16° CONCÍLIO GERAL DA IECLB
Brusque, 1988
Jeremais 29.4-7,10-14
Procurai a paz da cidade... e orai por ela ao Senhor...
Prezada comunidade, irmãs e irmãos!
Se as pessoas vivessem quinhentos anos em vez dos sessenta a oitenta que normalmente nos são concedidos, qual seria seu comportamento? E uma pergunta especulativa, nada mais. Mas ela não deixa de ser interessante. Se a expectativa de vida, em média, fosse de meio milênio, deveríamos planejar e pensar em prazos bem maiores. Deveríamos ser mais previdentes, levar em conta que também no ano de 2400, por exemplo, necessitaríamos de condições condignas de viver. Infelizmente, o ser humano não pensa desta forma. Interessa-se, isto sim, pelo futuro imediato. Mas o futuro distante não o preocupa. Nossos netos — que se virem. O mundo daqui a 60 ou 70 anos já não mais será o nosso. Ele está fora dos nossos horizontes.
Vejo nesta maneira de pensar um dos maiores problemas da atualidade. Cultiva-se um imediatismo que conhece apenas o dia de hoje, talvez ainda o dia de amanhã e depois de amanhã. Mas o futuro está sendo desconsiderado. Nós estamos aqui nesta terra por breve espaço de tempo. Nada mais somos do que hóspedes neste mundo, visitantes deste planeta com a passagem de volta no bolso. Portanto, vamos aproveitar, tirar o máximo desta excursão à terra. O estado em que vamos abandonar nosso acampamento, que interessa?
Prezada comunidade! As pessoas a que o profeta Jeremias endereça a carta de que é extraído o texto desta prédica, pensavam e sentiam de modo semelhante. E gente exilada, deportada em 597 a.C. de Jerusalém à longínqua Babilônia, proibida de sair do país. Sentiam-se estrangeiros numa terra estranha. Não queriam ambientar-se. Sonhavam com a volta à pátria dentro de breve, consideravam-se apenas hóspedes temporários no lugar onde estavam. Não era ali que estavam em casa e também não queriam criar raízes. É porque de modo algum se sentiam responsáveis pelo novo ambiente de vida.
Jeremias escreve o que não deve ter agradado àquela gente. Ele diz: Edificai casas, e habitai nelas; plantai pomares, e comei o seu fruto. Ele aconselha casar e fundar uma família. Sobretudo, porém, ele insiste na necessidade de colaborar com a paz da cidade. No versículo 7 diz: Procurai a paz da cidade... e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz. No entender de Jeremias, a volta dos exilados à terra de Israel vai demorar. Ele quer que os exilados assumam a vida em terra estrangeira, que lá se saibam em casa. Isto significa inevitavelmente o engajamento em trabalho construtivo: Plantar pomares, cultivar jardins e lavouras, cuidar da produção agrícola. Isto significa construir casas, resolver o problema da habitação, humanizar o ambiente de vida. Isto significa, enfim, criar família, providenciar educação para os filhos, zelar pela previdência social. Quando a gente veio para ficar, as coisas têm outro aspecto do que quando a gente veio para logo partir de novo.
São altamente atuais as palavras do profeta. Claro, nós não somos Os exilados de então. A situação é diferente. Mas a mentalidade daquela gente de então está muito presente entre nós. Também cristãos estão contaminados por ela. Sentem-se aqui na terra como estando realmente numa espécie de exílio. Só falam mal deste mundo, não se interessam pelas suas dores, esquecem ser ele a criação de Deus. Isto existe, lamentavelmente: Gente que não contribui com a paz da cidade e do país, que só pensa na pátria lá nos céus.
E todavia, este defeito não se encontra apenas na religião. Ele tem uma variante secular, quem sabe ainda bem mais perigosa. Ela se observa sempre que o nosso ambiente está sendo brutalmente destruído, sempre que se explora ao máximo e sem nenhum escrúpulo moral o que esta vida tem de bom a oferecer. A mentalidade dos exilados da Babilônia se faz sentir sempre que se registra indiferença para com os destinos da humanidade, para com o bem-estar dos contemporâneos, dos filhos e dos netos, sempre que prevalecer o princípio: Comamos e bebamos que amanhã morreremos (Is 22.13). As pessoas se comportam como excursionistas: Divertem-se, mas deixam o lixo no local, estragam o acampamento, tornam a terra inabitável.
O pão nosso de cada dia — este o nosso tema para o biênio 1989/ 90. Nós o colocamos num mundo faminto, num mundo em que o pão, devido aos estragos ambientais e às distorções sociais se tornou escasso. Nós precisamos comer. E o que nos deve lembrar, o quanto estamos atrelados a este nosso mundo. Os exilados de então não podiam esperar a importação de alimentos da Palestina. Tinham que viver do que se produzia na Babilônia. Assim também hoje. O pão de cada dia não cai do céu. Isto acontece somente em situações especiais, como naquela vez em que o povo de Israel andava no deserto e Deus o salvou pelo maná. Normalmente não é assim. O alimento deve ser produzido na roça, na lavoura, em pomares. Cuidado com esta mentalidade de excursionista, estrangeiro, de passageiro em trânsito. Ela vai produzir (e já produziu) fome. Vai resultar em depredação, em injustiça, em luta desesperada pelos restos de pão que em toda essa destruição está sobrando. E tempo de plantar, de construir, de preservar. Quem não planta, não terá o que comer, quem não constrói casas, não terá onde morar, quem só consome e não repõe, quem só derruba e não constrói, este ou esta está destruindo a si mesmo. Não tem futuro e prejudica o presente.
Só que, não permanece sendo verdade, ainda assim, que somos peregrinos nesta terra? Não é ilusório a gente querer fixar aqui residência definitiva? Não é verdade que devemos morrer e que nossa pátria está no céu, como diz o apóstolo Paulo? Sem dúvida alguma. O que me chamou a atenção neste texto do profeta Jeremias é que, apesar de ele aconselhar as pessoas no sentido de plantarem, construírem casas e casarem, a esperança da volta a Jerusalém de modo algum é negada. Quando se cumprirem 70 anos, assim o texto, Deus vai reconduzir seu povo à terra de onde veio.
Por favor, não vamos cair em ilusões. Nossa vida é e permanece sendo passageira. Este mundo não é capaz de nos dar a plenitude da vida. E o pão que produzimos na terra jamais nos poderá saciar em definitivo. Nós não deixamos de ser visitantes neste planeta, e as raízes que aqui criamos certo dia serão cortadas. Ainda não vivemos no paraíso, e isto se deve, não por último, a nosso pecado. Esta nossa vida traz as marcas da imperfeição. O castigo de Deus nela se manifesta. Querer o perfeito já, é altamente perigoso, ilusório. Vai desencadear uma desesperada luta por felicidade que acaba em frustração. Comida e bebida de modo algum são garantia de realização humana. Lembremo-nos: Jesus fez acompanhar a prece pelo pão de cada dia de ainda outras preces: Santificado seja teu nome, livra-nos do mal, perdoa-nos as nossas dívidas. Existem outras dimensões da vida, imprescindíveis, essenciais, fundamentais. Não esqueçamos isto. Seria catastrófico.
Da mesma forma, porém, é catastrófica aquela mentalidade, da qual antes falei. Vamos aprender do profeta Jeremias e escutar o que ele tem a dizer. Imagino-o dizendo mais ou menos o seguinte: Gente! Vocês estão agora na Babilônia, e depois de alguns decênios vão sair de lá de novo. Deus vai cumprir os seus anseios, sim. Ele sabe que há sofrimento entre vocês, que a liberdade é restrita, que há insatisfação. Mas-vejam, a Babilônia é por enquanto a sua terra, o seu ambiente de vida. Também lá dá para viver. Vocês podem celebrar culto, viver a fé, alegrar-se. Sim, vocês podem fazer muito mais. Vocês podem trazer um pouco de Jerusalém à Babilônia, orar pela paz da cidade, colaborar com o bem-estar da população, melhorar as condições de vida, viver um pouco de céu na terra. Um dia virá o perfeito, virá o reino de Deus em sua plenitude. Então não mais haverá sofrimento, nem morte nem pecado. Mas isto é futuro. Até lá Deus quer que vocês vivam na Babilônia. Vocês têm aí uma missão a cumprir, a saber fazer as pessoas mais alegres. Como? Ora, testemunhando o amor de Deus, colaborando na produção do pão de cada dia e distribuindo-o para que haja paz e justiça entre as pessoas. Vocês tem muita coisa a fazer na Babilônia. Desgraçados aqueles que não enxergam sua missão e que se comportam como turistas, aproveitadores, piratas. Vocês têm uma missão na Babilônia. Lembrem-se. Caso contrário sua vida vai se tornar um inferno e o pão de cada dia vai faltar.
Prezada comunidade! Nós encerramos este culto com a celebração da Santa Ceia. Deus nos convida para receber o seu pão. Quer nos alimentar em sentido amplo. Vamos para casa, pois, como testemunhas do pão que ele dá e reparte entre nós. E vamos para casa também com o compromisso de plantar e construir, engajando-nos em favor da paz em nossa cidade e em nosso país. Amém.
Fonte: Tesouros em Vasos de Barro. Editora Otto Kuhr, Blumenau/SC