Isaías 66.10-14 - O coração maternal de Deus

Prédica

13/05/1979

DIA DAS MÃES
O CORAÇÃO MATERNAL DE DEUS
Isaías 66.10-14 (Leitura: Salmo 131)


Nós estamos acostumados de tratar a Deus com seu nome mais belo: com o nome de Pai. E fazemos bem em escrever a palavra «Pai» com «P» maiúsculo, bem sabendo que nós, pobres pais humanos, somos uma imagem muito fraca para o eterno Deus, que nos criou e que nos mantém com seu poder e com seu amor. Apesar disto, Deus não rejeita ser tratado de Pai, ser comparado, portanto, com um pai humano, embora seja infinitamente mais poderoso, mais misericordioso e mais amoroso. 

O que muitos não sabem, é que Deus, para deixar mais claro ainda quem ele é, e como pensa sobre nós, quis ser comparado também com uma mãe. Não é só na passagem de Isaías 66, lida há poucos minutos, que isso acontece. No mesmo livro (cap. 49), Deus fala por seu profeta: «Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho de seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti.» 

Notamos que «mãe humana» também se escreve com «m» minúsculo. Assim como «pai humano» se escreve com «p» minúsculo. Apesar disto, Deus faz a comparação. «Se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará boas coisas aos que lhe pedirem?» -- A mãe, apesar de ser mãe, poderá esquecer o que é. O pai pode esquecer. Deus não esquece nunca, Ele é o «Eu sou o que sou», como revelou a seu servo Moisés no monte de Horeb. Estamos lembrados das palavras do salmo 131, lidas há pouco? Desta pequena jóia de salmo, talvez, além do salmo 23, o mais precioso de todos? --- «Fiz calar e sossegar a minha alma, como a criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe.» A criatura achou o seu lugar. Seu lugar definitivo. Lembremo-nos que também Jesus usou a imagem da proteção materna para resumir aquilo que ele quis e quer — com seu evangelho: Ele diz, em vista da cidade de Jerusalém, que rejeitava aceitá-lo como Salvador; «Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo de suas asas, e vós não o quisestes.» -- Mais uma vez vemos bem para dentro do coração de Deus: O instinto materno da galinha que protege seus pintinhos com suas asas Jesus se serve deste fenómeno maravilhoso da natureza para descrever o seu amor, para revelar o seu desejo terno e ardente de salvar e de abrigar o seu povo, à vista do gavião, a circular no alto. 

Talvez seja bom dizermos estas coisas logo na data em que costumamos celebrar o «Dia das Mães». Dizermos que vemos no amor materno um espelho em que se reflete o amor de Deus. Espelho pobre, é verdade, espelho muitas vezes quebrado e meio cego, mas espelho que Deus usa para nos revelar sua imagem. Talvez a mulher, para entender-se melhor a si mesma, precisa entender de vez que ela, assim como o homem, foi feita imagem de Deus: «Criou Deus o homem a sua imagem homem e mulher os criou,» É essa, pois, a função que Deus deu à mulher. E é esta a função que Jesus Cristo quer restituir-lhe em toda a sua plenitude: Ser imagem de Deus; ser espelho em que a imagem de Deus se revela.
É verdade que não seria direito — e não seria falar no espírito da Bíblia — se no Dia das Mães quiséssemos colocar a mãe num lugar de destaque especial, separando este dia de todos os outros dias — e separando a mãe de seu marido, o pai de seus filhos. A Bíblia não diz: Honrarás a tua mãe em um dia do ano. Ela diz: Honrarás o teu pai e a tua mãe. E entende-se que isto vale para todos os dias do ano. Mas talvez este dia possa ser um modelo para todos os outros dias do ano, e talvez nós, os pais, precisemos também aprender a ter o dom de «espírito maternal» que tantas vezes nos falta. Então -- não tenhamos receio de destacar a mãe, hoje. Vamos deixar este espelho bem claro e reluzente, para que dê uma imagem bem nítida e clara, A nossa passagem bíblica nos encoraja a fazê-lo — e o mundo precisa desesperadamente de tais espelhos em que se reflete o amor de Deus. Ou, talvez seja melhor, dizermos: O mundo precisa esperançosamente do espelho do amor materno! 

O profeta diz, depois de descrever que coisas boas Deus vai fazer a Jerusalém; diz, depois de convidar os ouvintes a se alegrarem com sua cidade: «Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu vos consolarei; e em Jerusalém vós sereis consolados.» — Então, para entendermos como Deus consola, precisamos entender como uma mãe consola. Senão a palavra mencionada não faria sentido. Aquilo não é uma coisa maravilhosa? Qual é a pessoa humana que seja capaz de consolar como uma mãe consola? Não há criatura que console como uma mãe. Os que tiveram uma infância iluminada pelo amor de uma mãe carinhosa, eles o sabem: Não há tristeza, trauma, desapontamento de criança que não encontre consolo nos braços carinhosos de uma mãe. Só a criança que teve medo, a criança pisada, injustiçada, traumatizada -- que se refugiou junto à mãe, sabe o que é ser consolada. Sabe o que significa; «Fiz calar e sossegar a minha alma, assim como a criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe.» É a criança pequena que mais precisa deste conforto materno. Deus foi muito bondoso, por ter dado um lugar de abrigo e de paz à criança — justamente nesta idade onde ela é tão sensível, tão quebradiça, tão fraca. Nesta idade em que o mundo parece, muitas vezes, tão ameaçador, tão complicado e tão confuso. Que seria do mundo, se não houvesse mães que consolassem? Mães que não apenas amamentam, mas que nutrem seus filhos com confiança, com fé, com coragem? 

E o que vamos dizer agora só poderemos fazê-lo com o coração a tremer: Que será das crianças que não têm por abrigo e refúgio um colo materno, que não conhecem braços de mãe onde se possam refugiar, na tristeza e na hora do medo e do desespero? Crianças, cuja mãe morreu? Ou crianças que têm mãe só na certidão de nascimento, mas não na vida real? Filhos abandonados por pai e mãe? -- A revista americana «Time» (11-9-78) acaba de espalhar o nosso escândalo por todo o mundo, de forma cruel, mas concisa e verdadeira: No Brasil há dois milhões de menores abandonados, que vivem na rua, sem lar, sem pai nem mãe que olhem por eles! — Que vai ser de nosso país, se estes dois milhões não encontrarem consolo durante aquela fase de sua vida que é tão delicada -- jogados num ambiente cruel, ao qual só poderão resistir, revestindo a alma com uma casca tão dura que nem pedra? Que vai ser de nossas casas, sejam casas de favela, ou sejam casas de gente abastada, se não houver dentro delas um lugar, uma realidade chamada coração de mãe? Deus tenha piedade de nós! E nós tenhamos piedade também! Piedade daqueles que não têm o que nós tivemos ou que ainda temos. Talvez não haja país no mundo, mais desesperadamente (ou mais esperançosamente) necessitado de consolo do que o nosso, Há muita gente desconsolada, no Brasil. Não só entre nossos trinta milhões de pobres. Não são só os dois milhões de menores abandonados e jogados na rua. Há jovens confundidos e revoltados -- revoltados por fora, mas em realidade feridos por uma indescritível solidão dentro do coração, que, bem por dentro nada mais pensam do que: Se eu tivesse uma boa mãe, um bom pai! O Correio do Povo publicou recentemente o caso de um menino de quinze anos que chegou a matar uma pessoa. Preso pela polícia, contou que não tinha lar. Disse que tinha matado, porque ninguém, na vida dele, jamais lhe tinha oferecido um bolo de aniversário! Este jovem infeliz, com a vida estragada, não quis dizer outra coisa a não ser: O que me faltou, foi amor. E como este rapaz, há milhões de adultos, que tampouco sabem o que é amor e o que é consolo, nem o que é confiança, amizade ou paz. Onde estão os corações maternos (e o homem, como a mulher, pode ter este coração materno também, graças a Deus!), que são suficientemente grandes para poderem oferecer um lugar -- oferecer tempo, interesse, amor -- para aqueles que, mais do que de pão, precisam da segurança e do conforto de uma pessoa que os ama? Só dinheiro não vai resolver os problemas do menor abandonado, nem os do jovem transviado, ou os do adulto amargurado. É preciso que haja corações que refletem a misericórdia de Deus! — Uma pergunta angustiante, para pais e mães: Como uma criança que nunca soube o que é amor materno nem paterno pode compreender que Deus a ama? Este «como» de nossa passagem bíblica é mesmo fogo, que queima em nossa consciência: «Eu vos consolarei — como alguém é consolado por sua mãe.» Então nossos filhos medem o amor de Deus pelo nosso amor? E se não há onde medir — como uma criatura humana poderá crer que Deus a ama de fato? 

Há pouco dissemos que queríamos deixar o espelho do coração materno bem claro e reluzente. Agora precisamos confessar que não damos conta do recado. Os espelhos são tão poucos e são tão frágeis, e os que precisam deles, são tantos! Mas queremos dizer com clareza que há quem possa fazer o milagre. É Deus. Ele poderá criar, fazer brilhar, fazer brilhar de novo os corações de mãe. Quem sabe, também em você ou para você. Ou tanto uma coisa como a outra! 

Creio que nosso texto de Isaías aponte para a direção onde os espelhos são criados e onde seu brilho é renovado. É um lugar chamado Jerusalém. No tempo em que o profeta pregava, era mesmo a cidade de Jerusalém, que simbolizava a Aliança de Deus com o seu povo. Esta cidade necessitava de consolo, naquele tempo, tanto como os dois milhões de menores abandonados, no Brasil. E Jerusalém era a cidade do templo — era a cidade de Deus! Era a «cidade da paz» — mas não havia paz. Era a cidade do povo de Deus — mas o povo de Deus andava espalhado, pisado por seus inimigos. É nesta situação que Deus fala através de seu pregador: Alegrem-se! Vocês, que choram por sua cidade riam! Minha cidade vai ser que nem uma grande mãe; vocês serão filhos dela, que vão mamar em seus peitos. O alimento que ela vai, dar a vocês, será gostoso e abundante. Haverá paz de fato, nesta cidade sem paz. Haverá consolo de fato nesta cidade desconsolada. É que eu consolarei: «Consolarei assim como uma mãe consola. E em Jerusalém sereis consolados.» Vocês serão revigorados, e o poder do Senhor será notório!

Então — Jerusalém, a cidade do povo de Deus, será a grande mãe. O próprio povo do Senhor será fonte de consolo. O povo consolador vai ensinar seus membros individuais a consolarem também, a terem espírito maternal. Nós precisamos dizer as coisas de forma breve e simples: Temos aqui a visão do povo de Deus a comunidade de Cristo — que recebeu de seu Senhor o distintivo do amor. Que recebeu o Consolador — o Espírito Santo, que cria e que mantém a igreja. E nesta igreja de Cristo, se criam e se purificam os espelhos nos quais se reflete o amor de Deus de que nosso mundo precisa. 

Assim, você seja mãe ou seja pai, £ilho, filha, irmão, irmã: Aceite o consolo que o próprio Deus lhe oferece, na comunidade de Jesus, e passe-o adiante; porque você precisa saber: Só os consolados sabem consolar. Deus o quis assim. Oremos: Senhor, queremos agradecer-te hoje pelo amor de mãe que temos recebido. Nós olhamos para aquele espelho do coração materno, e nele vimos refletido o teu amor. Senhor, dá corações maternos, desperta e reaviva os nossos corações por teu santo amor. Amém.

Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Família
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 66 / Versículo Inicial: 10 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19585
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