Prédica: Isaías 62.1-12
Autor: Geraldo Graf
Data Litúrgica: Dia da Reforma
Data da Pregação: 31/10/1983
Proclamar Libertação - Volume: VIII
I — Introdução
O texto pertence ao conjunto dos caps. 60-62, que fala sobre a salvação prometida. O autor não expõe, aqui, um novo assunto, mas oferece uma nova interpretação de questões já apresentadas por Dêutero-lsaías e Oséias.
O contexto maior abrange o bloco dos caps. 56-66, atribuído ao Terceiro Isaías, ou Trito-lsaías, que atuou no final do séc. VI a.C., ern Jerusalém, após o exílio babilônico. A esta altura, os exilados já voltaram à pátria. Enfrentam, agora, a miséria da readaptação e reconstrução. O profeta exerce um ministério de consolação, encarregado de curar os quebrantados de coração e proclamar libertação aos cativos (61.1). Precisa enfrentar uma situação difícil, com problemas sociais e jurídicos. O governo é deficiente. Trito-lsaías acentua, como profetas anteriores, que Deus prefere, em termos sociais, a misericórdia à prática cultual (58.1 ss). É obrigado a enfrentar a falta de fé do povo.
O objetivo principal de Dêutero-lsaías era o repatriamento do povo, a exaltação de Jerusalém. Já Trito-lsaías parte deste ponto e clama continuamente a Deus, não lhe dá descanso, até que conceda a glorificação prometida a Jerusalém. Ele anuncia que Deus vai se aproximar logo de sua cidade.
Podemos concluir que Trito-lsaías agita, inquieta. Dirige-se a um povo inquieto, incentivando-o. Trata-se de uma santa inquietação. Neste sentido, vejo boas razões para falar sobre este texto no Dia da Reforma.
II — Divisão do texto
Vv. 1a, 6-7a não calar; necessidade de anunciar;
Vv. 1b-3 a salvação esperada - justiça, salvação, glória;
Vv. 4-5 a desposada;
Vv. 8-9 cereal e vinho — descrição da salvação; Vv. 10-12 a vinda do Senhor, ilustrada na figura de uma procissão festiva.
III — O texto
V. 1 a: Não se deixa Deus em paz. A oração é insistente. Lembra Lc 11.5-8, a parábola do amigo importuno. Não se trata da intensidade de uma oração, mas de uma vida em oração. Toda a atitude tomada pelo profeta reflete uma vida em oração.
Vv. 1b-2a: Deseja-se justiça, salvação e glória para Jerusalém. Assim, estará recuperado o relacionamento com Deus.
Vv. 2b-5: Deus fará de Sião a sua noiva (o tema é retomado em Ef 5.25). Jerusalém será a manifestação da glória de Deus para o mundo. Deus é o sujeito de toda a ação.
Vv. 6-7: Além de insistir pessoalmente, o profeta põe a comunidade em atividade, em inquietação. Chama outros para não se calarem. A si próprios não devem dar sossego. O assunto é vigiar e orar. Os vv. 1 e 6 são importantes para a compreensão da palavra do Senhor nos w. 11 e 12.
Vv. 8-9: Promessa de uma boa situação terrena. Esta deve conduzir ao louvor, ao culto — o centro da vida do povo. Cereal e vinho lembram a Santa Ceia.
Vv. 10-12: É retomada aqui a promessa de 40.3-10. Temos aí chamado e antevisão da salvação iminente. A salvação está próxima. Vem de Deus. A promessa não se cumprirá no estabelecimento do Reino de Deus, no fim dos tempos, mas na vinda de Deus como homem.
Os judeus retornaram da Babilônia para a Palestina por volta de 536 a.C. De 520 a 516 deu-se a reconstrução do templo. O muro foi construído em 445. A promessa se cumpre em Jesus Cristo. Mas são praticamente 500 anos que separam o não calar-se da vinda do Salvador.
Politicamente esta promessa jamais se cumpriu. Até hoje, Jerusalém permanece uma cidade disputada. Mas, em Jesus Cristo, a atenção dos povos se voltou para ela.
IV — Meditação
Inquietar-se! O profeta não consegue ficar sossegado ou acomodado. Além disso, provoca inquietação no povo. Procura recordar Deus das promessas feitas. O povo, alienado, sem fé, acomodado após lar conseguido retornar do exílio, é desafiado à inquietação. Seria esta a forma de manter uma comunidade ativa?
Importante é que a inquietação não se limita a problemas ou preocupações pessoais, mas reflete a necessidade do povo. O profeta apela para a salvação prometida a Israel. Ele lembra Deus de suas promessas, mas simultaneamente desperta o povo para o reconhecimento da justiça prometida por Deus. Quer que o povo não se sinta abandona-do. A promessa de Deus é a restauração de Sião (Is 54.1-6). Mas o povo vive numa cidade semidestruída, sem muros para a defesa, sem o esplendor e respeito diante de outros povos. A promessa foi feita: os povos verão a tua justiça, Deus vai restabelecer a sua honra. Este é um aspecto importante. O prometido jamais será alcançado por esforço próprio. O profeta certamente tinha vigor suficiente para motivar o povo para a auto-reconstrução. Mas o esforço principal do profeta está centrado no pedir a Deus o cumprimento das promessas feitas durante o exílio. O profeta entende que agora é tempo.
O texto se aplica muito bem à nossa maneira de viver. Geralmente agimos e vivemos como se fôssemos um povo abandonado por Deus, ou até sem Deus. Parece que nada esperamos de Deus. Transformamos o mundo numa oficina do agir humano. Só no fracasso somos capazes de lembrar de Deus — para reclamar...
Qual é a base da vida do cristão? Como a salvação (presença de Deus) pode se tornar manifesta para o mundo, se não é mais esperada pela comunidade? A comunidade deve ser o espelho desta esperança, da presença e do agir de Deus! Desta esperança surge a santa inquietação da comunidade no mundo.
Uma comunidade pode também ser inquietada por outros motivos, perigos. Mas ela não consegue superá-los, se estiver paralisada, acomodada, sem esperanças. Fundamental é a inquietação que pergunta pela salvação e procura saber o que significa salvação hoje. Esta inquietação coloca a comunidade em movimento.
Reforma! Festejamos os 500 anos do nascimento de Martim Lutero. Certamente o fazemos com muito orgulho. Ressaltamos também a sua obra magnífica. Mas é importante, neste momento, avaliar como anda a nossa inquietação luterana. Diz-se que uma Igreja que não se dinamiza (não calar-se - movimentar-se), não acompanha a Re-forma. Reforma não é uma data a mais no calendário para os saudosistas, mas deve ser um estado (como o não calar-se de Trito-lsaías, v.1).
A Reforma luterana já vai entrando no seu 5° século. Se nos acomodamos, estagnamos. Só temos futuro como Igreja (IECLB), se nos inquietarmos diante do processo em que se encontra o mundo, o país, o ambiente próximo. Inquietar-se é não simplesmente dizer sim a tudo o que acontece, muito menos ficar indiferente. Inquietar-se é pedir, implorar, não se calar diante de Deus, esperar o cumprimento das suas promessas. Também hoje precisamos de justiça, salvação e honra para Jerusalém. Vai depender de como interpretamos Jerusalém hoje. E, por favor, não vamos cair numa espiritualização. O não calar-se do profeta é bem concreto, político, social. Mas, por outro lado, não vamos querer tomar as rédeas do destino do mundo em nossas mãos. O profeta inquieta-se para Deus. É em Deus que ele coloca a sua esperança. Poderíamos falar aqui de um esperar ativo. Além disso, a comunidade é testemunha para o mundo do que Deus revela em 62.10-12. Se olhamos para dentro de nossas comunidades, muitas vezes queremos até desanimar. O texto anima. Inquieta. Esta inquietação deve ser semeada.
Importante: A partir da vinda de Deus, através de Jesus Cristo, já não deveria mais haver motivos para inquietação. A promessa foi cumprida! Mas, se existem motivos, então isto é sinal da acomodação dos cristãos em cima dos louros do passado — também dos louros da Reforma.
V — Sugestão para a prédica
1. Explicar o texto, a partir do contexto. É necessário dar informações históricas.
2. Acentuar a inquietação do profeta e mostrar como ele leva a comunidade ao não calar-se.
3. Hoje há motivos suficientes para inquietação. Como exemplos, o pregador deve incluir aspectos locais ou de sua preocupação. É bom estar informado do que acontece na aldeia global.
4. Se a comunidade não se inquieta, está em perigo de estagnação.
5. O que é Reforma? Santa inquietação! Não é uma data, mas é uma postura, um estado.
6. Proclamar Deus como Senhor da história. Salvação é Deus que vem a nós em Jesus Cristo. Inquietação é expressão da esperança cristã.
VI — Subsídios litúrgicos
1. Saudação: Romanos 1.16-17
2. Confissão de pecados: Senhor! Nós reconhecemos a nossa fraqueza diante de ti. Nós somos orgulhosos e achamos que a salvação é uma propriedade nossa. Por isso facilmente nos acomodamos na nossa fé, deixamos de dar testemunho dos teus grandes feitos, através de nossas palavras e ações. O mundo não percebe mais a nossa fé e confiança no teu amor. Nós não nos inquietamos mais diante das dificuldades que nos cercam, mas preferimos conformar e submeter-nos à resignação que o mundo tanto gosta de ver em nós. Perdoa-nos, Senhor, porque nem sempre somos a Igreja que tu queres. Desperta-nos e envia-nos, para sermos um sinal de teu amor neste mundo Amém.
3. Absolvição: 1 Pe 2. 18-21.
4. Oração da coleta: Querido Pai celeste! Dá-nos a conhecer agora a tua santa Palavra. Estamos com fome e sede da tua justiça, da tua verdade, da tua paz. Queremos ser a tua Igreja, que anuncia ao mundo a tua vontade, que acende a fé em Jesus Cristo entre todas as pessoas. Dá-nos o teu Espirito Santo, para que anunciemos ao mundo que somos justificados pela fé unicamente. Amém.
5. Assuntos para a oração final: O pregador deve usar os exemplos da pregação, falando das preocupações da época (ser concreto).
VI — Bibliografia
- EXEGETISCH-HOMILETISCHE ARBEITSGEMEINSCHAFT HEIDELBERG. Meditação sobre Isaías 62.1-12. Göttinger Predigtmeditationen, Göttingen, 14 (1): 18-20, 1959.
- RAD, G. von. Teologia do Antigo Testamento. Vol.2. São Paulo, 1974.
- RUPPRECHT, W. Meditação sobre Isaias 62.1 -12. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 4. Stuttgart, 1965.