Gênesis 22.1-14a

Prédica

09/03/1969

Gênesis 22.1-14a - OCULI

Depois dessas ocorrências, Deus pôs à prova a Abraão e disse-lhe: Abraão! E ele lhe respondeu: Aqui estou! Continuou Deus: Toma teu filho, teu único filho, a quem tu amas, o Isaque, e vai para a terra de Moriá; oferece-o lá em sacrifício, sobre um dos montes, que eu te indicarei. Levantou-se, pois, de madrugada Abraão, preparou seu jumento, tomou consigo dois de seus empregados e Isaque, seu filho; rachou lenha para o holocausto, partiu e se dirigiu ao local, que Deus lhe havia indicado. No terceiro dia, Abraão ergueu o olhar e viu o lugar á distância. E Abraão falou aos seus empregados: Vocês, fiquem aqui com o jumento, que eu e o rapaz iremos para lá; e depois de termos adorado, voltaremos até vocês. Então, Abraão tomou a lenha para o holocausto e a carregou sobre Isaque, seu filho; ele (próprio) pegou o fogo e a faca. E assim saíram ambos juntos. Falou, então, Isaque a Abraão, seu pai: Meu pai! E ele respondeu: Que há, meu filho? Perguntou Isaque: Olha, temos o fogo e a lenha, mas onde esta o cordeiro para o holocausto? Abraão respondeu: Meu filho, Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto. E seguiam ambos juntos. Assim, chegaram ao local, que Deus lhe havia indicado, e lá Abraão construiu o altar, dispôs a lenha em cima, amarrou Isaque, seu filho, e o deitou sobre o altar, em cima da lenha. E Abraão estendeu a mão e pegou a faca para carnear seu filho. Mas então lhe gritou do céu o mensageiro do Senhor dizendo: Abraão, Abraão! Ele respondeu: Aqui estou! E (o mensageiro) lhe falou: Não estendas a mão contra o rapaz e não lhe faças coisa alguma, pois agora sei que temes a Deus: tu não me negaste teu filho, teu único filho. Então Abraão, ao erguer seu olhar, viu um carneiro preso pelos chifres entre os arbustos; e Abraão foi lá, tomou o carneiro e o ofereceu em holocausto, em lugar de seu filho. E Abraão deu aquele lugar o nome de Deus proverá.

Prezada comunidade! 

Abraão foi maior do que todos: grande pelo poder cuja força é a fraqueza; grande pela sabedoria cujo mistério é a tolice; grande pela esperança cuja forma é loucura; grande pelo amor que é ódio contra si mesmo. Eis o que disse de Abraão um grande dinamarquês, chamado Sören Kierkegaard. Que magistral descrição de Abraão! 

Vejamos mais de perto as passagens principais deste texto impressionante, e veremos que Kierkegaard tem absoluta razão. O texto começa assim: Depois dessas ocorrências, Deus pôs á prova a Abraão, etc. importantes ocorrências tinham precedido o episódio que estamos analisando. Primeiro, Deus mandou que Abraão saísse de sua terra natal e se dirigisse ao lugar que Deus lhe indicaria. Abraão obedeceu e saiu a vagar errante por aí. Depois Deus lhe prometeu uma descendência tão numerosa como as estrelas do céu. Mas Abraão no tinha filhos; e á medida que envelheciam, ele e a sua esposa, tanto mais impossível parecia tornar-se a promissão de Deus. Mas finalmente, quando ambos já estavam em idade avançada, nasceu, como um presente inexplicável, lsaque. lsaque, o único filho de Abraão, no qual se concentrava e do qual dependia a realização daquela fantástica promissão, do qual dependia aquela fabulosa descendência - a maior glória que um oriental de então seria capaz de imaginar. lsaque, o único filho, o pivô da promissão, o único pilar, que sustentava o futuro de Abraão sobre a terra. 

Sim, e depois dessas ocorrências, Deus pôs á prova a Abraão. Parece inacreditável, mas Deus põe à prova. E não só a Abraão. Temos ainda outros exemplos de que Deus põe à prova. O mais conhecido é o do próprio Jesus Cristo. Os evangelhos nos dizem: Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado. Isto é, não adianta querer minimizar este aspecto. Deus põe à prova mesmo, tanto a Abraão, como a Jesus, como a cada um de nós. Contudo, é importante nos darmos conta de uma coisa: Deus não põe prova por capricho, para brincar com o homem. A tentação que ele impõe é sempre uma prova pedagógica para averiguar a fé e a fidelidade de homem. E quem vencer esta prova sai dela fortalecido, fortificado em sua fé. 

É dura, duríssima a prova que ele impõe a Abraão: Toma teu filho, teu único filho, a quem tu amas, o Isaque, e vai para a terra de Moriá; oferece-o lá em sacrifício, sobre um dos montes, que eu te indicarei. Conhecendo o que (saque significa para Abraso, ficamos na expectativa. Como vai esse homem reagir a esta horrível exigência? O texto continua categórico em sua abismante simplicidade: Levantou-se, pois, de madrugada Abraão, preparou tudo, tomou seu filho e dois empregados, e se dirigiu ao local, que Deus lhe havia indicado. Sem pestanejar! 

É de arrepiar os cabelos: Toma teu filho, teu único filho, a quem tu amas, o Isaque, e oferece-o em sacrifício. Deus quer saber duas coisas de Abraão: 1º.-Será este homem capaz de devolver a Deus o fantástico presente recebido? 2º.-Será ele capaz de abandonar sua segurança, seu futuro, sua estabilidade, tudo o que se prende a este único filho - será Abraão capaz de abandonar tudo isso para obedecer a vontade de Deus? Diante dessas perguntas, o texto só diz: Levantou-se, pois, Abraão... e se dirigiu ao local que Deus lhe havia indicado. 

Como é que pode Abraão cometer uma loucura dessas? Será ele tão fraco, tão tolo, tão sem sentimento algum? Nada disso! Abraão está vivendo todo o drama desta situação contraditória: Primeiro Deus lhe faz uma grande promissão - uma fabulosa descendência - e lhe da um filho, quando menos se esperava; e depois Deus manda sacrificar este mesmo filho. Mas, e aquela promissão? Que é da descendência? Deus quebrou sua palavra? Como é que Abraão resolve este dilema? 

Falou, então, (saque a Abraão, seu pai: Meu pai! E ele respondeu; Que ha, meu filho? Perguntou: Olha, aí temos o fogo e a lenha, mas onde esta o cordeiro para o holocausto? Abraão respondeu: Meu filho, Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto. E seguiam ambos juntos. Deus proverá! Para um observador neutro, esta confiança cega, absoluta, de Abraão deve parecer o absurdo dos absurdos. Deus proverá! Abraão não sabe como vai continuar, não sabe como será seu futuro sem Isaque. Só uma coisa ele sabe - e o sabe com uma certeza que lhe permite algo que para nós já beira a loucura. Ele sabe: Deus provera! Deus vai resolver esse dilema entre a sua promissão e o sacrifício de Isaque. 

E nós sabemos que isso de fato aconteceu: Conhecemos os detalhes, os preparativos para o holocausto, a intervenção do mensageiro de Deus e o sacrifício do carneiro que se encontrava entre os arbustos. E o ponto culminante de tudo: Agora, sei que temes a Deus: Tu não me negaste teu filho, teu único filho! E nesse ponto, só um esclarecimento: Temer a Deus no significa, para o hebreu, morrer de medo diante de Deus, mas simplesmente obedecer a vontade de Deus. Foi o que Abraão fez. E com isso venceu a prova. 

Resumindo, qual é a mensagem central deste texto? Abraão põe tudo em jogo - sua esperança pessoal, sua continuidade, seu futuro sobre a terra - em favor de sua carta decisiva: a obediência, a certeza de que Deus proverá, de que ele rege o futuro da maneira mais certa. 

II

Por que falar tanto de Abraão e deste episódio, que dista tanto dos nossos dias? Pelo seguinte: A vida do cristão é uma vida posta constantemente à prova. A questão não é mais sacrificar filhos únicos. Mas se trata da mesma prova com que se defrontou Abraão: Segurança pessoal e futuro garantido, ou obediência a Deus. 

A segurança de Abraão residia em seu filho. A nossa segurança reside em: estabilidade econômica, emprego e salários garantidos, aposentadoria assegurada, direitos civis, respeito de parte dos concidadãos, boa reputação na sociedade e assim por diante. 

A obediência a Deus constitui, para Abraão, em se dispor a sacrificar o único filho. Para nós, brasileiros, esta obediência toma rumo diferente. Obedecer a Deus, aqui, hoje, significa o mesmo que no tempo de Jesus: Amaras o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força, e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. E aí esta o nosso dilema: Segurança pessoal e futuro garantido, ou amor a Deus e ao próximo. Qual é o mais importante? Pode haver alguma dúvida para o cristo? 

Este amor ao próximo no se poder a restringir a uma comoção sentimental muito vaga lá por dentro, mas terá que ser concreto, palpável, constatável, como o ato de Abraão: Levantou-se, pois, de madrugada Abraso e se dirigiu ao local que Deus lhe havia indicado. Aqui entre nós nem e preciso procurar muito pelo lugar que Deus indicou, pelo lugar em que se realiza a obediência a ele. O lugar está ai fora. Esta ar nos maltrapilhos que dormem nas calçadas e debaixo do Viaduto, está aí nos asilos, nos hospitais, nos nosocômios e nas malocas. Mas também está' lã, nos camponeses oprimidos, extorquidos, ludibriados, escravos de seus patrões magnatas. Esta aí nos operarias de salario mínimo (será que alguém aqui dentro faz ideia do que significa sustentar uma família com Cr$ 120,00?); estes operários que no têm possibilidade de erguer justas exigências. Está aí nos desempregados, que, se ainda vivem, é por serem cabeçudos. Esta aí nos analfabetos, adultos e crianças, que não sabem sequer usar um elevador, porque no conhecem os números dos botões. Está ai nos nossos patrícios, que lutaram, venceram o vestibular e agora estio na rua. E esta no nosso vizinho ao lado, no nosso colega de trabalho, em toda parte. Aí está o lugar que Deus lhe havia indicado. 

Ao cristão, a nós, cabe preparar a trouxa e ir para lá. Os senhores perguntarão: Como? E eu lhes digo: Ouvindo e apoiando toda pessoa, todo movimento, toda ação que sinceramente se dedicar aos interesses desses necessitados, que andar para aquele lugar indicado. E fazendo alguma coisa. Apoiar e atuar com aqueles que se importam honestamente pelos que no têm chances nem direitos é amar o próximo, é obedecer a Deus, é ir ao lugar que te indicarei. 

E isso, prezada comunidade, ainda que for necessário sacrificar nossa segurança - como Abraão se dispôs a sacrificar a sua - ainda que sacrificando nosso tempo ou nossa estabilidade econômica; ainda que caindo na desgraça da sociedade e dos círculos que, por motivos óbvios, não querem o favorecimento dos menos favorecidos; ainda que as custas da própria liberdade. 

E o cristão pode agir assim. Ele pode jogar tudo na cartada de Jesus Cristo, pode decidir-se pela obediência a Deus, mesmo que em detrimento de suas esperança. Ele pode tudo isso por saber que o futuro que lhe foi conquistado por Jesus Cristo é muito mais, é infinitamente mais do que qualquer segurança humana. E no tocante a esse futuro, o que vale é a obediência vontade de Deus: no tocante a esse futuro, o que importa é sabermos: Deus proverá! Basta obedecermos, que Deus proverá! Amém. 

Oremos: Senhor, nosso Deus, ajuda-nos a reconhecer, sem enganar-nos a nós mesmos, o lugar que tu nos indicaste, o lugar onde deve ser realizada nossa obediência a ti. E dá-nos força e fé suficientes para optarmos pela obediência, quando nos pões prova. Ajuda-nos a reconhecer que a obediência a ti é mais importante que a nossa segurança. Ajuda-nos a saber que tu proveras. Por Jesus Cristo, teu Filho e nosso Salvador. Amém.

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS


 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 3º Domingo na Quaresma
Testamento: Antigo / Livro: Gênesis / Capitulo: 22 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 20304
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