Hebreus 1.1-4; 2.5-12

Prédica

04/10/2015

Texto bíblico: Hebreus 1.1-4; 2.5-12
      
Exórdio

De todos os livros da bíblia, acho que o de Hebreus é o mais difícil para se fazer uma prédica. Este livro é uma carta? Uma epístola? Um tratado? Um apelo? Não sabemos. Quando já havia perdido a esperança de conseguir montar a prédica, lembrei que um dos textos mais bonitos de Martin Luther, “a teologia da cruz”, foi escrito com base em Hebreus. Foi assim que me animei de novo e me surpreendi com o que o texto que lemos nos ensina.

Para melhor compreendermos este livro, precisamos compreender o contexto histórico de quando foi escrito

Questões bíblico-exegéticas             

Não podemos definir quem escreveu este livro ou em que ano, mas parece que estamos por volta da última década do primeiro século da era cristã. O imperador é Domiciano. Em algumas regiões do Império Romano, cristãos são perseguidos a mando do imperador. Não bastasse a perseguição, a comunidade enfrenta dois riscos à fé: uma fé que ensina que Jesus não era um ser humano, mas um espírito iluminado que traz a salvação mediante um conhecimento secreto revelado a poucos e um grupo de missionários que pensavam ser necessários os rituais do judaísmo antigo. Esta ameaça era mais forte.

Por causa disso, nosso texto usa a linguagem do judaísmo para mostrar que não é este o caminho. O livro de Hebreus se divide em três partes: (1) descreve o caminho de Jesus, nosso Redentor; (2) a segunda fala do sumo sacerdócio de Jesus e (3) fala do caminho da fé. Nosso texto está na primeira parte, tratando da relação entre Jesus e as pessoas da comunidade de fé.

Mensagem

Nosso texto começa falando que “em muitas vezes e em muitas maneiras, tempo atrás, Deus, tendo falado aos Pais nos Profetas; nesses últimos dias, tendo falado pelo Filho”.

Para o autor, encontra-se Deus apenas através da palavra histórica. O acontecimento da salvação é a palavra de Deus. É o acontecimento do anúncio vívido da palavra de Cristo. Quanto a “nesses últimos dias”, para o autor, o tempo dos profetas é passado. A aparição do Filho é a abertura de uma nova época de salvação. A Igreja daqueles tempos já acreditava estar vivendo o tempo da salvação. Deus fala, pelo Filho, coisas de salvação eterna. O Filho é a revelação definitiva de Deus. Para a fé da comunidade ameaçada por uma fé que vê Jesus como um espírito, o texto enfatiza a palavra de Deus com Jesus, para afirmar a encarnação.

Depois diz que “Foi ele quem Deus escolheu para possuir todas as coisas e foi por meio dele que Deus criou o Universo”.

O herdeiro tem a ideia que, como o Filho recebe um nome, trata-se da celebração de um ato de entronização de um rei no mundo antigo: pela exaltação do Filho, ele recebe todas as coisas. Deus ter criado o universo através do Filho, se baseia na tradição da sabedoria dos antigos judeus: foi por sua sabedoria que Deus criou o mundo. O autor mostra que essa sabedoria é Jesus.

Depois, diz que “o Filho brilha com o brilho da glória de Deus e é a perfeita semelhança do próprio Deus. Ele sustenta o Universo com a sua palavra poderosa”. Ao descrever essas características de Jesus, o autor mostra que, como Filho, ele é totalmente depende do Pai e a ele pertence, mas ele próprio é quem traz a salvação. Sustentar o universo com palavra poderosa é que a palavra, aqui, também é Jesus, e o autor quer descrever Jesus como governador do Universo, isto é, mostrar que Cristo pode preservar o mundo e tirá-lo do caos.

Depois, diz que “e, depois de ter purificado os seres humanos dos seus pecados, sentou-se no céu, do lado direito de Deus, o Todo-Poderoso”. O texto quer mostrar que Jesus é o mediador entre Deus e as pessoas. A morte de Jesus na cruz é o acontecimento da própria salvação. Com a exaltação de Jesus, seu sentar-se à direita de Deus, pensa-se na participação no domínio e poder de Deus, que Jesus toma parte.

O texto segue dizendo que “assim Deus fez com que o Filho fosse superior aos anjos e lhe deu um nome que é superior ao nome deles”. Com a ascensão de Jesus, atinge-se o ponto alto: herdando um nome, Jesus se torna o Senhor de tudo.

Depois, “Pois Deus não deu aos anjos o poder de governar o mundo novo que está por vir, o mundo do qual estamos falando”. O autor mostra que o mundo vindouro pertence ao Filho: ele é o herdeiro de tudo; seu é o reino, não dos anjos. Mas isso o leitor já sabe há muito tempo. Todavia, a ideia é de um espaço físico. Ficará mais claro a partir dos próximos versículos.

Agora, nosso texto cita o Sl 8.5-7: “Pelo contrário, em alguma parte das Escrituras Sagradas alguém afirma: “Que é um simples ser humano, ó Deus, para que penses nele? Que é o ser mortal para que te preocupes com ele? 7 Tu o colocaste por pouco tempo em posição inferior à dos anjos, tu lhe deste a glória e a honra de um rei 8 e puseste todas as coisas debaixo do domínio dele.

Mas se o salmista falava de qualquer ser humano, aqui, o autor o interpreta à luz de Cristo. Todavia, é mais do que isso. O texto de salmos citado é interpretado a partir de Jesus, mas não se limita a isso: interpreta-se, também, a partir da comunidade, das pessoas da Igreja; a “diminuição” de Jesus é a pressuposição para sua exaltação, com a qual ele se faz solidário à morte dos irmãos e irmãs e assim garante a redenção. A interpretação envolvendo também a Igreja é o ponto forte da solidariedade entre Redentor e redimidos.

Nosso texto diz, depois, que “Quando se diz que Deus pôs “todas as coisas debaixo do domínio dele”, isso quer dizer que nada ficou de fora. Porém não vemos o ser humano governando hoje todas as coisas”. O autor mostra que a salvação é presente e futura. Enquanto o domínio do Filho não for visível, o poder de redenção do sumo sacerdócio de Cristo ainda não está completo. Propositalmente, ele mostra que a entronização de Jesus no céu não corresponde com a realidade na terra.

Continua: “mas nós vemos Jesus fazendo isso. Por um pouco de tempo ele foi colocado em posição inferior à dos anjos, para que, pela graça de Deus, ele morresse por todas as pessoas. Agora nós o vemos coroado de glória e de honra”. Por pouco tempo, feito menor do que os anjos, por causa do caminho que percorreu: humilhação, depois coroado com glória. O autor quer mostrar a presença na história do redentor Jesus, além do seu lado humano, para fazer ligação entre o Filho e os filhos

Depois diz que, “de modo que pela graça de Deus, ele pode experimentar a morte”. O autor mostra que Jesus é o condutor da salvação, por meio da graça de Deus é que a morte de Jesus tem valor salvífico, porque expiou os pecados. A graça de Deus, aqui, é o ato de graciosa salvação de Deus que conduz Jesus da humilhação à redenção. Por causa de Paulo e Luther, estamos acostumados a ver graça como sinal de salvação. Mas, em hebreus, é a palavra aliança que tem este significado de graça.

E segue: “Pois Deus, que cria e sustenta todas as coisas, fez o que era apropriado e tornou Jesus perfeito por meio do sofrimento. Deus fez isso a fim de que muitos, isto é, os seus filhos, tomassem parte na glória de Jesus. Pois é Jesus quem os guia para a salvação”. Aqui, o autor usa o conceito do mundo grego: um ser divino é medido para estar perfeito por meio do sofrimento. Depois, é a repetição que o Filho é mediação.

Segue o texto: “Jesus purifica as pessoas dos seus pecados; e todos, tanto ele como os que são purificados, têm o mesmo Pai. É por isso que Jesus não se envergonha de chamá-los de irmãos”. O autor mostra que tanto o alvo como a origem têm a mesma base, tanto o Filho como os filhos – que é Deus.

Conceito de santificação: No Antigo Testamento, Deus é santo no sentido de ser mais elevado do que o ser humano: este não pode alcança-lo. Depois, santo passa a ser o que Deus escolhe e separa para si: pessoas, objetos, lugares.

Tanto Jesus quanto as pessoas participam da santidade de Deus. Aqui, Jesus santifica porque é o meio de salvação dos filhos, das pessoas. Porque eles têm a mesma base, Jesus não se envergonha de chamá-los de irmãos.

Por fim, nosso texto termina dizendo que “Como ele diz: “Ó Deus, eu falarei a respeito de ti aos meus irmãos e te louvarei na reunião do povo”, citando agora o Sl 22.23. No Sl 22, o salmista fala da mais externa necessidade de salvação e é levado a cantar louvores, pois foi atendido. Foi o caso de Jesus, quando passou da morte na cruz à vida da ressurreição. Assim, o texto fala que ser irmão/ã de Jesus significa reclamar a sua parte da salvação. Anunciar o nome de Deus diante dos irmãos é expressar o ato de salvação de Deus. Desta forma, cantar louvores a Deus na Igreja, na comunidade, não é apenas cantar a salvação, mas onde ela se realiza.

Penso que o v.11 é a chave para o texto. A singularidade de Jesus, sua encarnação como palavra de Deus, sua exaltação à direita de Deus. Tudo é importante para que seus irmãos e irmãs possam participar da redenção realizada pelo sumo sacerdote celestial. Ele santifica e a comunidade é santificada. Mas o que implica essa relação?

Questões teológico-sistemáticas

Martin Luther compreendia que a santificação é ação do Espírito Santo. No catecismo menor ele diz: “Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé, assim como chama, congrega, ilumina e santifica toda a cristandade na terra”.

Para Luther, a pessoa, a partir de si mesma, não pode crer em Cristo. É o Espírito Santo quem proporciona esta fé. Quando o ser humano é santificado, isso quer dizer que Deus mesmo o santifica, comunicando-se a ele como santo. Deus mesmo é santo. O Espírito vem pela palavra articulada e audível, ou seja pelo evangelho. A palavra da prédica, o batismo e a ceia são os meios pelos quais o Espírito Santo vem a nós. De alguma forma, a santificação não nos deixa esquecer a obra salvadora de Cristo.

Questões pastorais

Se olharmos para a bíblia, o primeiro a ser santificado não foi uma pessoa ou um objeto. Foi o tempo. A tradição bíblica diz que Deus santificou e descansou no sábado. Deus descansa de suas obras, mas também em suas obras. Faz que elas existam em sua presença. Está presente na existência delas. O sábado encerra a habitação de Deus em sua criação. Assim, o sábado é a existência presente de Deus na criação. Deus sai para fora de si para criar o mundo e no sábado retorna a si pelo descanso. O sábado é santificado porque Deus o escolhe o para si. Deus destina o tempo como sua propriedade. Reservar um tempo exclusivo para Deus significa reconhecer que toda a criação saiu de suas mãos e respeitar a natureza como criada, deixando-a em seu repouso.

A redenção operada por Jesus é para a toda a criação: para todos os seres humanos, não só para os bons, porque, diante de Deus, todos são injustos e necessitam da graça divina. Mas estende-se também a natureza, como criação de Deus. Toda a criação precisa ser redimida, não apenas uma parte dela. Enquanto isto não acontecer, o poder da redenção de Cristo ainda não foi completo. Quando acontecer, tudo estará sujeito a Cristo: no mundo redimido não terá lugar mais para a injustiça, a desigualdade, as guerras, a miséria, a opressão. Um novo mundo, não porque seja outro, mas este mesmo redimido por Cristo, ou seja, a partir da nossa redenção, nós agimos para que esses valores – justiça, igualdade, paz, liberdade – se tornem concretos. Que o Espírito Santo nos ajude a não esquecer isto! Amém.
 


Autor(a): Roberto Carlos Porto
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: ABCD (Santo André-SP)
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 39318
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