Prédica: Isaías 35.1-10
Leituras: Mateus 11.2-11 e Tiago 5.7-10
Autoria: Norberto da Cunha Garin e Edgar Zanini Timm
Data Litúrgica: 3º. Domingo de Advento
Data da Pregação: 11/12/2016
Proclamar Libertação - Volume: XLI
As flores do deserto
1. Introdução
Estamos nos preparando para o Advento. É o penúltimo domingo, momento no qual precisamos recordar a ação misericordiosa de Deus, que vem demonstrar seu amor pelo ser humano de maneira explícita na pessoa de Jesus Cristo. A leitura de Mateus 11.2-11 contextualiza-nos no anúncio da chegada do tempo salvífico.
A moldura da narrativa é a dúvida de João Batista, que diante dos comentá- rios a respeito de Jesus envia mensageiros em busca de clareza: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (11.3). Na narrativa de Mateus, Jesus não responde diretamente, mas ilustra sua palavra com o que está acontecendo ao seu redor: “Os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo pregado o evangelho” (11.5). Na verdade, o que se contava a respeito de Jesus não correspondia ao que se esperava popularmente de um messias. Mesmo os partidos político-religiosos de Israel não tinham um perfil de messias que fechasse com as características apresentadas pela pregação pública de Jesus.
Mais do que uma resposta, os sinais falavam do novo tempo que já havia chegado, mas muito mais de um messianismo distinto, todo voltado aos que estavam excluídos do convívio social. Ao complementar sua mensagem, fala do escândalo daqueles que esperavam um outro messias. A pregação de Jesus constitui, na sequência, um esclarecimento sobre o tempo de preparação para o advento que chegou em sua pessoa.
Tiago conforta os cristãos na expectativa da chegada da parousia. Assim como o agricultor espera que a lavoura dê seu fruto, assim os crentes devem aguardar o tempo que já está chegando e ilustra essa espera com o sofrimento dos profetas, que se dedicam integralmente à missão na expectativa da realização do reino de Deus.
2. Exegese
Lançamos, a seguir, algumas considerações sobre o texto da prédica:
V. 1 – A devastação da terra pode simbolizar a ausência de Deus, mas há uma esperança que vem da mudança de enfoque: agora haverá flores e vida. Em 41.19, o autor retoma essa temática apontando para a vegetação que nasce e cresce no deserto. Há uma ação de Javé que altera o mundo natural: ele não é apenas senhor do povo, mas senhor da natureza, da vida.
V. 2 – A primeira parte do v. 2 repete informações do v. 1 e dá-lhe continuação. É anunciada a presença de Javé, representada pela abundância de vida nas flores que antecipam a vinda dele. A glória de Deus aparecerá. Não aparecem os protagonistas que recebem essa epifania. O sufixo feminino (foi dada a ela), pelo contexto, reporta-se a Jerusalém. Pode-se estabelecer um paralelo com a glória de Javé, contida em 60.13. A glória do Líbano reporta-se aos cedros amplamente utilizados nas construções mais elaboradas de Israel, como por exemplo o templo de Jerusalém sob Salomão (1Rs 5.19-20).
V. 3-4a – O foco destes versículos são o estímulo e a confiança que Deus há de fazê-los vencer, pois os destinatários do texto já o conhecem. Representa que eles já tiveram uma experiência de profunda convivência com ele. 40.29-31 reporta-se ao vigor dos cansados, que é restabelecido como a força dos jovens.
V. 4b – Repisando o v. 3, este versículo inicia com uma palavra de estímu- lo: “sede fortes, não temais” e apresenta a justificativa para a força e o destemor: “eis o vosso Deus”. Fala da forma como a ação divina se estabelecerá, apontando para o conteúdo dessa ação na experiência do povo: “ele vem e vos salvará”. É errôneo afirmar que a vingança vem de Deus ou que ele promove a vingança. Ele nunca promove esse tipo de ação, pois se trata de um Deus de amor.
V. 5-7 – Aqui uma nova perícope se abre: há uma apresentação do conteúdo da obra de Javé na forma de contrastes qualitativos fortes: cegueira/olhos abertos; surdos/ouvidos desimpedidos; coxos/saltam etc. Quando Pedro e João estão à porta Formosa e curam um coxo, trata-se de uma comprovação de que a era messiânica chegou. Da mesma forma, esses conteúdos são retomados por Mateus 11.5, quando João Batista envia mensageiros a Jesus para questioná-lo sobre sua messianidade. Outra figura, a da água brotando no deserto, também pode ser as- sociada à chegada do tempo salvífico (Is 41.18) e de atos extraordinários de Javé (Ex 17.6). Os v. 6 e 7 podem ser comparados às palavras de 41.18-19, um tempo de refrigério para os exilados, que voltavam pela transformação operada por Javé.
V. 8-10 – Parece que a expressão “caminho” não está colocada aqui com muita certeza, e alguns autores preferem a tradução da sequência: “Imundo nenhum pisará nele e loucos nele não perambularão”. É por isso que alguns comentaristas consideram o v. 8 uma glosa. Contudo esse aponta para a preparação dos resgatados de Sião. Estão abertas as veredas seguras. Em 11.16, a figura do caminho aparece referindo-se tanto a Moisés no episódio do Êxodo como ao resto que estava na Assíria. Reporta-se ao retorno dos dispersos. No v. 9, parece estranha a menção ao leão e a outros animais ferozes, porque isso não parece ser uma ameaça para os peregrinos (SOBOTTKA; BECKER, 1996, PL 21). A alegria eterna é uma figura que se reporta à bagagem que se carrega na cabeça e tem como significado um contentamento grande.
Em relação ao contexto, torna-se importante considerar quem são os destinatários desse texto, assim como os emissores da mensagem, de igual modo em que data esse texto teria sido composto. Há muitas incertezas, mas parece que a composição está mais relacionada aos séculos VI e V. Há certa dificuldade de datação porque não aparece nenhum fato histórico ou referência a alguma nação ou rei contemporâneo. Também não se pode deduzir que se refira ao retorno dos exilados, visto que se poderia reportar à caminhada anual dos filhos de Israel da diáspora em direção a Sião. Por isso há quem o considere um texto atemporal. É possível que o destinatário dessa mensagem seja todo o Israel. No caso dos exilados, é importante considerar que alguns não se animaram com a liberdade para retornar, ainda que Judá estivesse reduzido a um pequeno território, e nesse caso o texto poderia fazer parte de uma mensagem de estímulo ao retorno.
As informações dos v. 1 e 2 parecem apontar para um locus no qual havia exuberante vegetação temporária: o deserto alegrar-se-á e florescerá, e o Líbano, o monte Carmelo e a planície de Saron aparecem como lugares nos quais há muita vida. Quem sabe, muito mais uma promessa de Deus, que é capaz de fazer milagres. O texto parece apontar para uma alegre acolhida aos caminhantes e mostrar a grandiosidade de Deus, capaz de sua intervenção na natureza a ponto de transformar deserto, ermo e morte em flores e vida. Essa visão aponta não apenas para a abundância de vegetação, mas também para a expectativa de que os frutos virão, fundamentais para a permanência na terra.
Os v. 3 e 4 apontam para um estímulo e uma consolação. Entretanto não se pode distinguir quem é o emissor dessa mensagem e a quem se destina. Os desalentados de coração seriam os judeus voltando da diáspora em busca de vida na terra prometida? Seriam os retornantes do exílio babilônico? Seriam outros povos que encontrariam acolhida no seio da terra prometida?
Ao considerar a composição dos v. 5 e 6, pode parecer que os destinatários são pessoas que já retornaram do exílio, mas que não encontraram uma situação favorável, como esperavam antes do retorno. Deve-se notar que entre esses destinatários estão as pessoas com deficiência, pois são mencionados surdos, mudos, coxos e cegos, pessoas que habitualmente são invisíveis na sociedade.
Outra dúvida é sobre o conteúdo dessas mensagens: tanto pode ser um dito do mensageiro como pode ser uma vocação profética ou mesmo um imperativo do próprio autor (SOBOTTKA; BECKER, 1996).
3. Meditação
Há momentos nos quais a trajetória de uma comunidade se assemelha a um enorme deserto ressequido. As relações ficam desgastadas. Não há entrosamento, e as pessoas não se conseguem unir em torno de um objetivo. Considerando as possibilidades humanas, certas comunidades caminhariam para o fracasso total. É nessas circunstâncias que se torna necessário perceber que o trabalho realizado possui outra dimensão. Deus é capaz de fazer coisas inimagináveis, como fazer brotar vida onde somente existem secura e morte. Em meio às muitas desesperanças, é possível vislumbrar flores e florestas. A glória de Deus não se manifesta apenas em eventos espetaculares, mas também em fazer o impossível tornar-se possibilidade.
A comunidade necessita ser estimulada e fortalecida, porque muitas vezes está imersa na desesperança. São adversidades econômicas, políticas e de outra ordem, que abatem as pessoas e, por consequência, a coletividade. A opressão promovida pelos tributos elevados, pelos jogos de poder dos dirigentes provoca desânimo e tristeza. Sobretudo é necessário dizer: “sede fortes”, porque Deus está aqui e está vencendo, assim como venceu a morte na ressurreição de Cristo.
Jesus é o Emanuel, um Deus capaz de fazer maravilhas onde só aparecem securas e desesperos. Esse é um Deus distinto dos totens de pedra e de madeira que circulavam no contexto social de Israel. Ele não está interessado em louvores e exaltações, mas na prática da misericórdia para com aqueles que se encontram à margem da sociedade competitiva de mercado, ressequidos pela escorchante prática dos negócios a crédito: os abatidos, os coxos, os cegos, os surdos. Ele não está interessado em tronos ou entronizações, mas nas veredas de justiça que promovem o humano que há em cada pessoa e que é coroada com a compaixão de Cristo. Com Ele abrem-se caminhos por onde trilham os mansos, os puros de coração, os que desejam e constroem um novo tempo de solidariedade, em que antes só havia disputas e intrigas.
Nesse novo tempo, o tempo do Reino, não haverá mais tortura nem dor. Nessa nova terra haverá alegria e gozo, porque Deus será o Senhor que julga e que ama, que corrige e que alenta. Dela desaparecerão a tristeza e o choro, pois um novo sorrir será colocado no rosto dos filhos do Eterno. A secura provocada pelo desespero das dívidas será transformada na alegria de uma vida comunitária de solidariedade e misericórdia, sem dinheiro e sem preço (Is 55.1). O deserto, ressequido de uma vida sem sentido, é transformado na abundância da água da vida (Ap 21.6), cuja concretude se dá no advento de Cristo.
4. Imagem para a prédica
Conseguir um exemplar, de bom porte, de um cacto florescido. Colocar o cacto bem à frente da congregação. Durante a prédica, mostrar que a planta nasce e desenvolve-se dentro de um vaso com terra seca. Apesar disso, faz desabrochar uma flor maravilhosa. Assim Deus faz nascer as manifestações mais preciosas de vida no meio da secura. A aparente esterilidade de nosso meio nunca deve ser motivo para parar de lutar. Alimentados pela certeza de que Deus em Cristo nos mostra o impossível, mantenhamos a esperança contra todas as desesperanças.
Uma alternativa seria conseguir uma orquídea florida, presa a um galho seco de árvore.
5. Subsídios litúrgicos
LITANIA DE ADVENTO
Dirigente: Bendito seja o Deus de misericórdia, que acolhe todas as pessoas que se encontram cansadas e enfraquecidas por causa das vicissitudes da vida.
Congregação: Bendito sejas, Senhor, porque tu nos revigoras sempre.
Dirigente: Bendito seja Deus, porque faz nascer a vida em meio às situações de morte, como enfermidades, crimes, opressões, misérias.
Congregação: Bendito sejas, Senhor, porque tu nos revigoras sempre.
Dirigente: Bendito seja Deus, porque faz brotar a vida do mais ressequido solo de adversidades, de incompreensões, de conflitos, de desamores.
Congregação: Bendito sejas, Senhor, porque tu nos revigoras sempre.
Dirigente: Bendito seja Deus, porque faz nascer a esperança em meio à total desesperança.
Congregação: Bendito sejas, Senhor Deus, que te manifestas em Jesus Cristo, nosso Salvador.
Bibliografia
CROATTO, J. S. Isaías: a palavra profética e sua releitura hermenêutica. v.1. Petrópolis; São Paulo; São Leopoldo: Vozes; Imprensa Metodista; Sinodal, 1989.
SOBOTTKA, Emil; BECKER, Renato. Is 35.1-10. In: PL 21. São Leopoldo: Sinodal, 1996. Disponível em http://www.luteranos.com.br/conteudo/
isaias-35-1-10-2. Acesso em 11 abr. 2016.
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