Igreja e Política - 1988

Carta Pastoral da Presidência

16/08/1988

Um dos assuntos mais candentes em nossas comunidades continua sendo a pergunta pela relação entre Igreja e política. Em minhas viagens, este sempre de novo tem sido um dos temas levantados em conversas com presbíteros e outros membros. Reside aí um problema. Ademais, estamos em época pré-eleitoral. Os partidos estão organizando suas campanhas, envolvendo logicamente também nossas comunidades. Houve um despertamento em nossa Igreja com respeito à responsabilidade política dos cristãos, saudado por uns, deplorado por outros. Em alguns casos isto tem conduzido a flagrantes tensões, razão para não deixar de trabalhar esta importante questão.

Aliás, tenho-me perguntado pela necessidade desta manifestação depois de ter recebido o posicionamento frente à questão político-partidária por parte dos pastores do Distrito Eclesiástico Guandu, ES. Considero muito boa esta palavra e recomendo seu estudo. Quem ainda não a conhecer certamente poderá solicitá-la junto ao mencionado Distrito. E todavia, julgo não ser supérfluo voltar à matéria, considerando sua importância para o futuro de nosso País e também da IECLB.

É sabido que nos encontramos em momento político particularmente difícil e decisivo. Também a Igreja de Jesus Cristo está por ele atingido. Não pode ficar alheia aos acontecimentos. Cabe-lhe motivar os membros a assumirem a parte da responsabilidade que lhes é devida. Engajamento político, empenho pelo bem comum, defesa da justiça é mandato de Deus e uma forma de servir às pessoas e ao próprio Criador. A tentativa de se esquivar desta tarefa significa tornar-se culpado no mandamento do amor, que na ação política possui um de seus mais eficazes instrumentos. Creio que esta deveria ser uma premissa comum de todo cristão luterano. A injustiça, a corrupção, a violência e a fome em nosso País desafiam a consciência cristã e necessariamente devem traduzir-se em ação a favor das vítimas de nossa sociedade e de uma ordem social mais justa. Como luteranos estamos impedidos de separar a fé e a política. Não são coisas estanques.

Da mesma forma, porém, não devemos confundir. Isto significa em primeiro lugar que, como Igreja e comunidade, não podemos identificar-nos com determinado partido. Na base comum do compromisso com a justiça e a promoção do bem deve haver espaço para adeptos de todos os partidos na mesma comunidade. Deve haver espaço para a discussão política e a boa concorrência de programas e propostas. É o que exigem as regras democráticas que todos queremos ver respeitadas. Igreja jamais é idêntica a um partido ou movimento popular, por maior apoio que possa merecer na defesa da causa justa.

Por isto mesmo, a Igreja também não pode vincular-se a uma determinada ideologia. Não é a ideologia que constitui a Igreja, mas sim a misericórdia de Deus. Ideologias são relativas, são produção humana, imperfeitas, portanto, e suscetíveis de abuso e corrupção. A ética sempre deve ter a prioridade. Na teoria, nem o capitalismo nem o socialismo são sistemas ruins; na prática, porém, a coisa é diferente. É porque de todos os sistemas e de todas as ideologias a Igreja deve cobrar a ética.

A postura luterana, de nem separar a fé e a política nem confundi-las, é difícil de praticar. Mas é a única forma de impedir abusos. A separação, além de fictícia, colabora com a corrupção das instituições políticas e favorece o arbítrio. A confusão, mediante exclusivismos ideológicos, destrói a comunidade e conduz, em última instância, a regime teocrático, autoritário, legalista. Deveríamos aprender do próprio Lutero: não hesitou de levantar a voz, apontando males de sua época, chamando a atenção das autoridades e exigindo mudanças estruturais. Lutero de modo algum foi pessoa apolítica, mas permaneceu livre diante dos partidos de então, resistindo à transformação do Evangelho em projeto político-social. Soube distinguir entre Igreja e Estado. Certamente cometeu erros. Ainda assim, permanece exemplar seu propósito de evitar tanto a mistura de fé e política quanto o divórcio de ambas.
Em nosso País precisamos de uma nova maneira de entender e fazer política que tenha credibilidade, que priorize a ética e a democracia e se baseie em competência. A comunidade cristã para tanto muito tem a contribuir.

Concretamente propomos:

1. Procurar espaços para discutir o compromisso político de cristãos e Igreja na comunidade. Isto, sem postura autoritária, antes com o propósito de promover um processo de aprendizagem. Não cabe à Igreja dirigir o processo político, nem de favorecer determinados candidatos ou partidos. É sua tarefa, isto sim, contribuir para a formação de uma consciência política responsável, capaz de avaliar a qualidade das propostas partidárias. A fim de conseguir este objetivo, é desnecessário, sim desaconselhável, que o discurso pastoral tenha por conteúdo expresso e repetitivo os temas das campanhas eleitorais. Estaríamos ameaçados de confundir Igreja e política nos termos acima expostos. Projetos políticos não são assuntos para a pregação, mas para a discussão. A comunidade precisa, ela mesma, descobrir seu compromisso polítíco a partir do Evangelho, em reflexão sóbria e crítica.

2. Convidar candidatos e candidatas aos cargos de prefeito o vereador (sobretudo evangélicos), a fim de ouvir suas propostas bem como seu diálogo mútuo, e de fazê-los sentir as expectativas da comunidade e as exigências do próprio Deus. Temos um dever com aqueles e aquelas que disputam cargos públicos. Devemos manifestar-lhes nossa crítica e nossa solidariedade. Muito preconceito provém da desinformação, e é deplorável quão pouco os políticos de nossa Igreja costumam saber a respeito da postura e “linha” de sua Igreja. Isto é sinal de uma omissão. Os políticos precisam e têm o direito à assessoria crítica por parte da comunidade.

Ainda outras iniciativas locais, distritais e regionais são possíveis e imagináveis. Assuntos políticos costumam ser conflitivos. Mas a comunidade cristã deveria ter a força para suportar e vencer as tentações justamente por saber que todos somos dependentes do perdão e da graça de nosso Senhor. Que Deus nos ajude e nos liberte para uma ação que se oriente em Sua vontade.

Porto Alegre, 16 de agosto de 1988

Dr. Gottfried Brakemeier

Pastor Presidente


 


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Sociedade / Instância Nacional: Presidência
Natureza do Texto: Manifestação
Perfil do Texto: Manifestação oficial
ID: 12561
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