Isaías 58.1-9a (9b-12) - 5° Domingo após Epifania - 05/02/2023

Auxílio Homilético

05/02/2023

 

Prédica: Isaías 58.1-9a (9b-12)
Leituras: Mateus 5.13-20 e 1 Coríntios 2.1-12
Autoria: Gerson Correia de Lacerda
Data Litúrgica: 5° Domingo após Epifania
Data da Pregação: 05/02/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII

 

Um novo êxodo

1. Introdução

O texto básico da prédica deste domingo já foi abordado, no todo ou em parte, nos seguintes números de Proclamar Libertação: IX, XII, XV, 24, 33, 39 e 46. Todas essas abordagens têm importantes contribuições a oferecer.

O texto da prédica, Isaías 58.1-12, faz parte do Trito-Isaías, composto pelos capítulos finais do livro de Isaías (56 – 66). Não se trata de obra de um único autor, mas de diversos autores, entre 520 e 470 a. C.

O assunto principal do texto da prédica diz respeito à prática do jejum. É apresentado o tipo de jejum praticado pelos judeus. Eles se privavam da alimentação, mas não eram solidários com os que sofriam privações e injustiças. O profeta proclama que o jejum requerido pelo Senhor é a prática da justiça e da solidariedade no relacionamento com os oprimidos e os necessitados. Pela boca do profeta, Deus proclama que somente com a colocação em prática desse tipo de jejum, a luz da minha salvação brilhará e a escuridão em que vocês vivem ficará igual à luz do meio-dia (Is 58.10).

É também disso que Jesus fala no sermão do monte, quando proclama aos seus discípulos: Vocês são a luz para o mundo [...] A luz de vocês deve brilhar para que os outros vejam as coisas boas que vocês fazem e louvem o Pai (Mt 5.14, 16). E, após dizer isso, Jesus discorreu sobre a Lei de Moisés, com uma aplicação voltada para os relacionamentos sociais.

É do mesmo assunto que trata o apóstolo na Primeira Carta aos Coríntios, ao distinguir a sabedoria deste mundo e a sabedoria secreta de Deus. Aquela valoriza aparências exteriores. Esta, porém, revela-se no Deus crucificado, poder do Senhor para a salvação do ser humano.

2. Exegese

a) Contexto histórico

A partir da constatação de que o texto da prédica pertence a uma época posterior ao exílio do povo judeu na Babilônia, focalizamos dois salmos do Antigo  Testamento.

O primeiro é o Salmo 137, que reflete o que sentiam os judeus durante o exílio. Eles se sentiam completamente arrasados. Tinham saudades de Jerusalém e choravam. Seus dominadores zombavam deles e ordenavam que cantassem as canções de Sião, a fim de ridicularizarem a cultura exótica e considerada inferior pelos babilônios. Contudo, os judeus não se sentiam capazes de cantar e desejavam até nunca mais cantar longe de Jerusalém. Estavam dominados pelo ódio e ansiavam que as cabeças das crianças babilônias fossem esmagadas contra as pedras.

Muito diferente era o sentimento dos judeus, quando Ciro, rei dos medos e persas, conquistou a Babilônia, em 538 a. C. O retrato desse sentimento aparece no Salmo 126. Os judeus estavam exultantes. Parecia que estavam sonhando. A seus olhos, o Senhor Deus havia feito um milagre, ao providenciar que Ciro baixasse um decreto permitindo que regressassem para a sua terra.

Além de exultarem, os judeus oravam suplicando que o Senhor fizesse com que prosperassem novamente. Nas palavras do salmista, rogavam que os que semearam chorando, voltassem cantando cheios de alegria trazendo nos braços uma grande colheita (Sl 126.5-6).

Nas palavras de John Bright, “uma nova era gloriosa e um luminoso futuro de esperança parecia raiar para Israel” (Bright, 1977, p. 377 – tradução própria). Não era para menos. Afinal, Ciro não somente permitiu o retorno como também garantiu recursos para a reconstrução do templo de Jerusalém (Ed 1.2-4).

Entretanto, a esse sonho contrapôs-se a dura realidade do retorno. Essa apresentava diversos desafios. Em primeiro lugar, o decreto de Ciro indicava que ele empregava uma nova forma de dominação. Diferentemente do que proclamara o Segundo-Isaías, que apresentara Ciro como o ungido do Senhor para restaurar o templo e a cidade de Jerusalém, na verdade, o rei dos medos e persas estabelecia uma nova forma de dominação. Enquanto a Babilônia desterrava e escravizava os povos conquistados, Ciro libertava os vencidos, respeitava sua cultura e permitia que administrassem sua província. Tudo isso não ocorria por bondade do rei ou por especial simpatia para com o judaísmo. Ciro, simplesmente, preferia contar com o apoio dos judeus, na extremidade do seu império, como garantia contra o Egito. Nesse contexto, as expectativas dos judeus que voltaram para a sua terra de contarem com o apoio do governo persa nem sempre se cumpriram.

O segundo desafio estava no fato de que nem todos os judeus exilados na Babilônia voltaram para Judá. Muitos deles, que já estavam bem estabelecidos no exílio, preferiram ali permanecer ao invés de retornar para a pátria pobre e com pouco solo fértil.

O terceiro desafio enfrentado pelos que retornaram foi a presença de pessoas que estavam ocupando o território de Israel e que impunham dificuldades de todo tipo para repartir a terra com os repatriados. Além disso tudo, consta que as primeiras colheitas dos que retornaram não foram tão abundantes quanto esperavam (Ag 1.9-11).

Diante de todos esses desafios, não é de admirar a informação obtida por Neemias a respeito da situação dos repatriados: Eles me contaram que aqueles que não tinham morrido e haviam voltado para a província de Judá estavam passando por grandes dificuldades. Os estrangeiros que moravam ali por perto os desprezavam. As muralhas de Jerusalém ainda estavam caídas e os portões que haviam sido queimados ainda não tinham sido consertados (Ne 1.3).

b) Comentário sobre o texto

Em tal contexto, podemos destacar o seguinte sobre os 12 primeiros versículos do capítulo 58 do Trito-Isaías

V. 1-2 – Deus ordena que o profeta denuncie, em alto e bom som, o pecado dos judeus repatriados. Esse pecado era a hipocrisia religiosa, ou seja, eles adoravam a Deus e buscavam a sua vontade, quando, na realidade, não obedeciam às leis do Senhor. Em outras palavras, eram tementes e fiéis a Deus  só aparentemente.

V. 3a – O questionamento dos judeus repatriados era que eles praticavam o jejum, mas Deus não estava dando nenhum valor a essa prática considerada por eles como uma manifestação religiosa da mais alta importância. Isso quer dizer que a prática do jejum era individualista e, ao mesmo tempo, mercantilista, visto que jejuavam para receber em troca bênçãos divinas para serem desfrutadas por eles mesmos.

V. 3b-5 – Por meio do profeta, Deus denuncia os pecados cometidos por meio do jejum. Enquanto jejuavam, exploravam seus empregados e cultivavam dissensões. Deve-se lembrar aqui que o texto de Levítico 16.29 estabelecia a seguinte lei para ser obedecida para sempre: No dia dez do sétimo mês, todos os israelitas e os estrangeiros que moram no meio do povo não comerão nada o dia inteiro e não farão nenhum trabalho.

No entanto, os praticantes do jejum não davam descanso algum para aqueles que eram seus empregados. Além disso, o jejum era uma prática a ser observada especialmente no Dia do Perdão (Lv 16; 23.26-32). Contudo, o fato de ocorrerem discussões e dissensões no dia de jejum deixava claro que não se observava o perdão no relacionamento com o próximo.

V. 6-7 – Aqui temos a apresentação do verdadeiro jejum requerido por Deus, isto é, a prática da justiça com presos vítimas da injustiça, a libertação dos oprimidos e a solidariedade para com os famintos, pobres e desabrigados.

V. 8-12 – Esses versículos contêm a promessa da bênção divina com a observância do jejum requerido por Deus. Se houvesse justiça, liberdade e solidariedade, a luz da salvação do Senhor iria resplandecer e, ao mesmo tempo, as orações haveriam de ser ouvidas e respondidas. A partir daí, Deus iria providenciar a mudança nas condições de vida dos repatriados: Em cima dos alicerces antigos, vocês reconstruirão cidades. Vocês serão conhecidos como o povo que levantou muralhas de novo, que construiu novamente casas que tinham caído (Is 58.12).

3. Meditação

No mundo de hoje, estamos vivendo tempos tenebrosos. No momento em que escrevo (meados de 2022), há uma guerra em andamento, na qual a Ucrânia foi invadida e está sendo massacrada pela Rússia. Continua-se a viver a pandemia. No Brasil, cerca de 33 milhões de pessoas passam fome, apesar da enorme produção agrícola do país. Além disso, vive-se o clima eleitoral e teme-se pelo fim da frágil democracia brasileira, aliás, de curta duração.

Do ponto de vista religioso, ocorre o fenômeno do crescimento do chamado segmento evangélico. No ano de 2020, o antropólogo Juliano Spyer lançou o livro “Povo de Deus – Quem são os evangélicos e por que eles importam”, no qual defende a ideia de que os evangélicos brasileiros se tornaram o nosso elefante na sala, isto é, o fenômeno de massas mais importante das últimas décadas, que tem sido tratado como se não estivesse ali. Grupo minoritário até pouco tempo, hoje o povo evangélico representa um terço da população brasileira.

Também até pouco tempo, o povo evangélico acreditava que sua presença iria ajudar a tornar o país melhor. Hoje, porém, apesar do aumento do número de evangélicos, constata-se que quase nenhuma alteração foi produzida no nosso lamentável quadro político e social.

Foi mais ou menos isso o que ocorreu quando Ciro proporcionou a volta dos judeus que estavam no cativeiro na Babilônia. Os repatriados estavam como quem sonha. Sentiam-se vivendo como o povo libertado do cativeiro no Egito, rumando para a terra prometida, que mana leite e mel (Êx 33.3). A realidade, porém, foi muito mais trágica. Diante disso, os repatriados recorreram às práticas religiosas, observando o jejum, na esperança de que Deus iria transformar para melhor a realidade.

É nesse contexto que a prédica pode explorar a prática do jejum, palavra-chave do texto, em que aparece sete vezes, abordando os seguintes pontos: 

a) O povo questiona Deus perguntando por que a prática do jejum não estava produzindo bons resultados. Era isso que se esperava. O jejum era entendido como um sacrifício pessoal que conquistava a benevolência de Deus. No entanto, isso não estava funcionando. Apesar do jejum, a situação dos repatriados continuava muito precária, exatamente como no Brasil de hoje, em que a maior presença evangélica, com seus incontáveis templos e cultos, não tem mudado a realidade do povo.

b) A denúncia divina desmascara a falsa piedade da observância do jejum. Para isso, o Senhor vocacionou um profeta, cujo nome desconhecemos, mas cuja mensagem foi preservada e permanece atual. Diferentemente do assim chamado “Livro da Consolação de Israel” (Is 40 –55), o tom da palavra divina é polêmico. Deus questiona a observância de um jejum sem implicações sociais. Desqualifica a prática do jejum sem mudança da vida em sociedade.

Tal denúncia vale para o segmento evangélico da população brasileira. Nossos evangélicos consideram-se melhores aos olhos de Deus por causa da observância de um comportamento puritano ou por causa do cultivo da reta doutrina. Parecem-se com aquele fariseu da parábola de Jesus que orava exaltando suas próprias virtudes e desprezava o publicano pecador. Um exemplo do pecado do povo evangélico brasileiro são as suas dissensões e divisões cada vez mais acentuadas, ao lado do enfraquecimento do movimento ecumênico. Aplica-se aos evangélicos brasileiros o cultivo de uma religiosidade repleta de dissensões. O escândalo das divisões denunciado no início do movimento ecumênico continua presente mais do que nunca entre nós.

c) A apresentação do jejum que verdadeiramente é requerido por Deus e agrada a ele. Como afirmam Schökel e Diaz, os jejuadores, “em lugar de mortificar-se ou afligir-se a si próprios, devem sentir a aflição do próximo. Mortificação própria e voluntária, unida à crueldade e inclemência, destrói o ser humano, tornando-o desumano. Aquilo que enobrece o ser humano é sentir como própria a dor alheia forçada” (Schökel; Diaz, 1988, p. 368).

d) Se os jejuadores hipócritas adotarem o jejum da justiça e da solidariedade, a promessa divina é a de que a luz da salvação do Senhor brilhará como o sol. Então, eles passarão pela experiência de um novo êxodo, sendo guiados sempre, tendo o que comer até mesmo no deserto e sendo como um jardim bem regado (Is 58.11).

É interessante observar que já tinham ocorrido dois êxodos na história de Israel. O primeiro foi o êxodo da libertação da escravidão no Egito; segundo, o êxodo da libertação do cativeiro babilônico. Faltava acontecer o terceiro: o êxodo da libertação do egoísmo e da injustiça; o êxodo da libertação da falta de compaixão e de misericórdia.

Esse é o novo êxodo que precisa acontecer conosco!

4. Imagens para a prédica

a) O templo do Castelo de Elmina

Trata-se de um templo localizado em Gana, dentro do Castelo de Elmina, também conhecido como Castelo de São Jorge da Mina, que foi edificado no ano de 1482 pelos portugueses. Posteriormente, foi conquistado pelos holandeses, no ano de 1637, passando para o domínio britânico em 1872.

Para o subsolo do castelo eram levados os negros capturados que depois eram enviados para a escravidão nas Américas. Em cima do local onde os negros ficavam depositados em péssimas condições à espera do embarque nos navios negreiros, foi edificado um templo. Nele, os “fiéis” religiosos cristãos, primeiramente católicos romanos e, depois, protestantes, se reuniam para adorar a Deus. Consta que os piedosos reformados holandeses cantavam mais alto durante seus cultos a fim de não serem incomodados pelas lamentações dos negros no porão do templo. Sem dúvida, algo semelhante ao jejum condenado pelo profeta do capítulo 58 do livro de Isaías.

b) Os meios necessários e próprios para plantar o reino de Jesus Cristo no Brasil

É esse o título de um documento escrito pelo missionário presbiteriano Ashbel Green Simonton, em 1867, pouco antes de seu falecimento. Escreveu ele: “A boa e santa vida de todo crente é uma pregação do evangelho. Toda pregação feita por palavras pode ser rebatida por outras palavras. Mas uma vida santa não tem réplica. Debalde esperaremos colher frutos dos nossos trabalhos se as nossas palavras não forem reforçadas e confirmadas por uma vida santa” (Simonton, 1980, p. 209).

Suas palavras estão de acordo com a mensagem profética do Trito-Isaías, que proclamava a necessidade de um jejum na vida em sociedade.

5. Subsídios litúrgicos

Oração – Rompe as correntes

Rompe as correntes e as peias que nos atam, Senhor, e vem salvar-nos.
Quebra o jugo que nos oprime, que não nos deixa viver na tua paz.
Quebra o pesado jugo da incultura e do analfabetismo.
Quebra a carga horrível da fome de muitos,
o fardo absurdo da morte do ser humano pelo ser humano,
a injustiça capital das desigualdades vergonhosas.
Quebra, ó Deus da salvação, as correntes que atam e aprisionam:
as nações entre si, os povos entre si, os exploradores e os explorados,
o rico e o pobre, o branco e o negro,
o europeu, o americano, o brasileiro, a nós, a todos...
Rompe, Senhor, tudo o que não nos deixa realizar-nos como irmãos dignos de ti, pela força do teu amor que sempre nos manifestas. Amém.
(Fonte: CENTRO DE EVANGELIZAÇÃO E CATEQUESE. Salmos Latino-
-Americanos. São Paulo: Paulinas, 1987. p. 45.)

Litania de confissão (dirigente e congregação)

D – Senhor, nem sempre compreendemos tua luz.
C – Criamos outras luzes que brilham e ofuscam na busca de poder, fama e riqueza.
D – Diante de tantas luzes que não iluminam, recorremos a ti!
C – Querido Deus, acolhe nossos corações contritos e pequenos diante da tua luz!
(ALVES, Rubem (Org.). CultoArte – Celebrando a Vida – Tempo Comum. Petrópolis:
Vozes, 2000.)

Bibliografia

BRIGHT, J. La Historia de Israel. 4. ed. Bilbao: Desclée de Brouwer, 1977.
LODS, Adolphe. Los Profetas de Israel y los comienzos del judaísmo. México, DF, 1958. (Coleção La Evolution de la Humanidad, v. 42).
SCHÖKEL, L. Alonso; DIAZ, J. L. Sicre. Profetas I – Isaías e Jeremias. São Paulo: Paulus, 1988. (Grande Comentário Bíblico).
SIMONTON, A. G. Diário – 1852-1867. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1980.
SPYER, Juliano. Povo de Deus – Quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020.
VV.AA. The Interpreter’s Bible. New York; Nashville: Abingdon, 1956. v. 5.


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Autor(a): Gerson Correia de Lacerda
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 5º Domingo após Epifania
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 58 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2022 / Volume: 47
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 69444
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Eu anunciarei a tua fidelidade e te louvarei o dia inteiro.
Salmo 35.28
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