João 6.22-29

Prédica

16/03/1969

João 6.22-29 - LAETARE

Prezada Comunidade!

Todos conhecem a histeria da multiplicação dos pães, não é? No entanto, vou rememorá-la em rápidos traços: Uma multidão de cinco mil homens cerca Jesus para ouvir sua pregação, do outro lado do lago de Genezaré. Chegando a hora da janta, não há dinheiro suficiente e nem mesmo um local para comprar alimento para a multidão. E então, por um milagre, Jesus consegue fartar toda aquela gente com cinco pães e dois peixinhos. E ainda sobraram doze cestos de pedaços de pão. E a história termina: Vendo, pois, os homens o sinal que Jesus fizera, disseram: Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo. Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o proclamarem rei, retirou-se novamente sozinho, para o monte. Pois bem, seque-se então a história de Jesus andando sobre o mar. Os discípulos partem sozinhos num barco, Jesus se retira para um lugar isolado e depois vai ao seu encalço, andando sobre o mar. E então vem, finalmente, o trecho sobre o qual se baseia a nossa prédica de hoje. 

No dia seguinte, a multidão, que ficara do outro lado do lago, percebeu que lá havia apenas um barco e que Jesus não embarcara no mesmo com os discípulos, sendo que estes partiram sós. No entanto, vieram barquinhos de Tiberíades, perto do lugar onde comeram o pão, depois de o Senhor ter dado graças. Quando, então, a multidão reparou que Jesus não estava lá, nem os seus discípulos, desceram eles mesmos aos barquinhos e partiram para Cafarnaum, procurando Jesus. E, quando o acharam, do outro lado do perguntaram-lhe: Mestre, quando chegaste aqui? Jesus lhes respondeu: Em verdade, em verdade lhes digo: Vocês me procuram, não porque viram sinais, mas porque comeram do pão e ficaram satisfeitos. Empenhem-se, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará, pois Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo. Disseram-lhe então: Que podemos fazer para realizar as obras de Deus? Jesus respondeu e falou-lhes: Esta é a obra de Deus: que vocês creiam naquele que ele enviou! 

II

Aqueles mesmos que antes queriam arrebatá-lo para o proclamarem rei, não desistem de sua caça a Jesus, no dia seguinte. Sabem que Jesus não foi no barco com os discípulos, mas também não o descobrem nos arredores. Resolvem, então, atravessar o lago, à procura do fazedor de milagres, que lhes dera pão. E realmente o encontram do outro lado e perguntam, admirados: Mestre, quando chegaste aqui? Perguntinha inofensiva, com a qual essa gente aparenta um interesse sincero pela pessoa de Jesus. 

Mas Jesus não vai na conversa: Em verdade, em verdade lhes digo: Vocês me procuram, não porque viram sinais, mas porque comeram do pão e ficaram satisfeitos. Jesus atravessa aquela pergunta e aqueles rostos aparentemente interessados e penetra até o coração dessa gente, até a sua verdadeira intenção: O que vocês querem é usar-me para encher a barriga; vocês correm atrás de mim - não porque teriam interesse naquilo que eu de fato tenho a dar-lhes, mas porque vocês querem me usar, querem fazer de mim um instrumento que sirva aos seus interesses. 

Não é de arrepiar essa descoberta, de que Deus perscruta nosso coração, vai até o fundo e sempre descobre qual a nossa verdadeira intenção, quando nos interessamos por ele? Não é de arrepiar? Também nós, prezada comunidade, gostamos de usar Deus, de fazer dele um instrumento em nossas mãos, para os nossos interesses. 

Sim, também nós, aqui, não apenas os políticos e governantes, que gostam tanto de falar em Deus para manter a boa aparência diante do publico; não apenas os órgãos publicitários. Também nós. Cada um de nós gosta de usar Deus à sua maneira, cada um de nós tem segundas intenções quando se interessa por Deus. Geralmente, quando nos interessamos por Deus, é para ver se podemos moldá-lo dentro do nosso esquema, fazê-lo atender aos nossos pedidos bem pessoais e egoístas, ainda que em detrimento de outro. E depois nos admiramos de que não da certo, de que nossas súplicas nem sempre são atendidas. 

Acontece que Deus não se deixa usar. Ele vê os nossos últimos desejos e diz: Assim não! Não quero ser usado por vocês. Quem impõe as condições sou eu, e não vocês. E eu quero oferecer-lhes algo; algo muito mais importante do que as mesquinharias, para as quais vocês querem me aproveitar. 

Empenhem-se, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará, pois Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo. Jesus da essa chamada, no com o simples interesse de nos fazer entrar na linha e deixar de abusar de sua pessoa. Ele dá essa chamada porque nos ama, para nos fazer ver uma verdade bem elementar e fundamental: não é com comida, com um salário razoável, com uma boa aposentadoria, com uma casa bem instalada, com uma boa posição social, que nos asseguraremos e garantiremos nossa vida. Todas essas coisas - a comida, o salário, a aposentadoria, a casa, a posição social - são coisas passageiras, frágeis, e igualmente passageira e frágil será a vida que edificaremos sobre as mesmas. Para a vida verdadeira, a vida eterna, precisamos de uma comida, de um fundamento que permaneça para sempre. É a comida que o Filho do Homem vos dará. 

É a comida que receberemos ouvindo-o, crendo nele, tornando-nos seus discípulos. Aceitando a salvação que ele nos traz e vivendo uma vida de constante agradecimento por esta salvação. Assim estaremos ingerindo aquela comida que permanece para a vida eterna, a única comida capaz de garantir-nos a vida. 

Mas o homem é um cabeça-dura. Como custa a compreender a Deus! Disseram-lhe então: Que podemos fazer para realizar as obras de Deus? Jesus respondeu e falou-lhes: Esta é a obra de Deus: que vocês creiam naquele que ele enviou! Jesus mal termina de explicar que o importante não é a comida que passa, mas a que permanece, e já. Nós, homens perguntamos: Que podemos fazer para realizar as obras de Deus? Quais são os itens que devemos cumprir para merecermos essa comida que permanece? Mais um mal-entendido! E Jesus volta a corrigir o nosso pensamento: Esta é a obra de Deus: que vocês creiam naquele que ele enviou! 

Em primeiro lugar, diz Jesus, não se trata de obras a serem realizadas, não se trata de itens a serem cumpridos à risca para a obtenção da vida eterna. Trata-se, isso sim, de uma obra. E, em segundo lugar, esta obra é classificada como sendo a fé naquele que Deus enviou. Esta é a obra de Deus: que vocês creiam naquele que Deus enviou! Não é cumprindo itens que nos tornaremos merecedores daquela comida que permanece. Não é atuando, fazendo, realizando ansiosa e preocupadamente, ponto por ponto, que receberemos a vida eterna. Nada disso! É crendo que corresponderemos à exigência de Deus. É crendo que receberemos a verdadeira vida. Crendo, isto é: aceitando, de mãos vazias, aquilo que ele - e não nós - realizou. 

Assim sendo, prezada comunidade, Jesus radicaliza tremendamente o conceito da atuação do cristão. A multidão perguntara: O que devemos fazer? E Jesus dá uma completa reviravolta nesta pergunta: A atuação, o agir do cristão não consiste em fazer, realizar isto e aquilo lá. Cristianismo não é lei, não é uma coleção de parágrafos. Se assim fosse, nos poderíamos anotar em nossa agenda uma, duas ou três obras a serem realizadas cada dia. Feitas estas obras, poderíamos então continuar colando na escola, praticando uma concorrência desonesta da firma, ignorando nosso próximo ... E no fim do mas faríamos o balanço, verificaríamos que cumprimos tudo, e nos apresentaríamos a Deus: Esta aqui, agora cumpre a tua parte. 

Mas o cristianismo não é lei. Ser cristão não é realizar isto e aquilo. Ser cristão é ter fé; e ter fé significa viver numa atitude constante, permanente. Esta atitude permanente de fé se realiza quando nos entregamos por completo a Deus, quando nos atiramos aos seus braços, permitindo que ele aja, que atue em nós, que ele nos dê aquela comida que permanece para a vida eterna. 

Demos graças a Deus porque o cristianismo não é lei. Se o cristianismo fosse lei, nas estaríamos roubados. Estaríamos roubados se o nosso Deus não fosse o Deus da graça. Já imaginaram os senhores que martírio seria a nossa vida, se Deus exigisse de nas o cumprimento de um listão de preceitos, como condição para nos dar a verdadeira vida? Será que ainda conseguiríamos adormecer, á noite, depois de constatarmos que durante o dia que passou não conseguimos cumprir com todas aquelas exigências? Se levássemos nossa situação devidamente a sério, não conseguiríamos dormir mais um instante sequer. Seria como nas religiões primitivas, onde o homem vive mergulhado no temor e na incerteza, por não saber se a divindade se dá por satisfeita com as ofertas apresentadas. Se o cristianismo se baseasse no cumprimento de leis, viveríamos numa constante e horrível incerteza, pois nunca saberíamos ao certo: Já fiz o necessário? ou ainda falta alguma coisa? E, consequentemente, seria constante e horrível a incerteza quanto á nossa salvação. 

Mas, graças a Deus, a nossa situação é outra. Deus da, pura e simplesmente, a comida para a vida eterna. Ele da sem exigir qualquer coisa, sem impor condição, sem perguntar o que fomos e o que fizemos. Ele dá, e a única coisa que pede em troca é isso: que aceitemos a oferta, que tenhamos fé e confiança nele. E se aceitarmos, prezada comunidade, se tivermos essa fé, a incerteza se transformara numa certeza inabalável de que ganharemos a vida. Pois o que nas não podemos Deus pode. Se tivermos essa fé e essa certeza, se compreendermos assim o que significa esse tremendo presente dado de graça por Deus, então não perguntaremos mais, como aquela multidão: Que podemos fazer, que itens devemos cumprir? Pois então toda nossa vida, tudo o que dissermos e fizermos estará. Constantemente sob o signo da gratidão. Esta gratidão marcará todo nosso contato com Deus e com nossos semelhantes. A gratidão porque Deus enviou Jesus Cristo, porque Jesus Cristo morreu por nós e nos conquistou a verdadeira vida. Gratidão porque este ato de salvação de Deus em Jesus Cristo nas da aquela comida que fica, que permanece para a vida eterna. Amém! 

Oremos: Senhor, graças te damos, porque nos ofereces gratuitamente a comida que nos mantém para a vida eterna. Da que a aceitemos, na fé, e que vivamos uma vida de certeza e gratidão. Amém.

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 4º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 22 / Versículo Final: 29
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 20305
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É mais consolador ter Deus como amigo do que a amizade do mundo inteiro.
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