João 20.1-18

Auxílio Homilético

21/04/2019

 

Prédica: João 20.1-18
Leituras: Isaías 65.16-25 e 1 Coríntios 15.19-26
Autoria: Emilio Voigt
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 21042019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

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1. Introdução

A perícope é composta por duas partes que provavelmente circulavam como tradições independentes. A primeira (v. 1-10) fala da experiência de Maria Madalena e de dois discípulos em torno do túmulo vazio. A ressurreição é mencionada, porém o Ressuscitado não está em cena. A segunda parte (v. 11-18) narra um diálogo entre Maria e o Ressuscitado. Maria recebe uma missão e anuncia aquilo que viu e ouviu. As duas partes estão “costuradas” como cenas de um episódio. É possível dar destaque a um trecho, mas não há razão para abreviar a leitura. O texto é majoritariamente narrativo, o que favorece a escuta e a pregação.

Sobre as leituras: Isaías fala a um povo que passou anos no exílio babilônico e agora retorna à sua terra, ainda devastada. Nesse cenário desolador, o profeta anuncia a esperança de um tempo de alegria, fartura, longevidade, superação do mal. A esperança de um novo tempo também está contida na leitura da epístola: Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos as pessoas mais infelizes deste mundo (1Co 15.19). Enquanto o texto da pregação enfoca a ressurreição de Jesus Cristo, os textos de leitura ampliam a perspectiva. Também nós podemos experimentar a ressurreição e vivemos a expectativa de novos céus e nova terra.

2. Exegese

V. 1 – A perícope inicia com várias informações: era o primeiro dia da semana, estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido removida. Na narrativa do sepultamento, o evangelista nada disse a respeito da pedra (Jo 19.40-42). Apenas mencionou que o túmulo era novo e ficava num jardim. Nos sinóticos, temos a informação de que o túmulo foi aberto numa rocha e que uma pedra foi colocada à frente (Mc 15.46; Mt 27.60; Lc 23.53). João pressupõe o conhecimento dessa tradição. Em Lucas 24.1ss, Madalena estava acompanhada de Joana e Maria, mãe de Tiago. Aqui, ela vai sozinha. Esse é apenas um exemplo de variação nos relatos da ressurreição.

V. 2 – Ao ver o sepulcro vazio, Maria corre para avisar Pedro e o discípulo amado. A repetição da preposição (foi para Simão Pedro e para o outro discípulo) pode indicar que estariam em locais diferentes. Em todo caso, ambos são unidos pela notícia de que o corpo de Jesus foi retirado do túmulo. A declaração “não sabemos” pode se referir à Maria Madalena e aos dois discípulos ou pressupor que outras pessoas já sabiam do ocorrido. Pode ser reminiscência de uma tradição na qual mais mulheres vão ao túmulo. O detalhe importante é que a possibilidade da ressurreição ainda não é vislumbrada. A explicação mais plausível parece ser a de que o corpo foi levado, em uma ação que poderia ser de pessoas amigas, de ladrões, de lideranças judaicas ou até do Império Romano.

V. 3-7 – Após ouvir o relato de Maria Madalena, Pedro e o discípulo amado saem correndo em direção ao sepulcro. O evangelista não diz se ela os acompanha na corrida. O discípulo amado foi mais veloz e chegou antes, porém não entrou. Simão Pedro chegou depois, mas entrou primeiro. A “concorrência” entre os dois é comum no quarto evangelho e retrata a tentativa de equilibrar as posições de Pedro e do outro discípulo nos círculos cristãos. A observação sobre a localização dos panos motiva um questionamento: por que eles foram deixados? Não deviam também estar desaparecidos? Seria muito improvável que alguém despisse o corpo de Jesus para levá-lo a outro lugar, dando-se inclusive ao trabalho de deixar dobrado (ou enrolado) o lenço usado para envolver a cabeça do cadáver.

V. 8-10 – A conclusão a ser tirada é que os panos e o lenço enrolado são sinais da ressurreição. No Evangelho de João, os sinais têm intenção de levar à fé (Jo 20.30s). O discípulo amado entrou no túmulo, viu os panos e creu. Não há indicação sobre a reação de Pedro. A explicação de que eles ainda não haviam compreendido a Escritura dá a entender que agora ambos compreendem e creem. Seja como for, a fé parece ficar sem consequência. Não há manifestação de alegria nem de testemunho da ressurreição. Aliás, os dois discípulos não falam uma palavra sequer em toda a cena. Embora já compreendam a Escritura, têm-se a impressão de que ainda se encontram atordoados com os eventos pré-pascais. De forma lacônica, João relata que os dois foram embora e, assim, encerra a primeira parte do episódio.

V. 11-13 – A segunda parte inicia com Maria Madalena chorando em frente ao túmulo vazio. O evangelista não menciona se ela tomou conhecimento da experiência dos dois discípulos. O túmulo é lugar de despedida, de solidão, de recordações, de luto. A dor do luto é a dor da perda, que se torna ainda mais intensa porque o corpo do defunto está desaparecido. Até esse elo foi perdido. Presa ao luto e inconformada com a situação, ela olha para dentro do túmulo. Neste momento, vê dois anjos marcando o lugar onde deveria estar o morto. João não se preocupa com a possível pergunta: estariam os anjos já na cena anterior e não foram vistos pelos discípulos? Os anjos perguntam o motivo do choro e Maria responde quase nos mesmos termos que havia falado aos discípulos (há dois pormenores: meu Senhor e uso do singular – não sei).

V. 14-17 – Diferente dos mensageiros em Lucas 24.4-7 (cf. Mt 28.5-7; Mc 16.5-7), os anjos não trazem a notícia da ressurreição, mas apenas perguntam. Tão logo respondeu, Maria se virou e viu Jesus, porém não o reconheceu. Esse fato está em correspondência com a narrativa dos discípulos a caminho de Emaús (Lc 24.16). O Ressuscitado também indaga o motivo do choro e acrescenta outra pergunta, indicando já saber a resposta. Supondo falar com o jardineiro, Maria quer saber o suposto lugar onde estaria o corpo. Ela está disposta a buscá-lo, onde quer que esteja. Jesus então pronuncia o nome – Maria! –, e ela imediatamente o reconhece, respondendo “(meu) mestre!”. Aqui se pode fazer associação com João 10.3 (as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama as suas próprias ovelhas pelo nome) e com o episódio de Emaús. Assim como os discípulos reconhecem Jesus por um gesto conhecido (Lc 24.30s), Maria reconhece Jesus quando ele a chama pelo nome. Neste momento a procura teve fim, a tristeza finalmente se converteu em alegria (Jo 16.20).

A tradução e interpretação do v. 17 estão circundadas por impasses. Na maioria das ocorrências no Novo Testamento, Almeida traduziu o verbo grego aptou por “tocar” (ex.: Mt 8.3; 9.20; 17.7; 20.34; 1Co 7.1; 2Co 6.17; 1Jo 5.18). Apenas neste versículo ele optou pelo verbo “deter”. Na mesma linha segue a versão NTLH: “não me segure”. A Tradução Brasileira prefere verter por “não me toques”. Essa também foi a opção de Lutero (rühre mich nicht an) e da Vulgata (noli me tangere), que se tornou referência para muitas pinturas e fantasias sobre a cena. “Não me toque” e “não me detenha” são possibilidades válidas de tradução. A primeira tem caráter de proibição e a segunda abriga um tom de solicitação. É difícil explicar por que Jesus proibiria Maria, mas depois faz questão que Tomé o toque (Jo 20.27). Considerando esse aspecto e a forma verbal, a tradução de Almeida e a da NTLH parecem mais adequadas. O imperativo presente, associado à partícula de negação, caracteriza interrupção de uma ação em curso. Isso significa que Maria já estava tocando ou segurando e Jesus pede que ela o solte. Pode ser que Maria tenha abraçado o Ressuscitado ou agarrado os seus pés, como fizeram as mulheres em Mateus 28.9.

A tradução do verbo aptou não resolve todo o problema. O comentário porque ainda não subi para o meu Pai soa ilógico, pois parece subentender que Maria poderá segurar Jesus depois que ele subir ao Pai. Uma interpretação possível seria: a expressão “porque ainda não subi” remete à ascensão, que inaugura nova fase na relação entre Jesus e as pessoas que o seguem. O que caracteriza o novo momento não é a ausência, mas justamente a presença do Ressuscitado. Essa presença, todavia, é de outra natureza. A partir da ressurreição e da ascensão, Jesus não está mais limitado pelo seu corpo humano. A ressurreição não restaura a condição anterior à crucificação, mas abre o caminho para a exaltação de Jesus, que possibilita novas formas de contato. Maria precisa soltar, se desvencilhar da forma pré-pascal de relacionamento e deixar o Ressuscitado seguir o caminho da exaltação. Junto com o pedido para soltar, ela recebe a missão de anunciar: Vá até os meus irmãos e diga a eles: subo para o meu Pai e o Pai de vocês, para o meu Deus e o Deus de vocês.

V. 18 – Maria Madalena cumpriu sua missão e testemunhou a ressurreição. Nesta perícope, ela é a primeira em vários aspectos: foi a primeira a ir ao túmulo, a primeira a relatar o túmulo vazio, a primeira a ver o Ressuscitado e a primeira a dar testemunho da ressurreição.

3. Meditação

Para o apóstolo Paulo, o anúncio sobre Jesus Cristo é vazio se não falar da ressurreição. Da mesma forma, a fé será vazia se não estiver baseada na ressurreição (1Co 15.14). Fé cristã não existe sem ressurreição. Essa é a grande mensagem da Páscoa e, ao mesmo tempo, o grande desafio. A fé na ressurreição contempla dois elementos indissociáveis: o evento e o significado. Para ser preservada, necessita de ainda um terceiro ingrediente: o testemunho.

a) O evento: Ressurreição não é um fenômeno plausível e sempre foi assunto controverso. Atos dos Apóstolos diz que os saduceus negavam a ressurreição, enquanto os fariseus admitiam a expectativa (At 23.8). Paulo foi zombado em Atenas porque a ressurreição não se encaixava nos padrões do pensamento filosófico (At 17.32). Tudo indica que até seguidoras e seguidores de Jesus não contavam com tal possibilidade. Mateus relata que alguns discípulos duvidaram quando viram Jesus (Mt 28.17). Em Marcos, as mulheres fugiram apavoradas do sepulcro (Mc 16.8) e os discípulos não acreditaram quando Maria Madalena anunciou que Jesus vivia (Mc 16.10s). Os discípulos que iam para Emaús não tinham convicção da ressurreição (Lc 24.21ss). Tomé disse que só acreditaria se pudesse ver os sinais dos pregos e tocar em Jesus (Jo 20.25).

Se as pessoas que conviveram com Jesus tinham dificuldades de acreditar na sua ressurreição, o que as convenceu do contrário? O sinal do túmulo vazio despertou a fé no discípulo amado. Ali ele compreendeu o que a Escritura dizia. Ainda assim, o túmulo vazio é uma evidência frágil, pois pode perdurar a suspeita de que alguém tirou o cadáver. Talvez por isso João acentue que os panos estavam lá, sinalizando que o corpo não foi retirado, mas que Jesus se libertou das ataduras da morte. Se o túmulo vazio é um sinal, o encontro do Ressuscitado com seguidoras e seguidores é a manifestação indiscutível da ressurreição. Por isso o apóstolo Paulo faz questão de mencionar uma extensa lista de pessoas que tiveram essa experiência (1Co 15.5-8). Por algum motivo, Paulo não cita Maria Madalena nem as demais mulheres.

O evento da ressurreição não é explicado em nenhum texto bíblico e as aparições estão igualmente cercadas de mistério. O Ressuscitado traz as marcas da crucificação (Jo 20.27), as pessoas podem ver (Jo 20.18), ouvir (Lc 24.32) e tocar (Mt 28.9). Por outro lado, Jesus não é reconhecido (Lc 24.15s; Jo 20.14; 21.4) e pode aparecer e desaparecer de forma extraordinária (Lc 24.31; Jo 20.19). Que corpo é esse que pode comer e também “atravessar” paredes? Quem buscar uma resposta racional e plausível não a encontrará. Não nos resta muito mais do que, seguindo o testemunho bíblico, confessar a ressurreição como obra divina (At 2.32; 1Pe 1.21). Ainda que tenha conteúdos objetivos, a fé também é caracterizada pelo fator subjetivo, implausível e inexplicável.

b) O significado: Se não tivesse ressuscitado, Jesus seria apenas uma entre tantas pessoas crucificadas pela autoridade militar do Império Romano. Neste caso, porém, a cruz não foi instrumento poderoso o suficiente. Pilatos mata; Deus ressuscita. A ressurreição proclama que as forças da injustiça,  opressão, brutalidade e do ódio não vencerão sempre. Mais do que isso, a ressurreição é a comprovação de que o sangue derramado por Jesus constitui a nova aliança (1Co 11.25; Mc 14.24) e é possibilidade de redenção para toda a humanidade. Sua morte não foi em vão; o poder do amor é mais forte. Por sua natureza e seu significado, a ressurreição de Jesus se distingue de outros casos de ressurreição (1Rs 17.10-23; 2Rs 4.32-37; Lc 7.11-16; Jo 11.32-44). Nesses casos, as pessoas retornaram à vida e morreram posteriormente. Jesus Cristo ressuscitou para a vida eterna. Sua ressurreição marca a vitória completa sobre a morte (1Co 15.54s) e é o prelúdio da nossa ressurreição (1Co 6.14; 15.21-22). A Páscoa é manifestação de um cenário no qual temos parte. Essa é a esperança contida nos textos de leitura para o domingo. A Páscoa substitui luto e desalento por vida e esperança.

c) O testemunho: Túmulo vazio, pano enrolado, encontro com o Ressuscitado – hoje não temos acesso a nenhuma dessas evidências e experiências. A palavra de João 20.29: Bem-aventurados são os que não viram e creram é e continuará atualíssima. A fé na ressurreição brota da Escritura, da pregação, das experiências. Às vezes somos como os discípulos que não compreendem, ou como Madalena que não reconhece. Às vezes precisamos de um sinal para entender ou de um nome para identificar. Cada qual faz a sua busca e passa por experiências. Em todos esses movimentos é o próprio Ressuscitado que se revela, que se deixa encontrar.

A fé na ressurreição chegou a nós pelo testemunho de pessoas que experimentaram a presença do Ressuscitado. Hoje, a comunidade cristã experimenta essa presença quando se reúne em nome de Cristo (Mt 18.20), quando partilha a Ceia do Senhor, quando atua em serviço de amor. É missão da comunidade dar testemunho para transmitir a fé. A fé na ressurreição é transmitida e recriada não como obra humana, mas como um presente divino que sempre se renova.

4. Imagens para a prédica

O escopo da perícope é a mensagem da ressurreição e o Ressuscitado é o personagem central. Maria Madalena não é mera coadjuvante. Seu papel na narrativa é importante para a prédica, que pode ser elaborada a partir das ações dessa discípula. Triste e ainda sem a perspectiva da ressurreição, ela vai de madrugada ao sepulcro, vê a pedra removida, pensa que o cadáver foi retirado, corre para avisar os discípulos, volta para o túmulo, insiste em saber onde estaria o corpo. Maria está à procura e disposta a tudo para encontrar. É um exemplo de persistência, cuidado, amizade e discipulado.

O nome de Maria Madalena muitas vezes é associado a uma pecadora arrependida. Como prostituta ou adúltera, seu pecado estaria relacionado a sexo. Em círculos literários sensacionalistas, é descrita como amante ou esposa de Jesus. Teriam tido até uma filha! Todas essas ilações e fantasias não sobrevivem a um exame criterioso das fontes, como bem demonstrou Silke Petersen em uma obra que ainda não tem tradução para o português. A imagem de Maria Madalena foi adulterada e é necessário resgatar seu papel como discípula de Jesus. Ela é discípula da última e da primeira hora. Ficou até a última hora da crucificação (Jo 19.25) e foi a primeira a ir ao túmulo (Jo 20.1).

Quem você procura? Maria não achou um defunto. Ela encontrou o Senhor, o Mestre, o Ressuscitado. Seus olhos certamente brilharam de alegria, assim como brilham os olhos da criança que procura e encontra uma cesta de Páscoa. A analogia com a cesta de Páscoa pode ser utilizada em contextos nos quais há esse costume. A procura termina quando a criança encontra a cesta. A procura de Maria Madalena terminou quando ela encontrou o Ressuscitado. Também poderíamos dizer: foi encontrada por ele. Ela, que estava perdida na dor do luto, foi encontrada pela certeza da vida e tornou-se a primeira testemunha da ressurreição.

Bibliografia

BARRET, Charles K. Das Evangelium nach Johannes. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1990.
PETERSEN, Silke. Maria aus Magdala: Die Jüngerin, die Jesus liebte. Leipzig: Evangelische Verlagsanstalt, 2011.
WENGST, Klaus. Das Johannesevangelium. Stuttgart; Berlin; Köln: Kohlhammer, 2001. 2. Teilband: Kapitel 11-21.


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Autor(a): Emilio Voigt
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50285
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