Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos

26/08/2016

Lucas 14.1-14

Prezada Comunidade:

No Evangelho de hoje vemos que os fariseus estão de olho em Jesus. Eles querem mostrar para todo mundo que Jesus não é uma pessoa religiosa, que ele não respeita as leis da religião judaica. Ali na casa de um líder fariseu, uma pessoa com os pés e as mãos inchadas se aproxima de Jesus. Era dia de sábado e era proibido atender um doente. Jesus então pergunta aos fariseus: é permitido curar uma pessoa no sábado? Ninguém diz nada. Jesus já sabia o que ele iria fazer. Ele não perde a oportunidade para afirmar mais uma vez que o sofrimento humano é mais importante que qualquer Lei . A religião não deve ser usada para justificar o sofrimento das pessoas. O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, Jesus não tem nenhuma hesitação e cura essa pessoa.

Todos ficam em silêncio. Ninguém sabe o que dizer. Para quebrar o silêncio, o dono da casa avisa que a comida está pronta e pede que os convidados se sentem à mesa. Aí é Jesus quem observa os fariseus e nota que – apesar de serem pessoas de muito religiosas – eles dão um péssimo exemplo de vida comunitária. Cada um quer ser o primeiro, cada um quer se destacar mais. E ai Jesus diz aos seus discípulos: Entre vocês não pode ser assim. O lugar do discípulo, do seguidor de Jesus é, por livre escolha, o último posto. E não somente colocar-se em último lugar, mas agir sempre desinteressadamente. Jesus diz que muitos dos fariseus só convidam com a intenção de serem convidados, “dou para que me dês”. Jesus anima seus discípulos (sua igreja) a convidar os pobres, aleijados, coxos e cegos, pessoas que ninguém convida. Portanto, Jesus diz que na vida comunitária o mais importante é a humildade e a generosidade, não à recompensa; Igreja não é negócio, não é investimento. A comunidade (igreja) é o espaço sagrado no qual Deus habita.

Praticar a humildade na convivência comunitária – isso constrói o caminho seguro e verdadeiro para o céu. A arrogância e a falta de humildade destroem a convivência entre as pessoas. Portanto, o comportamento das pessoas é que vai assegurar a unidade da igreja. Onde houver unidade, ali tem humildade, generosidade, caridade e onde houver divisão, isso é sinal de que o pecado está presente. Por isso, para salvaguardar a unidade da comunidade cada pessoa deve sempre estar disposta a ceder, a não ser intransigente, a não fazer comentários uns contra os outros.

A vida comunitária ainda hoje é um desafio. Conviver com outras pessoas é um desafio não somente para as igrejas, como também para a política e a economia do planeta.

Atualmente se verifica um aumento crescente do individualismo, do conservadorismo e de fenômenos fundamentalistas. Cada pessoa está convencida de que a sua verdade é a única. Somente a sua opinião é que vale. E assim surgem os conflitos e se quebra a comunhão. Comunhão significa abertura, encontro, diálogo. O contrário da comunhão é o fascismo, é o radicalismo, é a incapacidade de escutar e de dialogar com quem pensa diferente. Sem comunhão, sem diálogo, não é possível a existência da Igreja. Portanto, essas atitudes radicais, o ódio com quem pensa diferente, isso é incompatível com quem é seguidor de Jesus, porque isso ofende a vontade de Deus. É justamente isso que Jesus diz que seus discípulos deveriam evitar.

É claro que um cristão também não deve fechar os olhos para a realidade. Quando olhamos em volta para a situação política, econômica, social e até religiosa em nosso país, nos perguntamos: Como é possível que num país majoritariamente cristão vigore tanta injustiça, insensibilidade, discriminação social e humilhação de negros, mulheres, indígenas e pobres? Como é possível que até entre nossas igrejas e em nossas famílias tenham entrado essas sementes da intolerância e da discórdia. Alguma coisa errada ocorreu nas nossas pregações da mensagem libertadora e humanizadora de Jesus a ponto de os corruptos e corruptores cristãos, sequer terem a má consciência do que fazem.

Mas, para superarmos a crise não bastam apelos moralizantes, sempre tão fáceis. O que precisamos são propostas positivas de uma verdadeira mudança, uma transformação da sociedade. Não basta apenas apontar o dedo para as pessoas desonestas, intolerantes e corruptas. É preciso um olhar mais abrangente e identificar tudo aquilo que promove a corrupção e a falta de ética.

Se olhamos para a história do mundo e da humanidade, vamos ver que nem toda crise, nem todo caos são necessariamente ruins. A crise acrisola, funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso. O caos não é só caótico; ele pode ser generativo. É caótico porque destrói certa ordem, mas é generativo porque a partir de um novo rearranjo dos fatores, instaura uma nova ordem que faz a vida ser melhor. Dizem os astrólogos que a vida surgiu do caos. O caos organizou internamente os elementos de alta complexidade, que fez eclodir a vida na Terra.

Portanto nesses tempos de aflição em relação ao presente e ao futuro, Jesus nos faz olhar para essa parte do Evangelho de Lucas 14, onde ele recomenda atitudes de humildade e de generosidade nas relações comunitárias. É humano o afã de ser, de situar-se, de querer estar cima dos demais. Hoje em dia, parece tão natural conviver com este desejo que o contrário na sociedade é qualificado de “idiotice”. Quem não aspira a ter mais, quem não se situa acima dos demais, quem não se sobrevaloriza, é tachado de “tonto” neste mundo competitivo.

Diante dessa realidade, o chamado de Jesus é claro: os cristãos devem andar na contramão do individualismo e promover os relacionamentos marcados pelo amor fraternal, pelo cuidado com a criação, pela busca por justiça, e pela comunhão cristã, pela generosidade, pelo diálogo. O diálogo pressupõe uma relação de igualdade, respeito e dignidade. O diálogo convence com bons argumentos, sem impor ou mandar.

Portanto, Jesus observa o comportamento dos fariseus, ele vê que cada um procura o melhor lugar na mesa. Mas ele não fica somente na crítica, ele também faz uma nova proposta.

Tem uma música de 1981 do cantor Zé Geraldo, que estamos transmitindo pela Rádio Luteranos UAI, chamada Milho aos pombos. A letra diz assim: “Enquanto esses comandantes loucos ficam por aí, queimando pestanas organizando suas batalhas, e os guerrilheiros nas alcovas preparando suas bombas e suas mortalhas. A cada conflito mais escombros. Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos. Quanto mais alto o cargo, maior o rombo. Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos.” A canção é uma crítica às pessoas que reclamam do que acontece, mas não fazem nada para que ocorra uma mudança.

Mas, o que podemos fazer?

Foi Dom Quixote que disse: “nunca devemos aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas”. Na Igreja sempre dizemos: “Quem batiza educa”. E Jesus resume todos os projetos político-pedagógicos do ensinar e educar num só: “Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma e com toda sabedoria e ame os outros como você ama a você mesmo”(Mateus . 22.37-39). Portanto, só o amor educa e ensina.

Se estamos indignados com a violência, a injustiça, a falta de respeito ao ser humano e a natureza, então já não podemos apenas nos sentar na praça e dar milho aos pombos. O chamado de Jesus é claro: uma pessoa cristã tem a tarefa de transformar o mundo. A fé em Deus deve ser aplicada em nossa vida. Somente educa quem dá o exemplo. Por isso, transformar o mundo significa cuidar do caráter de nossos filhos e filhas e das pessoas com quem nos relacionamos, aconselhá-los a sempre buscar o bem. Não se deixarem seduzir pelos discursos de ódio e intolerância. Jesus nos chama a tomar absolutamente sério a lei áurea: “não faça ao outro o que não quer que te façam a ti” e “ame o próximo como a ti mesmo”.

Também devemos orientar-nos pelos dez mandamentos, escritos na Bíblia como forma de ordenar a vida social do Povo de Deus e, que podem ser traduzidos hoje como:

-“não matar” significa, venere a vida, cultive uma cultura da não violência.

- “não roubar”: aja com justiça e correção e lute por uma ordem econômica justa.

- “não cometer adultério”: amem-se e respeitem-se mutuamente, e obriguem-se a uma cultura de respeito, de igualdade e parceria entre o homem e a mulher. Existem casais que já deixaram de se amar. Mas jamais poderão deixar de se respeitar.

Jesus ainda não desistiu desse Brasil, ele ainda não desistiu de cada um de nós. Como consequência, uma pessoa cristã, que crê nesse Deus que venceu a morte, não pode ser uma pessoa pessimista.

Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus nosso Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam no meio de nós. Amém
 


Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Belo Horizonte (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 14 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 14
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 39276
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