SEXTA-FEIRA SANTA
ESTA CONSUMADO
João 19.17-30 (Leitura: Isaías 53)
Há um evangelho só: O evangelho de Jesus Cristo. Graças a Deus! Não há necessidade de outro. Jesus Cristo é o centro e o conteúdo deste evangelho — ele é o evangelho em pessoa. Mas há• os evangelhos segundo Mateus, segundo Marcos, segundo Lucas e segundo João. São relatos; são mais: são testemunhos, são prédicas deste único evangelho de Jesus Cristo. E já que testemunho é mais do que um relatório seco de coisas que aconteceram, mais do que a simples fotografia de uma coisa que se deu, estes quatro evangelhos não são iguais entre si. Não são cópias «xerox» de uma única reportagem original. O único evangelho de Jesus Cristo se reflete em quatro espelhos diferentes. O testemunho dos evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João focaliza o mesmo centro: Jesus. Se assim não fosse, seu lugar não seria na Bíblia. Mas estes testemunhos representam quatro enfoques diferentes, assim como quatro pessoas que dão testemunho perante um juiz sobre um homem que salvou outro de ser assassinado: Cada uma terá a sua maneira de contar os fatos. Cada uma viu um lado que lhe pareceu importante. Cada uma, assim, terá a sua versão própria. E as quatro testemunhas se complementam entre si. O seu testemunho conjunto é que nos faz ver o centro em profundidade, por assim dizer. Sejamos gratos a Deus por termos um evangelho só; e sejamos gratos, por termos quatro evangelistas que dão testemunho dele.
Hoje ouvimos o testemunho do evangelista João sobre a morte do Salvador, na cruz de Gólgota. É um testemunho que aponta bem para o centro do evangelho. Aponta para o Senhor, no momento em que ele sofre a morte, em obediência a seu Pai, cumprindo as Escrituras. Se olharmos para o testemunho dos outros evangelistas, vamos verificar que há diferenças. Mateus e Marcos descrevem mais o lado horrível da morte de Jesus, apontam para o poder das trevas que o Filho de Deus tinha de enfrentar, Jesus é crucificado entre dois ladrões. Na hora de sua morte, escuridão cobre a terra. Em sua extrema agonia, Jesus grita: «Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?» E ele morre, dando um grande brado. O horror do sofrimento do Cristo de Deus tinha tomado o coração dos dois evangelistas. Eles só podiam testemunhar aquilo. — Lucas também descreve as trevas. Mas é como se um arco-íris estivesse brilhando no céu, sobre o fundo das negras nuvens de tempestade. Um dos ladrões crucificados se volta para Jesus, pedindo-lhe que se lembre dele em seu Reino; e Jesus lhe diz: «Em verdade te digo: Ainda hoje estarás comigo no paraíso.» E ao morrer, Jesus exclama; «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito,» E o capitão da guarda, vendo-o morrer desta forma, exclama: «Verdadeiramente este homem era justo.»
O evangelista João dá testemunho da morte de Jesus, mostrando-o como Rei, como o enviado de Deus, que cumpre as Escrituras. Jesus morre como Senhor. Em sua face se reflete a glória do Pai. Já em Getsêmani, quando o haviam prendido, ele tinha enfrentado os soldados de Pilatos como um rei: «A quem buscais?» — «A Jesus, o nazareno,» «Sou eu.» E quando Jesus lhes disse, «sou eu», eles recuaram e caíram por terra. E depois de repetir a pergunta, Jesus lhes disse: «Já vos disse que sou eu; se é a mim que buscais, deixai ir estes.»
Em Gólgota, Jesus não deixa de ser Rei, nem por um momento. Contra a própria vontade, Pilatos tem que testemunhar, com a inscrição colocada sobre a cruz, que Jesus é Rei: INRI Jesus Nazareno Rei dos Judeus. E a teimosia do governador (ele se nega a retirar a inscrição, apesar do protesto dos judeus) ainda reforça este testemunho. Também os soldados que jogam «cara ou coroa» pela túnica de Jesus contra a própria vontade têm de servir aos propósitos de Deus, cumprindo as Escrituras: «Repartiram entre si as minhas vestes e sobre minha túnica lançaram sortes.» (Salmo 2) Majestosamente, com autoridade que ninguém contesta, Jesus diz à sua mãe, parada junto à cruz, apontando para o discípulo amado: «Mulher, eis aí o teu filho.» E ao discípulo diz: «Eis aí tua mãe.» E acontece o que ele diz. É como se todos os presentes, os discípulos, as mulheres, os próprios carrascos — estivessem cumprindo a sua tarefa no plano de Deus. Este plano de Deus se realiza. Nada o pode deter. O próprio Jesus toma a iniciativa para pôr a caminho os carrascos, no último ato de maldade deles: Para se cumprir a Escritura, diz: «Tenho sede.» E os soldados embebem de vinagre uma esponja, fixam-na em um caniço e lhe chegam o líquido azedo e repugnante à boca. É que a Escritura tem que ser cumprida (Salmo 69). E depois de Jesus ter tomado este vinagre, ele diz: «Está consumado.» E, inclinando a cabeça, rende o espírito.
Esta exclamação de Jesus: «Está consumado» nós queremos ouvir hoje com os ouvidos e os corações bem abertos. Queremos ouvi-la como evangelho, como boa mensagem de Cristo, conforme o testemunho do discípulo amado.
Antes de tudo, estas duas palavras querem dizer: Foi feito o que Deus quis. A vontade de Deus, manifestada na Escritura, se cumpriu. A obediência do Filho de Deus foi consumada. O sacrifício da vítima sem defeito se realizou. Coisa estranha, aquela: Os inimigos de Jesus tramam aquele golpe infernal. Pilatos e Herodes se juntam com os sacerdotes e com o povo da rua para fazerem silenciar aquele homem incômodo da Galiléia. A máquina infernal da injustiça e da maldade parece funcionar perfeitamente, como se o diabo tivesse nas mãos as rédeas de tudo. Jesus se deixa levar, passivo não se defende, e assim cumpre a vontade do Pai. No sofrimento de Jesus, toda a virulência do mal se manifesta. É como se o maligno tivesse tirado a máscara. É como se o inferno bradasse: Conseguimos o nosso intento. Jesus foi eliminado. Está consumado!
Pois veja: Estas palavras: «Está consumado» são também uma realidade no reino do mal. Coisa feita é coisa feita. Não posso desfazê-la; não posso fazer de conta de que não tivesse acontecido. O pai, que num momento de raiva esbofeteia o filho, em vez de lhe falar com coração paterno ele não pode desfazer o que fez. «Está consumado», diz o diabo. E a mesma coisa lhe diz a própria consciência: «Tu falhaste. És um pai imprestável.» E a moça, que passou adiante aquele boato feio sobre a colega de escritório boato que levou uma criatura quase ao desespero, não, pode retirar o que disse. Pode pedir desculpas, talvez. Mas não pode passar a borracha por cima daquilo que houve. O mal está feito. O programa infernal se cumpriu. Está consumado. A mentira foi dita, o negócio desonesto foi realizado, a palavra ofensiva foi pronunciada. O tentador conseguiu o que quis: A desobediência foi consumada. Veja Deus — fato consumado! Esta criatura já não te pertence mais. Ela optou pelas trevas. Adão comeu da árvore, da qual lhe disseste que não comesse. Não há mais saída. O santo Deus não pode fazer de conta de que não há de ser nada. Ele é o Deus da verdade. E os fatos consumados do mundo todo se amontoam, formando uma verdadeira montanha de culpa. As injustiças cometidas, as matanças, as crueldades, as guerras, os atos de exploração toda esta lama suja — toda esta poluição espiritual da história da humanidade tudo se acumula; e o acusador infernal diz, triunfante: Está consumado. A história do mundo foi escrita. Escrita e documentada. E é uma história infernal. Este mundo não é o mundo de Deus. É só estudar os documentos da história. São documentos: preto sobre branco. Ninguém vai tirar uma letra daquela verdade. O homem é mau. A própria morte de Jesus o confirma: A maldade triunfou.
Quem examina a história da humanidade, e quem examina sua própria vida e sua própria consciência, ele poderá ficar angustiado por aquele «Está consumado» do acusador. Ai do mundo, se Deus assinasse aquele veredito, aquele julgamento do diabo, tirando apenas a soma daquilo que o homem fez — do mal grosseiro e do mal refinado que ele consumou. Seria o fim do mundo, seria o fim da esperança.
Mas fato estranho — em meio àquele jogo de fatos infernais comprovados e documentados, em meio ao coro infernal do «fora com ele» e do «crucifica-o» Deus realiza sua obra de salvação. No momento em que o poder do mal parece ter triunfado, extinguido o único homem totalmente obediente, totalmente sintonizado com a vontade de Deus, Jesus diz: Está consumado. O plano de Deus está cumprido. Ninguém poderá desfazer o que Deus fez. Jamais. Ninguém poderá desfazer a morte de Cristo na cruz. É um fato consumado — é um ato de obediência consumado. No documentário da humanidade, ninguém poderá passar a borracha por cima daquilo que aconteceu em Gólgota. E é na cruz de Cristo que os fatos consumados se entrechocam: O meu e o teu pecado, a nossa desobediência com a justiça e a obediência de Jesus Cristo. E o fato consumado da obediência de Jesus fala mais alto do que todos os fatos consumados do mal. Quem aceitar este «está consumado» de Jesus, com fé, como sendo o evangelho de Deus para o mundo atolado no lodaçal, a cada dia mais profundo do mal — ele é salvo. Não que Deus passasse a borracha por cima do mal. Ele cria uma nova realidade. Ele é Deus. Ele pode. Ele rasga a nota promissória, o documentário de nossa culpa e escreve uma nova carta, carta de amor, na qual não se fala mais de culpa, e sim, de justiça. Carta escrita com o sangue de Jesus. O seu conteúdo é: «Está consumado.» Você não precisa corrigir as letras feias e erradas do documento de sua vida. Veja a salvação que Deus consumou para você. Quando o diabo acusar você, quando sua consciência o atormentar, responda com a mensagem, com a boa mensagem desta carta de Deus, carta que leva o seu e o meu endereço: Está consumado! Esta carta faz silenciar o inferno.
Em meu escritório, bem acima da escrivaninha onde estou batendo à máquina estas palavras, se encontra pendurada uma tabuinha, na qual, há 15 anos atrás, talhei estas palavras: «Está consumado.» É o fac-simile, a reprodução fiel de outra tabuinha igual, que um jovem soldado tinha talhado, sentado numa trincheira, na Segunda Guerra Mundial, Ele morreu na guerra, num dos sangrentos campos de batalha da Rússia. Esta tabuinha, depois da morte do jovem soldado, foi enviada a seu irmão, e na casa dele foi que eu tirei a cópia. Posso dizer que esta tabuinha me indica o rumo, quando os «fatos consumados» de minha vida me ameaçam desorientar. Nestas palavras se fundamenta minha teologia, e mais: minha fé, minha esperança. Já o dissemos: Estas palavras são o conteúdo central da carta de amor que Deus dirigiu a nós.
Assim, caro irmão, cara irmã — se houver um fato consumado em sua vida que não lhe permite achar paz então agarre-se ao «está consumado» com que Jesus morreu: A paz de Cristo vai raiar em sua vida.
Oremos: Louvado sejas, Senhor e Salvador, por tua obra de salvação. Louvado sejas por tua obediência, por teu amor, por tua fidelidade. Eu te confesso os fatos consumados de minha vida. Não quero embelezar nada. Vê, Senhor, as linhas tortas, vê as mentiras e as meias-verdades de meu passado e de meu presente. Quero agarrar-me à tua cruz. Quero olhar para ti, não para mim. Tu consumaste a minha salvação, tu consumaste a salvação do teu povo. Graças te damos, Senhor. Amém.
Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS