João 10.11-16

Prédica

21/04/1985

Culto de Encerramento do Concílio Distrital

Distrito Eclesiástico Rio de Janeiro

Nova Friburgo - RJ

21 de abril de 1985

Prédica João 10.11-16

Prezada comunidade, prezados irmãos e prezadas irmãs!

Quem é o bom pastor?

“Tancredo Neves, o bom pastor, que transformou o Brasil em um só grande rebanho!!!”

São palavras de muito efeito...palavras que impressionam. Apesar da boa intenção que está por trás delas, qualquer pessoa poderia desconfiar delas.

E por quê?

Quem sabe, porque a unidade aparente, no momento, em torno do poder, em torno do cargo de presidente, ainda vago e não ocupado, não correspondem à vida real. Os conflitos, os desencontros entre as pessoas, as divisões e as desavenças continuaram e continuam.
Portanto, a frase: “Tancredo, o bom pastor...” é demagogia pura, é mistificação da realidade.

Quem é então o bom pastor hoje?

O pastor local, o pastor da paróquia? Aquela figura idealizada e romantizada que faz visitas e se entende bem com os presbitérios?

Imediatamente eu me lembrei de Jesus que, ao ser chamado de “bom”, imediatamente declinou deste título.

E eu digo que para hoje e para sempre Jesus Cristo é o bom pastor!!!

Já dizia Lutero que “São muitos e infelizmente, até demais aqueles que são chamados de pastores e assumem a tarefa de apascentar e guiar almas. Agora, somente eu sou o bom pastor, diz Jesus.”

Isso quer dizer, o único e insubstituível bom pastor de todos os membros das comunidades cristãs, incluindo aí o responsável pelo ministério pastoral das mesmas, é Jesus Cristo. Todos somos igualados diante dele; perante ele somos todos necessitados, somos ovelhas perdidas, também eu e os pastores das paróquias de vocês.

Agora, como nós podemos identificar a voz deste bom pastor hoje? Como podemos descobri-lo em meio à miscelânea de recados e de propostas religiosas? Eu diria, que nem se trata de um supermercado de ofertas, mas, sim, um verdadeiro mercado persa, um feira-livre com vozes por todo o lado, vendendo o mesmo produto e garantindo que a sua oferta é a melhor. Rádios, TVs, jornais, folhetos, praças, ruas, etc.......

Sim, hoje Jesus possui seus representantes que são a sua voz e também, quem sabe para a confusão nossa, são chamados de pastores.

Jesus fez uso de comparações para dizer que ele é o bom pastor. Destas comparações podemos tirar critérios para distinguir as vozes autênticas de seus representantes. São critérios importantes e válidos para o trabalho pastoral e missionário.

Como Jesus poderia ter essa autoridade de dizer: “Eu sou o bom pastor!” ??

Examinemos como ele se apresentou frente às ovelhas.

1. Ele não falava em nome próprio. Ele falava em nome do Pai, como seu enviado (v.15)

E hoje? Examinemos...

“Eu pertenço à igreja do pastor...” “Graças ao pastor..., minha vida mudou.”

Ou seja, há um enaltecimento do pastor e se cria uma dependência em relação a ele. As pessoas participam desta ou daquela denominação porque o pastor é simpático, ou porque é ele que convida e é ele que cobra participação. Nestas situações o vínculo é mais com a pessoa do pastor do que com Jesus Cristo.

Quando o pastor permite que isso aconteça, quando ele também não se coloca como ovelha debaixo do mesmo senhorio de Cristo, o critério de Jesus, o bom Pastor, é quebrado. Programas de rádio e TV que mostram antes o nome do pastor, quando acontece a promoção do nome, a fama do nome, a característica de Jesus é ferida.

2. Compromisso com a vida

“Eu vim para que tenham vida...” - Jesus se ocupa com a integralidade da vida. Não se satisfaz com uma vida parcial. Não se trata de dar um simples consolo pastoral na comunidade, mas acompanhamento na vida no dia-a-dia.

A ovelha requer pastagem para a sua sobrevivência. As pessoas requerem o pão de cada dia. As feridas das ovelhas precisam ser saradas. As pessoas precisam de atendimento à saúde.As ovelhas carecem de abrigo contra a chuva e o frio. As pessoas carecem de habitação. Enfim, presença e conforto em meio a isto tudo.

Jesus veio ao encontro das necessidades das pessoas apesar das leis proibitivas. A controvérsia de Jesus com os fariseus que expulsaram a pessoa cega ilustra isso. Jesus se opôs aos preconceitos.

Hoje é comum nós afundarmos as pessoas em seus pecados ou as condenamos preconceituosamente. As pessoas são preguiçosas, vagabundas. É assim quem são tratadas as pessoas pobres, faveladas, negras, índias, prostitutas, analfabetas, menores, etc. Não conseguimos olhar em primeiro lugar para as suas necessidades concretas de vida. Não olhamos para as angústias decorrentes desta situação, ligadas a sua busca por paz, acolhida, reconhecimento, comunhão, sentido para a sua vida.

O mercenário, o falso pastor, o funcionário não se preocupa com a vida das ovelhas. Procura os seus interesses. Não visa a vida abundante que Jesus dá. Vemos isso principalmente diante do perigo. Quando a vida do rebanho está ameaçada, quando o lobo vem, ele foge. Quando os poderes da morte ameaçam a vida, o mercenário não está nem aí. Ele silencia em sua prudência, não fala do inimigo que ameaça, não denuncia as forças que são contra a vida em abundância.

Nem todas as ovelhas percebem o perigo. Aí a importância e tarefa do representante do bom Pastor hoje exercer o seu papel profético de denúncia, de falar pelas ovelhas, sem vez e sem voz.

O mercenário, por segurança pessoal e familiar, acha que não vale a pena expor sua vida e da família ao risco de vida. Pelo salário que ganha esquece a causa e não vê em primeiro lugar o compromisso com o dono do rebanho, o rebanho de Deus. A consequência disso pode ser desastroso.

3. Dar a própria vida pelas ovelhas

O representante pastoral possui a consciência de Cristo e por isso o seu compromisso pela vida poderá leva-lo a dar a sua própria vida. Esse ensino básico de Jesus e de seu discipulado nós procuramos ignorar, ou, no máximo, localizá-lo geograficamente no bloco oriental.

No entanto, ele não está tão longe. Pensando na América Central, onde em El Salvador é suspeito e preso quem ostentar uma Bíblia debaixo do braço. Na África do Sul com seu regime racista e segregacionista. E não por último em nosso país onde também temos representantes pastorais que na luta contra o lobo tombaram e deram a sua vida.

Jesus, o Bom Pastor e não mercenário. Hoje, nós, seus representantes, facilmente nos tornamos meros funcionários. Daí ser da máxima importância lembrar que as ovelhas não pertencem a nós, mas que nos foram confiadas para serem encaminhadas ao pastor Jesus Cristo.

Além disso, nós não somos as ovelhas exclusivas (v.16), o grupo dos eleitos únicos. Não um só aprisco, mas um só rebanho – isso relativiza a nossa pretensão exclusivista.

Jesus Cristo, portanto, não está limitado em sua ação de formar um só rebanho, onde ele é o único pastor, com a nossa comunidade, nossa igreja. Admite a pluralidade e ultrapassa os nossos esquemas. Trabalha, atua e está presente inclusive em outros movimentos sociais, fatos e acontecimentos.

Se olhamos para a nossa conjuntura nacional, se não fora Jesus Cristo, nós há muito tempo teríamos afundado. Jesus Cristo sempre de novo irrompe da forma mais inesperada e escreve a história conforme os desígnios de Deus.

Seja qual for o desenlace da doença de Tancredo Neves, tenho a certeza a convicção de que um dos aprendizados importantes é:

- não depositar a nossa responsabilidade nas mãos dos outros, aliviando os nossos compromissos;

- ter participação mais efetiva na vida do povo e

- não confiar e acreditar em homens e depositar neles as nossas esperanças.

A partir do texto de hoje, se temos como único pastor Jesus Cristo, é Ele que nos guia, dirige e orienta. Nosso compromisso é para com Ele em primeiro lugar.

Este compromisso leva-nos a estar do lado da vida e não da morte, tendo a consciência de que podemos, inclusive, perder a própria vida por causa disso. Amém.


[ Esta prédica foi proferida no culto da manhã do dia 21 de abril de 1985, às 10h, por ocasião do encerramento do Concílio Distrital do Distrito Eclesiástico Rio de Janeiro (DERJ), na cidade de Nova Friburgo/RJ.

Tancredo Neves faleceu neste mesmo dia às 21h.

Ele adoecera gravemente na véspera de tomar posse, dia 15 de março de 1985. Ficou internado durante mais de um mês e neste período houve uma grande comoção nacional. A população brasileira se envolveu e em centenas de cidades houve celebrações religiosas pelo restabelecimento de sua saúde. ]



 


Autor(a): Rolf Schünemann
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 3º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 16
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 33003
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