DEUS FALA AOS CANSADOS
Isaías 40.35-41 (Leitura: Salmo 75)
Você sabe o que é estar cansado? Não falo do cansaço que a gente sente depois de uma longa caminhada, ou depois de um dia bem «puxado». Tal cansaço a gente sente nas pernas, nos braços ou nas costas; depois de uma noite bem dormida, ele terá desaparecido. Falo de um cansaço diferente. Um cansaço que está por dentro das pessoas. Você sabe o que é isso — estar cansado por dentro? Estar cansado por dentro, é ter perdido a coragem. É não ver mais nenhum sentido nas coisas. É andar com passos arrastados, com olhar dirigido para baixo, É viver com apenas um restinho miúdo de fé e de esperança, ser que nem um «pavio que fumega», como diz o autor de nosso texto no capítulo 42 — um pavio que já não produz nenhuma luz — que apenas produz um pontinho luminoso na escuridão e um pouquinho de fumaça. É o que muitos não sabem: Mesmo os servos de Deus que serviram ao Senhor com fidelidade, durante uma longa vida cheia de lutas — eles podem ficar cansados por dentro. Podem chegar ao ponto em que só conseguem exclamar: Senhor, eu não posso mais. Estou no fim!
Assim, o profeta Elias, depois de ter dado tudo de si no serviço de Deus, foge dos seus inimigos ao deserto, e lá, sentado debaixo de um arbusto, diz: « Basta. Toma agora, ó Senhor, a minha alma, pois não sou melhor do que meus pais.» Basta! Deixa-me morrer, Deus. Não adianta mais!
O profeta Jeremias (cap. 20) chega a exclamar: «Já desfaleço de sofrer e não posso mais.. . por que saí do ventre materno, só para ver trabalho e tristeza e para que se consumam de vergonha meus dias?»
O Senhor Jesus, em Getsêmani, totalmente identificado com os servos sofredores de Deus, experimentou este mesmo cansaço mortal. Disse aos seus discípulos: «Minha alma está triste até a morte.» E, conforme Lucas (que era médico e deve ter sabido que tal coisa estranha realmente pode acontecer), os discípulos, naquela noite, em Getsêmani, adormeceram de tristeza. De um cansaço chamado tristeza!
Saiba, pois, que na história do povo de Deus tal experiência não é nada fora do comum. Não que a vida dos servos de Deus seja um vale de lágrimas. Isso não. É uma vida em que a melodia principal, a primeira voz do coro, é a coragem, a confiança, a alegria. Mas neste mesmo coral, às vezes sobressai uma voz das profundidades, um grito de angústia, que parece abafar todas as outras vozes. Será bom sabermos que aquilo é normal na vida dos servidores de Deus, para não estranharmos, quando um dia aquele cansaço tristonho vier sobre nós.
Em nossa passagem bíblica, o profeta fala a uma comunidade cansada e triste. Uma comunidade machucada e pisada pelos descrentes, pelos tiranos, pelos servidores de ídolos. A comunidade de Jerusalém tinha feito as suas experiências. Tinha sido levada ao exílio pelos babilônios, vivia no estrangeiro, longe das ruínas de sua cidade. Não admira que viera a ser um povo desconsolado. «Um povo roubado e saqueado» (42,22). Eles tinham sentido no próprio corpo como pode ser dura, ser o povo de Deus. O Senhor parecia tê-los abandonado, parecia não importar-se mais com eles. Os ídolos da Babilônia pareciam ser mais fortes. Os violentos, os malvados, os estrangeiros caldeus e babilonenses pareciam ter o poder real. Deus? Onde ele ficava? Se ele realmente estava lá com eles, naquele país estrangeiro, então ele estava lá só para castigar! E o povo se acabava sob os castigos de Deus. Vivia amedrontado, triste, cansado. Vivia sem esperança e sem alegria.
E nesta situação se tinha levantado um profeta consolador (mais tarde, sua mensagem foi incluída no livro de Isaías) que pregava o poder de Deus em meio à fraqueza humana. Anunciava o fim da prisão babilônica, anunciava perdão e aceitação. «Consolai, consolai o meu povo», ele tinha dito, em nome do Senhor. «Eis que o Senhor Deus virá com poder e seu braço dominará.» E em nossa passagem específica, ele fala: «A quem, pois, me comparareis que eu lhe seja igual, diz o Senhor. Levantai ao alto os vossos olhos e vede. Quem criou estas coisas?»
Entendemos o que esta palavra de Deus significa? «A quem me comparareis?» Quer dizer que a comunidade cansada do povo de Deus tinha comparado o Senhor com os poderosos, com os homens, com os ídolos. Agora o Senhor lhes manda dizer por seu mensageiro que isso foi o erro deles. Eles tinham perdido a justa medida das coisas. Querendo falar difícil, a gente pode dizer que eles tinham enxergado Deus e o mundo na perspectiva errada. Os homens lhes tinham parecido próximos e grandes, e Deus, afastado e pequeno. Eles se tinham acostumado a olhar só para baixo, tristes, e para os lados, temerosos: para seus próprios pés, para o norte, o sul, o oeste, o leste. De um destes lados viria um novo mal — ou, quem sabe, alguma ajuda humana. O profeta lhes diz: «Vocês se esqueceram de olhar para uma direção. Esqueceram-se de olhar para cima: «Levantai os vossos olhos e vede. Quem criou estas coisas?» — Estas coisas — isso eram as estrelas, que os babilônios achavam que eram deuses. Não, diz o profeta. Eles não são deuses, São a criação do Deus Todo-Pode–roso, que está presente com seu poder, aqui na Babilônia mesmo. — Acho que poderemos e deveremos tomar estas palavras bem ao pé da letra, em nosso país tão saturado• de astrologia e de horóscopos. Levantar os olhos e ver. Não esconder a cabeça na areia, por ocasião do perigo, como dizem que faz aquela lendária avestruz. É levantar os olhos e ver. Não olhar o mundo com o medo supersticioso dos idólatras, Não fitar, hipnotizados, os perigos dos tempos modernos, a juventude revoltada, o futuro ameaçador, os comunistas, as multinacionais. Olhar para cima -- e ver. Note bem — é ver. Esta visão da realidade precisa ser aprendida. Pode ser mesmo numa noite estrelada. Eu já experimentei: A visão do céu estrelado pode ser um santo remédio para nossos temores, para nossas perspectivas erradas, para nosso cansaço. Mesmo que apareça um satélite artificial: O que são estes brinquedinhos dos americanos e dos russos contra os duzentos milhões de estrelas da nossa via látea e contra os cem milhões de outras vias láteas existentes? Cada estrela um sol como o nosso! Você vê? Levante os olhos e veja! Verifique como as perspectivas se modificam — também quanto às ameaças de nosso tempo como as coisas pequenas se tornam pequenas e as coisas grandes se tornam grandes! «Quem criou estas coisas?» ,-- Foi o teu Senhor, ó homem mesquinho e desanimado! Foi o teu Deus e Senhor, ó comunidade abatida e cansada. «Levantai os olhos e vede!» — E agora, depois de ter levantado os olhos para o Deus Todo-Poderoso, o Deus que está conosco, aqui em nossa terra, poderemos esquecer que se passaram 2500 anos desde que estas palavras do livro de Isaías foram ditas ao povo de Israel. Poderemos incluí-las nesta prédica e entendê-las como palavras de Deus, ditas a nós pessoalmente, ao povo de Deus que existe hoje, mesmo ao povo machucado e pisado, ao povo que leva as marcas do seu Senhor crucificado em sua carne: «Quem criou estas coisas? Aquele que faz sair o seu exército de estrelas, todas bem contadas, as quais ele chama pelos seus nomes; por ser ele grande em força e forte em poder, nem uma só vem a faltar. Por que, pois, dizes, ó Jacó, e falas, á Israel (ó igreja, ó cristandade): O meu caminho está encoberto ao Senhor, e meu direito passa despercebido a meu Deus? Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento, Faz forte ao cansado, e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos caem, mas os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam.»
Você notou como Deus fala com os cansados e os desanimados? Notou como ele argumenta com eles? Não diz: Esqueçam o cansaço e aguentem firmes. Não diz: Salvem a causa de meu povo, dando duro em vocês mesmos. Ele não tira a última gota de energia dos cansados, assim como se tira a última gota de suco de um limão já espremido. Não é este o modo de Deus tratar os seus filhos. Assim agem os tiranos, de Faraó e Nabucodonozor a Stalin e Hitler. O que Deus faz, é bem diferente. Ele diz: Vocês pensam que eu não ligo vocês? Olhem e enxerguem: Eu contei todas as estrelas, não me escapa nenhuma! E eu não verei o meu povo amado — eu não contarei os meus filhos queridos? Eu não me canso jamais e jamais me canso de vocês. Eu vejo vocês, Vocês é que não me vêem. Eu ligo vocês. Vocês é que não me ligam. Pois vejam, agora — pois liguem o que eu digo neste momento: Há uma fonte inesgotável de poder, de força, de consolo. Ela está à espera de vocês. Sou eu, o Deus de vocês. Sozinhos, vocês se vão cansar. Vão ser minoria no mundo — na Babilônia, no Brasil, em toda a parte. Vocês, ligados a mim, vão ter as forças renovadas, dia a dia. Vão ser maioria absoluta, vão ser vencedores, porque eu, o seu Deus, sou maioria absoluta sempre, sou vencedor sempre ,— em todos os lugares.
E mesmo que os moços se fatiguem e os jovens caiam exaustos -- mesmo que as perspectivas do mundo sejam sombrias para a nova geração, que terá de enfrentar um mundo sempre mais poluído, complicado e caótico: Confiando no Senhor, eles vão subir com asas, como águias, vão correr e não se fatigar. Não vão fazer «viagens», fugindo para o mundo dos sonhos, embalados por drogas ou por palavras enganadoras. Vão subir para a realidade de Deus, vão correr no serviço do Senhor, evangelistas de Cristo, vão anunciar boa mensagem, vão obter a vitória.
Há pouco dissemos que também Jesus passou por cansaço e tristeza. Jesus nos indicou, com seu testemunho e com seu sacrifício, o caminho que vence a tentação do desânimo. Ele ergueu o olhar e viu. Em oração filial pediu que a vontade do Pai se fizesse, Ele não aponta apenas para o céu estrelado: Ele aponta para o céu da graça, para o céu aberto, do qual os seus discípulos vão recebendo força e poder, através do Espírito Santo. Assim, «levantai os vossos olhos» para nós significa: Olhai para Cristo!
Oremos: Deus, todo-poderoso. Agradecemos-te por tua palavra confortadora. Agradecemos-te pela mensagem de esperança que vem até nós através dos profetas da Antiga Aliança. Agradecemos-te por entendermos agora esta esperança, à luz do evangelho de Jesus. O Senhor — não permitas que nos deixemos confundir pelos poderes ameaçadores de nosso tempo. Não permitas que olhemos para nós mesmos, ou que esperemos auxilio do ocidente ou do oriente. Faze que olhemos para ti — para teu Filho, que nos salvou dos poderes que escravizam, morrendo por nós na cruz. Amém.
Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS