João 15.26-16.4a

Prédica

João 15.26-16.4a - EXAUDI

Prezada Comunidade! 

Na última quinta-feira transcorreu, sem grande alarde, o dia da Ascensão de Jesus. E já no próximo domingo estaremos comemorando Pentecostes. Com isso, estamos chegando ao fim daquela fase do Ano Eclesiástico que gira em torno da Páscoa. Como todos sabem, o Ano da Igreja é estruturado de acordo com a vida de Jesus. E, nesta vida de Jesus, que se reflete no Ano da Igreja, nós vamos encontrar também os discípulos. No tempo da Paixão, vimos os discípulos aparvalhados, não sabendo o que acontecia, vimos os discípulos fugindo, em debandada, quando prenderam e executaram Jesus. Depois, vimos os discípulos voltando cabisbaixos e desilusionados para a sua terra. E também vimos como, de repente, numa reviravolta sensacional, esses mesmos discípulos se ergueram de viva voz, entendendo e transmitindo tudo o que houve - tudo isso, porque viram o Jesus ressuscitado. Pois bem: depois da Ressurreição, os discípulos ainda tiveram, por certo tempo, contato com Jesus, até que este se afastou, definitivamente. É o que o NT nos conta, ao falar da Ascensão.

Bem, depois da Ascensão, a grande pergunta é: E agora? O que é que vai haver agora? Jesus se foi; que farão os discípulos? Sem a sua liderança, sem a sua ajuda? Qual é a tarefa, que os aguarda? Conseguirão executa-la, sozinhos? 

Talvez lhes pareça supérfluo ficar aqui, cogitando sobre o que teriam ou no feito os discípulos, após o definitivo afastamento de Jesus. Mas não é supérfluo! Vejam bem: na verdade, os seguidores de Jesus depois da Ascensão não são apenas aqueles poucos homens; os seguidores de Jesus de pois da Ascensão somos também nós; e tudo o que a Bíblia disser desses seguidores de Jesus após a Ascensão é válido também para nós. Nós somos os discípulos depois da Ascensão. Nesse caso, é também a nós que se dirige o texto da prédica de hoje, onde vamos encontrar Jesus, falando aos seus discípulos, na sua despedida: 

“Quando vier o Consolador, que eu enviarei a vocês da parte do Pai o Espírito da verdade, que procede do Pai ele dará testemunho de mim; no entanto, também vocês são testemunhas, porque estão comigo desde o início. Tenho falado essas coisas a vocês para que não se escandalizem. Eles os expulsarão das sinagogas; mas vem a hora, em que todo o que os matar julgará com isso trazer uma dádiva a Deus. E isso farão, porque nas conhecem o Pai, nem a mim. Mas eu disse essas coisas a vocês para que, quando chegar a hora, se Lembrem de que eu o disse a vocês.

II

Aí está o que Jesus diz sobre a sua comunidade, sobre a sua Igreja, que começa a surgir. E é bom examinarmos uma vez nossas atividades de comunidade cristã, à luz dessas palavras de Jesus. Talvez fiquemos bastante surpresos. Jesus fala inicialmente do ConsoIador. 

Quem é este Consolador? Ê o que, em outros lugares, é chamado de Espírito Santo. João o chama, em grego, de parákletos. E isso quer dizer: aquele que é enviado para colaborar, ajudar. É, portanto, o auxiliador, o ajudante. Isso é o que Jesus promete aos seus: quando eu não estiver mais aí, e vocês terão que testemunhar a meu respeito, aí vou enviar a vocês, da parte do Pai, um auxiliador, que vira e ajudara vocês a falar, a dar testemunho, sem medo. Sobre este Consolador, ou auxiliador, falaremos mais a fundo no próximo domingo, Pentecostes. 

Hoje, vamos Ocupar-nos mais com outra coisa que Jesus menciona aí: a tarefa do cristão: dar testemunho. O que é isso: testemunhar? Cristãos de outras denominações protestantes talvez pudessem responder melhor a esta pergunta do que nós. É muito lamentável que não coloquemos mais ênfase nisso, em nossa Igreja, na importância do testemunho. Pois fé cristã sem testemunho é algo que não pode ser. Não existe. Testemunhar é um elemento essencial do verdadeiro cristão. 

Assim sendo, é preciso examinarmos muito bem o que é isso: testemunhar. Este elemento, que deveria ser uma constante essencial na vida de cada um de nós. Para o cristão, testemunhar quer dizer o seguinte: 

a - Primeiro, quer dizer professar algo, confessar algo; dizer: eu creio que isso é assim e assim; creio e estou certo disso, e estou disposto a defender esta minha convicção a qualquer preço. 

b - Segundo, testemunhar quer dizer professar algo, que me toca lá no fundo, que me pega, me abala, me comove, mexe comigo, me cativa, que diz respeito á minha existência em seu cerne mais íntimo. Testemunhar é, portanto, mais do que dizer que o tempo está bom ou que o preço da gasolina vai aumentar. São duas coisas que talvez me interessem, mas que no fundo no me atingem existencialmente. Isto e, testemunhar é muito mais do que transmitir, comunicar um fato qualquer diante do qual eu possa permanecer em posição neutra. Testemunhar é uma espécie de confissão; ao testemunhar, a gente expõe uma parte de si próprio, põe a descoberto ângulos íntimos de sua personalidade, como que para dizer: Olha, comigo é assim; o fundamento da minha vida é isso! E contigo, como é? 

c - E, com isso, chegamos ao terceiro aspeto deste testemunhar. Testemunhar sempre é, também, um apelo. Testemunhar diante de alguém é sempre dizer: Comigo é assim, e contigo? Eu creio nisso e nisso, e tu? É um apelo, justamente porque não se trata de uma mera comunicação de um fato mais ou menos interessante, mas porque aquilo que eu ofereço, testemunho, é um pedaço da minha própria pessoa, da minha experiência de vida. 

d - E, como último ponto, o elemento mais importante do testemunho do cristão: Jesus fala em dar testemunho de mim. Para o cristão, testemunhar é dar testemunho de Jesus. E de mais ninguém! Isso é essencial para a pregação da Igreja, como um todo, e para o testemunho do cristão, como indivíduo. Testemunhar é falar de Cristo, e de mais ninguém. Isso quer dizer que, antes de mais nada, testemunhar não quer dizer falar de mim mesmo; também não é defender um determinado sistema político ou econômico, não é servir de porta-voz de uma ideologia. Testemunhar é falar de Cristo. E esta é a tarefa da
Igreja. Está errada, portanto, a igreja que falar mais de si própria, que der mais valor ao seu crescimento em números, em edificações, ao seu prestígio - esta Igreja estará traindo o seu Senhor. Está errada a Igreja que achar ser de sua alçada erguer-se como defensora de padrões morais tradicionais, de estruturas sociais vigentes, de sistemas políticos e econômicos em voga; a Igreja deve, isso sim, falar de Cristo e de seus pequeninos irmãos, mas não defender determinado sistema político, social ou econômico; e se o fizer, estará traindo seu Senhor e falando de algo que não lhe cabe. E da mesma forma e pelos mesmos motivos, também não cabe à Igreja levantar-se como defensora de determinada ideologia. Isso é o que pretendi dizer há pouco, ao afirmar que á Igreja cabe testemunhar a Cristo e a mais ninguém. 

O único conteúdo do testemunho cristão e da igreja sé pode ser Cristo. E isso significa, prezada comunidade, que o testemunho cristão diante do mundo deve ser algo de tremendamente consolador, mas também algo de tremendamente incômodo. Tremendamente consolador, porque falar de Cristo ao mundo é falar-lhe da sua única chance de salvação. única! É dizer-lhe que há um meio, que há uma esperança. 

E tremendamente incômodo, porque falar ao mundo de Cristo também é dizer-lhe que Cristo foi morto, por que foi morto e quem o matou. Nós, os homens, o matamos. Porque ele não se enquadrou entre nos, porque ele amou como nós não amamos, porque ele não usou os cotovelos como nós usamos, porque ele não pisoteou como nós pisoteamos; porque ele acolheu o pecador, que nós, moralistas, não acolhemos; porque ele foi aos humildes, que nós desprezamos; porque ele não foi aos sãos, mas aos doentes. Por tudo isso porque Jesus não andou na nossa linha. —por isso foi morto. Essa é a coisa incómoda que devemos dizer ao mundo ao testemunharmos Jesus Cristo. Mas não é só isso. 

Temos que dizer mais; algo ainda mais incômodo. Temes que testemunhar o seguinte: nós continuamos matando Jesus dia a dia; continuamos pregando-o à cruz a cada minuto que passa e em cada ser humano, que passa fome á nossa porta, que não ganha emprego em nossa cidade, que morre de doenças curveis neste País, que mergulha na cachaça porque não vê outra saída. Nestas pessoas, continuamos crucificando Jesus. Este é o testemunho incómodo que devemos ao mundo. Sim, nós o devemos ao mundo. O mundo precisa ouvi-lo. 

Isso tudo, caros presentes, é o que quer dizer dar testemunho de Cristo. Isso tudo é a tarefa única da igreja. E toda atividade sua, para ser legítima, deve ter por meta este testemunho: seja uma Campanha do Quilo, a compra de um carro, um edifício como este, a pregação do pastor ou o que for. E o testemunho da igreja e do cristão, para ser autêntico, não poderá expressar-se apenas em meras palavras, mas também numa ação correspondente.
No entanto, Jesus não se limitou a delinear a tarefa. Ele também falou de suas consequências: Eles os expulsarão das sinagogas; mas vem a hora, em que todo o que os matar julgará com isso trazer uma dádiva a Deus. E isso farão, porque não conhecem o Pai, nem a mim. 

São consequências de proporções. O testemunha de Jesus deve estar disposto a sofrer o mesmo destino, pelo qual passou o seu Senhor: exclusão da sociedade respeitada e até a morte. São possibilidades constantemente latentes, onde ocorrer um autêntico testemunho de Cristo; onde cristãos, num imperativo de fé, digam e façam coisas incômodas à sociedade. 

Mas, olhemos para nós! Somos nós expulsos? Há quem procure matar-nos por causa do nosso testemunho? Ou estar a sendo fácil demais o testemunho? Pouco autêntico, talvez? Afinal, onde esta o testemunho? Ele existe? E, se existe, é suficientemente forte, é ouvido? - Cada qual dê a sua própria resposta. A verdade é que a sociedade atual tolera, admite e também se aproveita do Cristianismo. E isso da à Igreja uma margem de existência sem perigos. Isto é, ao que tudo indica, é possível, hoje, testemunhar a Cristo sem correr risco de vida. 

O que, no entanto, não significa que vai ser assim toda vida. Quem realmente testemunhar a Cristo, deve sempre contar com a possibilidade de sofrer por este testemunho. Foi o que ficou claro ainda neste presente século, há nem trinta anos, na Alemanha nazista. Lá um testemunho cristão autêntico podia custar o próprio couro. E ninguém é capaz de garantir que isso não venha a acontecer algum dia entre nós. 

Para finalizar, mais uma vez: esse texto fala de nós, da comunidade cristã após a Ascensão de Jesus. No entanto, o que Jesus diz dos seus testemunhas não se coaduna inteiramente com a nossa situação. Por isso, gostaria que levassem algumas perguntas consigo para casa e pensassem muito nelas: Testemunhamos? E, se o fazemos, testemunhamos realmente a Cristo ou a nós, a um sistema, a uma ideologia? Esse nosso testemunhar tem consequências para nós? Ou não? E, se não tem consequências, por que ser? Porque a sociedade nos tolera ou porque o testemunho é fraco, não consola, mas também no incomoda? Como será? Como desempenhamos a tarefa que nosso Senhor nos confiou: testemunhar ? Amém. 

Oremos: Senhor, nosso Deus, gratos te somos por nos confiares a tarefa de testemunhar-te. Perdoa-nos por sermos tão tímidos, vacilantes e covardes no nosso testemunho. Dá-nos o Consolador, o teu Espírito, para que nos ajude a proclamar-te, em palavras e ações, e a estarmos prontos a tudo na obediência a ti. Amém.

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS

 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 7º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 26 / Versículo Final: 19
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 20311
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Salmo 16.2
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