História de vida de Marlene Fuerstenau

31/08/2015

 

Nome: Marlene Fuerstenau

Tempo de participação na IECLB: desde o Batismo

Comunidade: Apóstolo Paulo

Paróquia: Santa Cruz do Sul/RS

Sínodo: Centro-Campanha-Sul

 

O que significou Deus para mim, na infância, e o que significa hoje?

Não me recordo exatamente da minha idade, quando aprendi a primeira oração: Ich bin klein, mein Herz is rein... (Eu sou pequena, meu coração está limpo...). Quem era Jesus para mim? Jesus e Deus eram a mesma pessoa.

Minha avó materna morava conosco e dormia comigo no quarto. Ao nos deitarmos, eu a questionava a respeito de Deus: “Quem é, onde mora, o que faz, como Ele nasceu?” Ela me dizia: “Ele mora no Céu; é tão grande quanto este mundo que criou. Assim, protege-nos, é poderoso e castiga quem faz coisas erradas, porque Ele enxerga tudo.” Ainda assim, uma grande dúvida assaltava meu pensamento: como Deus poderia caber no meu coração, conforme minha oração “Soll niemand drin wohnen als Jesus allein” (somente Jesus deve morar dentro do meu coração)? Minha avó explicava que, para Deus, tudo era possível.

Aos 10 anos, fui morar na casa de minha madrinha, na vila Sinimbu, para continuar os estudos, pois na minha localidade o ensino se estendia somente até o 4° ano primário. Também iniciei o ensino confirmatório, no qual aprendi os Dez Mandamentos e o significado de pecado. Passei a ter medo de Deus e seu castigo. Dessa maneira, tentei sempre obedecer e viver conforme seus ensinamentos, para que nunca fosse castigada. Na minha livre interpretação, ser cristã era sinônimo de ser uma pessoa pura, sem pecados, a exemplo dos pastores, freiras, etc.

A partir dos 11 anos de idade comecei a ler a Bíblia, inspirando-me no exemplo de uma amiga, que não dormia sem ler pelo menos um versículo. Com 12 anos, fui estudar no Colégio Mauá, hospedada no Internato Feminino. Meus pais eram comerciantes e moravam no interior do município de Santa Cruz do Sul, a uma distância de 37 quilômetros da cidade. No internato, encontrei adolescentes que também eram assíduas leitoras da Bíblia. Assim, tive companhia na partilha da leitura.

Nesse mesmo ano, tive uma grande perda. Minha irmã menor, de apenas 9 anos, faleceu vítima de crupe. Quando soube de sua morte, logo me ocorreu a história da ressurreição de Jairo. Durante o trajeto de Santa Cruz até Sinimbu, onde minha irmã estava sendo velada, orei o tempo todo. Pedia a Deus para que ressuscitasse minha irmã e tinha fé de que, se eu a beijasse, Ele faria isso. Porém, quando cheguei ao local do velório, meus pais me impediram de aproximar-me do caixão, temendo que eu pudesse ser contaminada pela doença que havia vitimado minha irmã. Assim, uma dúvida enorme me atormentou durante muitos e muitos anos: será que Deus a teria ressuscitado se eu a tivesse beijado?

Continuei estudando, até me formar no antigo Básico. A partir de então, passei a trabalhar na Prefeitura Municipal, como auxiliar de escritório. Nesse período, comecei a namorar o amor da minha vida, com quem estou casada até hoje. Tive de ir morar em uma pensão, no centro da cidade, o que mudou muito minha vida. No entanto, o hábito da leitura sagrada, assim como da participação nos cultos dominicais, não mudou. Aliás, as palavras bíblicas foram, muitas e muitas vezes, o consolo e a orientação para minha vida.

Aos 18 anos, terminei o 2° Grau e formei-me em Técnico em Contabilidade. Minha mãe, com muitos problemas de saúde, já estava sentindo a fadiga do trabalho. Assim, quando terminei os estudos, ela pediu que eu voltasse para casa a fim de ajudá-la nos afazeres da casa comercial. Voltei, deixando meu emprego, meu noivo e minhas amigas em Santa Cruz.

Tive que me habituar ao sistema do interior, em que os fregueses (plantadores de fumo) falavam da plantação, da colheita, da secagem. Não foi fácil. O rádio de pilha, presente de meu noivo, era meu companheiro; através dele, ficava sabendo das notícias da cidade, além de ouvir música e futebol (quando o Grêmio jogava). Uma senhora viúva, muito simples e quieta, frequentava assiduamente os cultos, que aconteciam em um ponto de pregação na escola. Somente ela, o pastor e eu sabíamos cantar os hinos indicados. Na saída do culto, eu costumava passar algum tempo conversando com ela. Certo dia, enquanto atendia um freguês, veio correndo, desesperado, o filho dessa senhora, para dizer que sua mãe estava mal e queria falar comigo. Também pediu para chamar o médico, já que o único telefone da região ficava em nossa casa. Acompanhei o rapaz e, quando cheguei em sua casa, encontrei a senhora minha amiga, imóvel, atravessada na cama. Tentei acomodá-la melhor, até que acordou e pediu para ficar a sós comigo. Então, disse: “Quero me confessar! Chegou a hora da minha morte.” Assustada, insegura e trêmula, escutei a sua confissão. Pediu-me, então, para orarmos “So nimm denn meine Hände” (Por tua mão me guia). 

Enquanto aguardava a chegada do médico, preparei-lhe um chá. O médico, ao examiná-la, diagnosticou infarto leve. Assim, mais tarde, quando já estava recuperada, ela atribuía à minha ajuda e presença o fato de ela ter sobrevivido. Portanto, naquele acontecimento, fui ao encontro de um pedido de socorro e pratiquei o amor ao próximo. Muitos anos depois, descobri que isto se chama diaconia.

Após o casamento, voltei a morar em Santa Cruz do Sul e a trabalhar na Prefeitura Municipal. Engravidei! Quando meu filho mais velho, Emerson, tinha 5 meses, engravidei novamente. Após o nascimento de Fabiano, decidimos, meu marido e eu, que eu pararia de trabalhar fora, a fim de ficar mais próxima dos filhos. Continuava frequentando assiduamente os cultos. Tentei participar da OASE, porém lá não me senti à vontade, as mulheres eram prendadas demais! Enquanto o pastor fazia o estudo bíblico, elas faziam crochê, bordado ou tricô. Eu não tinha afinidade com as agulhas, então me senti inútil, sem dons, e desisti. 

Passados alguns anos, eu e meu marido, juntamente com outros dois casais, participamos de um retiro em Gramado, coordenado pelo Pastor Kirchheim. O tema do retiro: preparação de lideranças para atuação na comunidade. Lá, fomos motivados a fazer um trabalho de descentralização das comunidades. Assim iniciamos, no bairro Ana Nery, um trabalho com os casais da comunidade local. Desse “Encontro com Casais” surgiu o Núcleo Apóstolo Paulo, atual Comunidade Apóstolo Paulo. Inicialmente, os encontros aconteciam nas casas dos participantes, mas, com o decorrer do tempo, a participação e a dedicação do grupo foram responsáveis pela edificação de um pavilhão, que servia como ponto de pregação. Ali se iniciou, também, um grupo de OASE.

Nesse grupo eu me sentia integrada, pois ali acontecia somente o estudo da palavra, sem trabalhos manuais. Nestes estudos, porém, sempre se discutia o serviço ao próximo, e esse assunto continuava mexendo comigo! Mantinha a dúvida: de que maneira eu poderia servir ao próximo, sem os habituais dons que as mulheres possuíam e pelos quais eram valorizadas?

No ano de 1982, a Irmã Hildegard Hertel veio integrar o grupo de obreiros eclesiásticos da Comunidade de Santa Cruz do Sul. Sua função era ocupar-se com atividades diaconais, e sua principal meta era envolver e preparar pessoas da Comunidade para um trabalho voluntário junto a excluídos, idosos, crianças, etc. Ela também ficou responsável por dirigir os estudos bíblicos na OASE Apóstolo Paulo, e foi justamente durante um desses estudos que tive o primeiro contato com a palavra diaconia e o seu significado.

Fazer visitas às pessoas da comunidade era uma das tarefas que Irmã Hildegard levava muito a sério, e começou pela casa das participantes da OASE. Um dia desses, chegou a minha vez. Convidou-me, então, para o engajamento no trabalho diaconal. Fiquei assustada e lhe respondi: “Mas Schwester, eu não sei fazer nada, não tenho qualidades”. Ouvindo isso, ela respondeu: “Tu tens um tesouro escondido dentro de ti que ainda não descobriste!” Ela foi tão convincente com suas palavras que conseguiu me animar a encarar o desafio do trabalho diaconal.

Assim, comecei a trabalhar como voluntária nas ações diaconais da Comunidade, coordenadas pela Irmã Hildegard (a essa altura, ela já se tornara grande amiga da família) Inicialmente, atuei no Asilo dos Idosos, contribuindo na fundação, organização e promoção de eventos; fazia visitas a um grupo de idosos em suas próprias casas, a pessoas com deficiência e a famílias do bairro Bom Jesus; participei da fundação de um grupo de mulheres nesse mesmo bairro, baseado em orientação sobre saúde, trabalhos manuais, etc; e fui, ainda no Bom Jesus, mentora e responsável por um grupo de danças com crianças. Além disso, coordenei durante 12 anos o Grupo de Dança Sênior “Amor à Vida”.

Através de toda a minha passagem pela comunidade, posso hoje afirmar que nós, membros e participantes da IECLB, também somos responsáveis por intervir na realidade em que vivemos. A Igreja está inserida na sociedade civil; por isso, a nossa responsabilidade não se limita tão somente a manter as nossas comunidades: precisamos promover vida digna em favor de todas as pessoas. Assim, em 1992, iniciamos o Projeto Alegria, com crianças provenientes do bairro mais pobre e violento da cidade, o Bom Jesus. Inicialmente com apenas quatro crianças; atualmente, são 85 crianças e jovens participantes das atividades oferecidas (contação de histórias, oficinas de aprendizagem, oficinas de música e canto, oficinas de arte, fabricação de velas artesanais, oficinas de teatro e dança). A nossa grande missão neste trabalho, portanto, é testemunhar o amor de Deus através da palavra e da ação, tendo, então, como meta principal a transformação do indivíduo e da sociedade.


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