LEVANTA-TE E ANDA
João 5.1-9 (Leitura: Salmo 102.1-13)
Jesus sobe para Jerusalém. Vai assistir uma festa no templo. Era apenas um peregrino, entre milhares de outros que subiam a serra, de Jericó a Jerusalém, vencendo uma penosa diferença de altura de mais de mil metros, numa caminhada longa e cansativa. Várias vezes, segundo o evangelho de João, Jesus fez esta peregrinação a Jerusalém para participar de uma festa religiosa, onde se comemoravam os feitos de Deus no passado de Israel. É como se ele devesse estar presente no lugar onde os feitos de Deus eram lembrados. E não é nada estranho: Em Jesus, Deus estava falando e agindo — ele era a última e definitiva palavra de Deus. Não admira que ele precisa estar lá onde a palavra, que Deus falou no passado, é anunciada. E neste mesmo lugar, também por ocasião de uma festa, a festa da páscoa judaica, Jesus, mais tarde, sofreria a morte, para depois ressuscitar em glória. Talvez todas as festas da Antiga Aliança que Jesus frequentou, sejam sinais que indicam para a grande festa da Nova Aliança, a Páscoa, que inclui sua morte na cruz e sua ressurreição no primeiro dia da semana, que veio a ser a Páscoa cristã e que veio a ser o domingo, o dia do «dominus», do Senhor: a nossa pequena páscoa semanal, o dia especial dedicado a Jesus e a seu evangelho.
Mas — coisa estranha: Após sua chegada a Jerusalém, Jesus não vai diretamente ao templo, para cantar salmos e para adorar, junto com os peregrinos. Apesar de ser sábado, o dia santificado dos judeus, não encontramos Jesus no santuário, entre pessoas alegres, vestidas de roupa festiva. Ele se encontra num lugar bem retirado, perto do muro da cidade, num lugar onde só há pessoas que não têm condições de participar de festa alguma. É um lugar de sofrimento onde a miséria do mundo parece estar concentrada. Um tanque, uma pequena lagoa artificial, com uma galeria coberta, com cinco pavilhões que fornecem um abrigo precário a doentes de toda espécie — «uma multidão de enfermos cegos, coxos, paralíticos». Eles estão lá deitados, parados, acocorados, esperando. Esperando por aquele evento milagroso que neste tanque de Betesda costuma acontecer para alguns felizes. Conforme a crença geral, de manhã cedo, um anjo faz mover-se a água, e o primeiro doente que entra no tanque, vai sendo curado, seja qual for sua enfermidade.
Sim — a situação é um pouco parecida com nosso INAMPS, o antigo INPS. Este tanque de Betesda era o INAMPS de então. Uma estação de águas medicinais para o povo, estação gratuita, só que a miséria era maior do que os recursos existentes. Havia filas no tanque. Nos cinco alpendres, os doentes se apinhavam. E não havia ninguém que organizava as filas. Então aqueles doentes que tinham os pés sãos ou os que tinham bons cotovelos se adiantavam aos outros, deixando os mais fracos para trás. Veja os homens mudaram bastante nos últimos 2000 anos. Inventaram os raios x, a radioterapia, os antibióticos, chegaram a operar tudo, mesmo corações doentes. Mas a miséria da doença como tal, não mudou nem um pouco. E também a natureza humana não mudou. Mudou a casca, mas não mudou o miolo, Se você alguma vez teve oportunidade de observar uma fila de doentes (ou de estar parado numa tal fila) que se forma diante dos consultórios dos postos do INAMPS, às vezes desde as 4 da madrugada, então saberá que a luta do homem contra o seu inimigo mortal, a doença, não mudou nem um pouco. O inimigo, hoje, é tão forte como há 2000 anos. O homem criou novas armas para se defender, mas surgiram também novas doenças doenças funcionais, doenças de nervos, de alta pressão, de estafa, de «stress», doenças da civilização. E, ainda hoje, o doente pensa em si, antes de mais nada. Quem tem a sua ficha, a vai segurando. Os outros aquele velhinho de cor amarelada, por exemplo, ou aquela moça com os pés inchados? Que se virem! Cada um por si, e Deus por todos! Sim, Deus por todos. É verdade — mas como é duro, crer que assim seja!
«Estava ali um homem, enfermo há trinta e oito anos. Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava assim, há muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado? Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada; pois enquanto eu vou, desce outro antes de mim.»
Aqui jaz um destes infelizes que não tinha conseguido ficha naquele INAMPS de então que não tinha conseguido ser atendido na hora do expediente. Ele simplesmente ficou sobrando. Um perdedor. Um homem em que ninguém repara. Um homem que não tem ninguém. Só tem a sua doença. Há trinta e oito anos é que ele vem lutando contra esta doença. Vem lutando mesmo? Ou será que já desistiu, que já não luta mais, que já entregou os pontos? — Olhe, a nossa pergunta não é um palpite qualquer. Jesus conhecia a natureza humana. E Jesus dirige àquele homem uma pergunta que nos deixa pensativos. Vendo-o deitado, lhe pergunta: «Queres ser curado!»
Um doente que prefere a doença à saúde? Que se refugia na doença, que trata de escapar da luta, que já não pensa mais saúde, mas só doença, doença, doença. Por dez, vinte, trinta, trinta e oito anos. . . Sim, tal coisa realmente existe. Há doentes que se identificaram a tal ponto com «sua» doença, que não teriam mais assunto de conversa, se fossem curados, Eles parecem casados com sua enfermidade, parecem agarrados a ela. Os médicos da alma dizem que no subconsciente, bem no fundo de nosso coração, há uma voz secreta que diz a cada um de nós: «Escape, escape! Desista! Deixe de lutar! Não adianta! A doença é um meio de escapar. A doença é boa. A doença dá paz!» — Veja; Jesus realmente conhece a natureza do homem. Não que ele começasse a remexer no coração daquele doente, seguindo as pistas tortuosas dos pensamentos dele. Ele não age como um psiquiatra moderno. Também não acusa o doente, como os fariseus costumavam fazer. Não diz que a responsabilidade por sua cura é dele, que ele deve lutar para se livrar dela. Jesus é misericordioso. Ele sabe que a doença pode enfraquecer o espírito de luta da pessoa, e que seria uma crueldade, exigir dele que se ajudasse a si mesmo. Assim, ele não pergunta ao doente: «Queres te curar?» Pergunta: «Queres ser curado?»
Esta pergunta; «Queres ser curado?», no entanto, é importante. Deus é nosso médico — não há dúvida. Mas ele não empurra nem tratamento nem cura em nós. O doente precisa querer ser curado. Precisa voltar as costas à doença, precisa soltá-la. Precisa apegar-se às mãos de Deus. É verdade, nem sempre Deus tira a doença de nós. Mas se nós deixarmos de nos agarrar à doença, pondo nossa confiança no médico, que é Deus, então, bem no fundo, a doença já perdeu seu poder sobre nós. — «Queres ser curado?» — É uma pergunta séria. Há médicos e curas d'alma que afirmam que grande parte dos doentes crónicos, bem por dentro não querem ser livrados de sua doença. Eles não cooperam com o médico. O tratamento tem que nadar contra a corrente do pensamento deles, já que eles continuam pensando doença, não, pensando saúde. É bom e salutar, sabermos que também o evangelho nos encoraja a rejeitarmos decididamente o namoro com a doença. Pois, Jesus quer que pensemos saúde. Poderá ser o primeiro passo para a saúde. Então — se estas linhas forem lidas ou ouvidas por alguém que sofre de doença crónica — quem sabe, há tanto tempo como o doente do tanque de Betesda -- que ele pense e ore sobre esta pergunta de Jesus. Pense, e peça a Deus para dar-lhe uma vontade bem firme e clara de ficar bom, de ficar curado. Cura não se pode comprar simplesmente no consultório médico, ou na farmácia. Cura é um segredo, do qual participa nossa alma, nossa vontade, nossa fé, nossa esperança. Participa, digo, não comanda. Porque a vontade de Deus está acima de tudo também acima de minha vontade de ser curado. Mas esta vontade do doente é importante. Jesus a toma muito a sério. Ele também pergunta a nós, em sentido bem profundo e pleno; «Queres ser curado?» — Isso, em linha reta, leva à pergunta: Queres ser salvo? Também a salvação — Deus não a empurra a ninguém.
O doente crônico de nossa passagem bíblica não responde à pergunta de Jesus com a resposta direta: «Sim, Senhor, eu quero ser curado». Ele conta a Jesus a história de sua miséria. Conta que nunca chegou a ser o primeiro da fila e que não tinha ninguém que lhe ajudasse a entrar no tanque, quando a água era agitada. Isso provavelmente era verdade. O problema da culpa, aqui não é tocado. Não nos é dito, por que este homem não tinha ninguém. Muitos que não têm ninguém, não querem ninguém. Jesus, mais tarde, disse ao homem: «Vai e não peques mais, para que não te aconteça coisa pior» (v. 14). Mas o disse só depois de o ter curado. Aqui Jesus não está desenterrando culpa. Ele entende aquela queixa triste do homem como «Sim, eu quero ser curado». E responde — não, com conselhos, mas com um ato de poder. E ao responder, ele mesmo se torna o «alguém», que tinha faltado na vida deste doente. Não lhe ajuda bem assim como o homem o tinha imaginado, levando-o ao tanque, no momento certo. Jesus lhe ajuda à sua própria maneira independentemente de horários e de fichas e de tratamentos. Jesus tem poder para tal, quando ele o quer — ainda hoje!
«Então lhe disse Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. Imediatamente o homem se viu curado e, tomando o leito, pôs-se a andar».
Esta cura é uma ordem. Uma ordem de ficar bom, de levantar e de andar. Uma ordem que só Deus pode dar. Mas, se Deus dá a ordem como aqui a dá através de Jesus então a fé nos capacita a obedecer. Se o homem não tivesse tido fé, ele nem teria experimentado levantar-se. Ele já sabia há 38 anos que não adiantava tentar. Ele não era paralítico? Todo mundo não o sabia? — Jesus quebra o poder, o condicionamento da doença de 38 anos quebra-o de um golpe só, com uma palavra de ordem majestosa. E o doente, ao obedecer, já não era mais doente. Estava curado.
De qualquer forma, este encontro de Jesus com o doente de Betesda é uma imagem do encontro do Salvador com qualquer pessoa prostrada e desesperada. A palavra «saúde» tem a mesma origem que a palavra «salvação». A salvação, por assim dizer, é uma saúde total, eterna; é a reconstituição do ser humano, como Deus o pensou e quis. Eu penso que tanto a pergunta; «Queres ser curado?», como a ordem majestosa: «Levanta-te e anda!» indicam para o poder salvador de Jesus, em um sentido universal e ilimitado. Que indicam, em última análise, para o «Levanta-te e anda» do dia da ressurreição dos mortos. Por isso, esta história não nos encoraja só a pensarmos saúde. Encoraja-nos a pensarmos vida - vida eterna!
Oremos: Nosso Senhor poderoso. Com tua palavra tu sondas os abismos mais profundos de nosso coração. Nós sentimos como vamos sendo atingidos por teu evangelho salvador, como as coisas escuras e dúbias de nossa vida vão sendo reveladas. Sentimos que teu evangelho tem poder — também frente à doença, à prostração e à depressão. Salva-nos, Senhor. Nós cremos em teu poder. Amém.
Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS