora do lugar. Esta quase tudo fora do lugar. Tudo desengonçado, distorcido, pendurado. Pouco se salva.
E o que significa isso, então. Significa que nossa resposta ainda não está certa. E se a resposta ainda não está certa, é porque nossos ouvidos ainda não entenderam bem a oferta. Ainda não ouvimos direito; ainda não respondemos direito.
O que nos resta, então, prezada comunidade? Resta-nos fazer o seguinte: Vamos olhar bem para o espelho, vamos encarar em cada detalhe essa figura desengonçada que se nos apresenta. E gravar bem tudo. E então: pedir! Pedir duas coisas: Pedir primeiro que Deus nos ajude a compreender sempre melhor a oferta. E pedir também que perdoe essa imagem desengonçada que apresentamos e nos ajude a saber responder melhor.
Quem se viu assim no espelho e sentiu até o fim todo o vexame da imagem que lá se apresenta, pode pedir na certeza de que Deus da ouvidos ao que honestamente se arrepende. Amém.
Oremos: Senhor Deus, tu nos fizeste santos, porque nos escolhes-te, porque reabriste o caminho para ti. Faze-nos entender sempre melhor esta oferta e responder de acordo na nossa vida cotidiana. Senhor, tu nos fizeste santos; faze-nos agir como santos. Amém.
Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS