Isaias 53.4-12

Indulgências, purgatório e o amor de Deus.

16/10/2015

Isaias 53.4-12

Prezada Comunidade,

As palavras do profeta Isaias nos remetem para o sofrimento de Jesus, que nos mostrou que Deus é amor. Deus não quer o sofrimento de ninguém. Se for inevitável o sofrimento, então Jesus nos diz: você não precisa sofrer sozinho. Eu estarei contigo, tomarei sobre mim as tuas dores. Aqui está o primeiro desafio da igreja: não amedrontar as pessoas com o sofrimento eterno e nem permitir que alguém tenha que sofrer sozinho.

No dia 31 de outubro comemoramos o Dia da Reforma. Nesse dia, em 1517, Martin Lutero prega 95 teses, 95 motivos para rechaçar a venda das indulgências. As indulgências eram as boas obras dos santos ou então as relíquias religiosas que a Igreja Católica Romana do século XVI vendia às pessoas para encurtar o tempo de sofrimento no purgatório.

A existência do purgatório é uma das crenças mais firmes do catolicismo. La linguagem popular “viver num purgatório” significa estar passando por um período de penúrias e de sofrimento. Purgar, é purificar.

No catolicismo se ensinava que mesmo que Deus perdoa os pecados, sempre fica algum restinho que precisa ser eliminado. Para purificar a alma de qualquer resquício de pecado, para isso está o purgatório. A doutrina católica diz que as almas sofrem ali do mesmo jeito que no inferno. A diferença é que elas têm a esperança que esse sofrimento pode acabar algum dia. Que esse sofrimento é apenas uma etapa da purificação, para não deixar nada de impuro diante de Deus (Ap 21.27).

A ideia do purgatório como um lugar de fogo e intermediário antes de entrar no céu, vem dos teólogos Pedro Lombardo e Tomás de Aquino, que viveram quase na mesma época de Dante Alighieri (autor do poema Divina Comédia). O purgatório foi declarado como doutrina da Igreja Católica Romana no Concílio de Lyon em 1274 e depois no de Florência em 1439. Foi mais uma vez reafirmado no Concílio de da Trento em 1546, também chamado de O Concílio da Contra Reforma.

A venda das indulgências, das relíquias, das missas pelos mortos tudo isso estava associado com o purgatório. Ao comprar as indulgências, o que se pretendia era alcançar a piedade de Deus para que o tempo de sofrimento no purgatório fosse o mais breve possível. E as indulgências, as relíquias, as missas pelos mortos despertariam a misericórdia de Deus e então Deus abreviaria esse tempo de sofrimento.

Por isso, mesmo que Martin Lutero tivesse pregado contra a venda das indulgências e das relíquias, mesmo que ele tivesse afixado as 95 teses, dando 95 razões com fundamentação bíblica, mostrando que as indulgências não servirão para os mortos, mesmo assim as pessoas continuavam comprando as indulgências por medo do purgatório. Portanto, não bastava falar das indulgências, era preciso tirar das pessoas o medo do purgatório.

A pregação da igreja católica naquele tempo enfatizava bastante que Deus é justiceiro. Ele castiga aos maus e abençoa aos bons. Deus dá a cada um o que ele merece. Essa era a concepção de justiça. Dar o bem e o mal, conforme o merecimento da pessoa. Por isso, Lutero tinha muito medo de Deus, porque para ele Deus é um juiz impiedoso. Deus vai pedir que cada pessoa preste contas dos seus pecados. Por isso, ninguém escapará da ira e do castigo de Deus. E também ele acreditava que o lugar do sofrimento era o purgatório ou então o inferno.

Foi pelas palavras do apóstolo Paulo em Romanos 1.17, que Lutero descobriu que o purgatório é algo inventado, que o purgatório não existe.

Diz Romanos 1.17: Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: O justo viverá pela fé.

Lutero entendeu que a justiça de Deus – revelada no Evangelho – não é a mesma justiça humana do olho por olho, dente por dente. O que Jesus Cristo revela no Evangelho não é um Deus cruel, justiceiro, mas um Deus de amor, que acolhe, que não retribui a ninguém por sua maldade, mas que age por amor. Além disso, Lutero também viu que os textos bíblicos para justificar ao purgatório foram todos tirados de seu contexto original. A Bíblia não justifica nenhum purgatório.

Ao contrário, ao bom ladrão que foi crucificado com Jesus na cruz, Jesus diz: “ainda hoje estarás comigo no paraíso”. Em João 3.15 e 4.24, Jesus diz: “Quem crê já tem a vida eterna”, aquele que crê em Jesus não será julgado. “ Eu afirmo a vocês e isto é verdade: quem ouve as minhas palavras e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não será julgado, mas passou da morte para a vida. Até os mortos ouvirão a voz do filho de Deus e os que a ouvirem viverão” (Jo 5.24s). Para os Evangelhos, aquela pessoa que crê em Jesus Cristo está salva. O lago de fogo que aparece em Mateus 25 e em Apocalipse 20 é o inferno, não o purgatório.

O consenso na Bíblia é que depois da morte, todos vamos estar com Deus .... ou no inferno. Não existe essa estação intermediária chamada purgatório. Aliás, Lutero descobriu que a justiça de Deus não é a justiça humana, aquela do olho por olho, dente por dente. A justiça de Deus revelada no Evangelho (como diz em Romanos 1.17) não dá para as pessoas o que elas merecem (a condenação eterna), mas dá para as pessoas o que eles não merecem: a vida eterna. Deus quer que todos sejamos salvos, que um dia estejamos no céu. Ele não quer a condenação de ninguém. Assim como o servo sofredor do profeta Isaias, que tomou sobre si todas as dores, assim foi pela salvação de todas as pessoas que Jesus morreu na cruz. E essa salvação está acessível a todos pela fé somente. Não tem nada que possamos fazer para conquistá-la. Ela é um presente de Deus.

Mas Deus também nos dá a liberdade de não aceitar esse seu desejo. Nesse caso, ir para o inferno – que é o lugar longe de Deus - não é um desejo de Deus, mas uma escolha da pessoa. São pelas atitudes nesta vida que cada pessoa demonstra onde ela deseja ficar: junto a Deus ou no inferno. A escolha é de cada pessoa.

Lutero enfatizava que os pastores (e pastoras) não devem pregar esse Deus justiceiro, que atemoriza as pessoas com o castigo eterno. Devemos pregar o Deus de amor, que é solidário, que não nos desampara, nem mesmo nos nossos piores momentos.

Além disso, 500 anos depois de Lutero, hoje os nossos medos são de ser assaltado, de ser sequestrado, de perder o meio de sustento da família, perder o trabalho, de ficar doente ou de ficar sozinho. Os medos de hoje não são mais os medos do século XVI. E a metodologia do século XVI de assustar as pessoas com mais medo ainda, para que assim as pessoas se aproximem de Deus, certamente não vai mais funcionar hoje. Por isso, como luteran@s, nosso legado é anunciar o Deus do amor, que quer que todas as pessoas vivam bem, que sejam salvas, sem excluir ninguém por qualquer motivo que seja. E se alguém está passando por um sofrimento, contra o qual nada podemos fazer, então pelo menos podemos ser solidários e não deixar que essa pessoa sofra sozinha. A salvação de cada um de nós é graça de Deus pela fé na obra salvífica de Jesus Cristo na cruz e ressurreição.

E como resposta a esse Deus que inclui, que acolhe, que abraça, que consola, que fortalece, devemos mostrar nossa gratidão com gestos concretos, seguindo a Jesus, fazendo a sua vontade. Não para exigir algo de Deus, mas para manifestar nossa gratidão. Assim como um bom fruto é consequência de uma árvore bem cuidada. As boas obras devem ser os frutos do bom cuidado e do amor que Deus nos tem dado.

Portanto, nesse mês da Reforma, temos a oportunidade de conversar sobre a nossa maneira de entender e de crer em Deus. Continuamos tod@s dependendo de seu amor e de sua misericórdia, mas já sabemos que tal qual um pai e uma mãe se preocupam com o filho que volta alta madrugada para casa, assim também o nosso Deus se preocupa conosco e fica ansioso pelo nosso retorno. Pela simples razão que somos amados por Ele.
Amém.
 


Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Belo Horizonte (MG)
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 53 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 12
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 35423
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