Hebreus 11.35b-40 - Testemunhas

Prédica

26/03/1972

TESTEMUNHAS
 Hebreus 11.35b-40 

O capítulo 11 de Hebreus, cujo final acabamos de ouvir trata especialmente de um assunto: a fé. 

Mas logo de saída a gente tem uma surpresa: a carta aos Hebreus não apresenta uma longa doutrinação sobre o que seja a fé. Não se descobre nenhuma teoria sobre a fé. Pelo contrário: o capítulo 11 de Hebreus fala sobre a vida de muitas pessoas bem diferentes entre si. Mais ainda: a vida dessas pessoas é considerada como testemunho. Quer dizer: são vidas que falaram através de atos — e que continuam falando a nós, hoje. Assim sendo, não sou eu que estou construindo uma mensagem. Minha tarefa consiste, apenas, em a mensagem que se reflete na vida daquelas testemunhas.

E quem foram essas pessoas, essas testemunhas? Entre outras, temos a figura de Abel, aquele que foi morto pelo irmão. Abel continua falando mesmo depois de morto. O sangue de Abel, o sangue de todos os inocentes continua clamando a Deus. E Deus ouve. Os assassinos de pessoas inocentes também ouvem. Por isso e que se tornam pessoas inquietas, medrosas e fugitivas. A carta menciona Abraão, Isaque e Jacó, homens que ouviram o chamado de Deus obedeceram, homens que ouviram a promessa de Deus e confiaram. Toda a vida deles foi uma peregrinação, uma caminhada por terras estranhas. Se puderam ver e sondar a promessa de longe. Gastaram uma vida procurando a pátria. E continuaram confiando. Até hoje eles são o símbolo de quem precisa partir sem saber aonde vai e o que acontecerá depois. E a carta descreve a vida de Moisés, o homem que rejeitou os prazeres e riquezas da família real do Egito, preferindo ser maltratado junto com seu povo, o povo de Deus. E por isso ele se tornou o libertador de seu povo — e pode conduzi-lo para fora da terra da escravidão, rumo a t erra prometi da. Para grande susto e espanto dos moralistas, essa relação de pessoas inclui também uma prostituta, Raabe. Essa mulher salvou a vida de homens de povo de Deus, escondendo-os em sua casa e enganando os perseguidores : Sim, recebi fregueses, mas eles a foram embora.

E a carta aos Hebreus diz que isso fé. Essas pessoas e tantas outras agiram dessa ou daquela maneira porque confiaram em Deus. Nos não ficamos sabendo se todos podiam explicar tudo que faz parte da doutrina, não se afirma também que foram heróis da piedade e da vida santa, a única coisa que se repete e isso : essa gente fez o que fez pela fé, porque creram, porque confiaram. E justamente porque confiaram, continuam falando a nós, hoje. Estão mortos há milênios, mas sua voz continuará a ser ouvida, mesmo depois que outras vozes que hoje enchem o mundo com sua gritaria, tiverem silenciado para sempre. 

E por uma segunda razão continuam falando hoje: essas pessoas tão diferentes tiveram sucessores, seguidores, imitadores de sua fé, até hoje. Quando nós cremo s, quando nós confiamos em Deus, estamos rodeados de uma nuvem de testemunhas. E de novo não se trata de gente especial, excepcional , heroica. De novo a carta aos Hebreus fala da vida como ela é — e da morte como também pode ser. 

As testemunhas a nossa volta são os torturados, aqueles de quem se zomba, os presos, os condenados à morte, por causa de sua fé. E mais uma vez fica bem claro: a fé não é tanto uma questão de acreditar nisso ou naquilo. Fé não é tanto uma questão de saber isso ou aquilo bem direitinho. Fé é principalmente uma questão de vida. Ter f é é uma maneira de viver. 

Viver como ? Viver como peregrino, como quem não tem um lugar certo. Viver sem acomodação. Viver sem segurança. A vida de quem tem fé, muitas vezes será a vida cheia de necessidades , aflições e até maus tratos. Isso não significa que os pobres e miseráveis e sofredores da terra devam cantar aleluias e achar que assim e que deve continuar . Quem acha que uns devem estar por cima e que outros precisam continuar por baixo, nesta vida, não é bem a Bíblia: é outro tipo de pessoas. São aqueles que produzem a miséria, são os responsáveis pela necessidade e pelos maus tratos que pensam assim. 

A vida de quem crê e confia pode passar por tudo isso também , é claro. No entanto, a vida da fé ainda conhece e experimenta outra miséria, outra aflição, outra angústia: e que nós ainda estamos a caminho. Nós também somos peregrinos. Nossa jornada ainda não terminou. E às vezes a gente cansa. Às vezes vem a fraqueza. Às vezes a gente não aguenta mais e quer ver a terra prometida, quer ver a concretização da promessa. Que adianta comemorar domingos de Ramos, se ainda não podemos saudar nosso Rei e entrar com Ele na cidade ? De que adianta comemorar uma vida inteira o Natal, a sexta-feira da Paixão, a Páscoa, se nos outros dias tudo parece tão igual e tão vazio?

No meio do vazio, no meio da angústia e da dúvida, meus irmãos, pensemos um pouco nas testemunhas que confiaram. Que confiaram antes de nós. Que continuam confiando a nossa volta. Nosso tempo tem muito mais testemunhas do que se imagina: nos muitos lugares onde pessoas são perseguidas e mortas, por causa da cor de sua pele, existem cristãos que confiam no dia em que a justiça triunfará — e trabalham por essa justiça. Nos muitos lugares onde pessoas são torturadas e mortas porque pensam diferente dos ditadores, existem cristãos que confiam no dia em que a liberdade chegará — e lutam por essa liberdade. Nos muitos lugares em que pessoas são maltratadas e afligidas por causa de sua fé, existem homens que confiam no dia em que a verdade vencerá e se esforçam por essa verdade. 

Sim, são muitas as testemunhas conhecidas e desconhecidas, em nossos dias. E por isso podemos crer, confiar e esperar. Crer arriscando! Confiar trabalhando! Esperar lutando! Todas as testemunhas do passado e de hoje — todas as testemunhas do mundo são nossa família, nossos irmãos. Mesmo sendo poucos, não estamos sozinhos. 

E ainda um último motivo para nos alegrarmos, para nos sentirmos solidários até com desconhecidos irmãos: eles não alcançaram a concretização da promessa — para que nós não fôssemos excluídos. Deus também pensou em nós. Nós também fomos contados e incluídos na promessa de Deus. Quer dizer: ninguém pode se salvar sozinho! Sem nós, os que confiaram antes de nós, também não alcançaram a perfeição. Sem eles, nós não podemos ter outra esperança diferente ou melhor. 

Até o fim dos tempos, os que viveram antes da cruz e os que vivem agora, depois da cruz, encontram-se na mesma situação: esperando o dia em que a promessa se tornará realidade visível e concreta. O dia em que a fé vai acabar porque os olhos de todos poderão ver a chegada e a vitória de Cristo. Vitória que vai acabar com toda tristeza e escravidão, miséria e necessidade. É pensando nesse dia que mais uma vez vamos iniciar uma semana de vida e de fé, rumo à Sexta-feira Paixão. É pensando nessa jornada que nos preparamos para a Santa Ceia. É meditando nisso que podemos comemorar a Páscoa. 

Amém.

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Autor(a): Breno Arno Schumann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Juiz de Fora (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Hebreus / Capitulo: 11 / Versículo Inicial: 35 / Versículo Final: 40
Título da publicação: Cadernos de Divulgação Cultural - Juiz de Fora/MG
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 21950
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