Esta história da mulher adúltera nem estava inicialmente na Bíblia porque era muito polêmica. E ainda hoje ela entra em cheio nos debates atuais sobre violência, impunidade etc.. É claro que seria forçar muito a história bíblica para usar ela como padrão para todo o nosso debate, mas nos provoca: A mulher transgrediu a lei contra o adultério, uma lei que para sua época era essencial para a paz social e sobrevivência econômica, e ela sai sem punição somente com a recomendação de não fazer de novo. Será que Jesus quer dizer que este é o padrão de lidar com a lei? Estremecemos ao imaginar isto para o nosso mundo.
Vale constatar que nem os adversários de Jesus, os fariseus, nem ele mesmo estão aí para resolver a lei penal. Não temos nenhuma afirmação genérica de Jesus sobre esta questão. Temos sim outros momentos onde Jesus supera com amor a falta de alguém, como na história do corrupto Zaqueu ou na dos criminosos que estão ao lado dele na cruz.
Mas aqui o jogo é outro. A disputa entre Jesus e os fariseus é sobre como o amor de Deus chega até nos. Um questão que nos afeta profundamente até hoje. Para os fariseus o amor de Deus passa pela lei mosaica. Quem cumpre a lei chega ao céu. Quem não a cumpre é punido conforme a mesma lei. Para eles, condenar a mulher com toda crueldade faz parte da preservação do caminho certo ao céu. E faz parte deste jogo que são eles que decidem se alguém cumpriu ou não a lei. Exercem poder com isto e de forma hipócrita porque nem sempre cumprem e não podem cumprir o que a lei exige.
Jesus vê as coisas de forma diferente. Para ele o amor de Deus está presente de graça. Ninguém pode fazer nada para merecer o céu, mas o céu chega gratuitamente até nós. Isto incomoda frontalmente os fariseus porque afeta a autoridade deles.
Por isso chamam Jesus para pô-lo contra parede. Se ele os apoia então não se distinguiria mais. Se ele é contra a punição então se desautorizaria como um fora da lei.
Jesus escapa ao dilema ao trazer a dimensão do céu. A mulher descobre o céu no olhar dele: “Ele sabe tudo, mas me aceita como sou.” E os fariseus percebem como a punição deles está longe do céu, mas é sim uma ação limitada, precária, entre pecadores. Envergonhados saem de cena...
Jesus aposta no poder do céu e demite a mulher somente com uma recomendação de não fazer de novo. Será que é isto que ele quer da gente? Isto resolveria o crime? Claro que não. Mas ele recoloca o debate de volta no mundo. Há necessidade de contenção, sim. Mas o céu não chega com a polícia. Nenhuma pessoa muda por causa de cadeia. É isto que a nossa realidade mostra mesmo.
Pessoas mudam por encontrar o amor de Deus. O amor é a única força que transforma de fato.
Proclamar isto e fazer sentir, isto é a tarefa da comunidade cristã.
Amém.
P. Guilherme Nordmann