Gálatas 5.1

Prédica

19/10/1994

 

ABERTURA DO 19° CONCILIO GERAL DA IECLB
Cachoeira do Sul (RS), 1994

 

Gálatas 5.1

 

¨Para a liberdade foi que
Cristo nos libertou.
Permanecei, pois, firmes e não
vos submetais de novo a jugo
de escravidão.¨

Prezados conciliares, convidados, hóspedes, prezada comunidade, irmãs e irmãos!

Há textos que fizeram história. Este, da carta aos Gálatas, é um deles. Juntamente com outros semelhantes inspirou incontáveis movimentos libertadores, entre eles a Reforma do século XVI e a teologia latino-americana de nossos dias. Apadrinhou também a declaração dos direitos humanos. Sem querer medir o grau de influência histórica deste texto, constatamos: São fascinantes essas palavras do apóstolo Paulo. Levantam uma bandeira, acendem um fanal, comprometem — sobretudo as Igrejas. Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. O Evangelho é o anúncio de uma ampla e irrestrita abolição de escravatura. Povo cristão é gente livre. Portanto, liberdade é ou deverá ser o distintivo da comunidade de Jesus Cristo, da comunidade evangélica, da comunidade ecumênica. Pergunto: Nós somos o que devemos ser?

Se fizéssemos uma pesquisa entre as pessoas, o resultado provavelmente seria negativo. Nós, livres? De jeito nenhum. Há por demais jugo de escravidão pesando em cima de nós. São obrigações, restrições, dependências. O pequeno agricultor, por exemplo, que nô-lo conte. Sua história é a de um contínuo estrangulamento. Coisa semelhante vale para outros, sim, vale para o Brasil em seu todo, atrelado que está ao jugo da dívida externa impagável, ao mercado internacional, aos ditames de grupos poderosos. Parece não haver outra alternativa a não ser dobrar-se diante de quem dita as regras de jogo. Nós, livres? Não! Muitas forças nos dominam, não por último o medo da violência, da pobreza, do desemprego, da doença, de um futuro incerto. Liberdade — uma ilusão? Um lindo sonho e nada mais? Talvez um privilégio dos poderosos neste nosso mundo?

E continuo questionando: A liberdade, não é ela também uma ameaça? Ela é perigosa. Vejamos! Apregoa-se a liberdade do mercado, e o resultado é terrível desigualdade social. O livre mercado, sem nenhum controle, é desumano, brutal, excludente. Reserva prosperidade apenas para uma elite e joga a grande massa na miséria. Ou então, nós defendemos a liberdade religiosa. E novamente há prejuízos a lamentar. Consistem na divisão das Igrejas, na proliferação de todo tipo de credo, crença, seita, em acirrada concorrência religiosa e numa espantosa confusão na fé. Mais outro exemplo é a liberdade de expressão e de imprensa, um dos elementares direitos democráticos. Que fazer, se a violência, a imoralidade, a propaganda ideológica invadir a mídia? Vamos reintroduzir a censura? E finalmente ainda uma palavra quanto à educação. É surpreendente que jovens criados de forma absolutamente não-diretiva apresentem tão alto grau de agressividade. Hoje acontece que filhos espancam seus pais. E o surto da violência nas escolas assusta os professores. Paradoxalmente, educação omissa em mostrar limites, cria não gente, e sim monstros.

Então, devemos voltar ao autoritarismo? Em toda parte renascem as simpatias por ele — também nas Igrejas. Surgem fundamentalismos de todo tipo: ideológicos, políticos, econômicos, tribais, nacionais. O fundamentalismo é o inimigo mortal da liberdade. Quer implantar a tirania. Por amor de Deus! Não vamos matar de novo a liberdade. Ela é uma necessidade básica do ser humano. Nada pior do que ser confinado numa assim chamada casa de detenção. Ter espaço de movimentação e de decisão autônoma é essencial para a saúde de pessoas, grupos, povos. Sem liberdade não haverá responsabilidade, e a dignidade humana estará ferida. O apóstolo Paulo, nesta carta aos Gaiatas, mostra isso muito bem no exemplo do escravo e do filho. Nós somos filhos e filhas de Deus, livres, portanto, não escravos forçados a cumprir caprichos alheios. Nisto está a nobreza do ser humano, que Deus não o criou como máquina, robô ou coisa. O ser humano é chamado para ser parceiro de Deus. Enquanto na nossa sociedade parece prevalecer o mandamento: Escraviza o teu próximo e tenta explorá-lo ao máximo, Deus não age assim. Concede liberdade à sua criatura e a convida a ser seu sócio.

Claro, existe também o abuso da liberdade. Devemos tomar providências para que a liberdade não se perverta e se transforme em arbítrio. Liberdade humana tem limites, sim! Está proibida de cometer crimes. Precisamos de dispositivos para proteger os membros da sociedade contra a injustiça, a prepotência, a violência. Precisamos da polícia, das forças armadas, do poder judiciário. É um escândalo que em nosso País tanto crime permanece impune. Liberdade abusada exige a penalização.

Mas ela jamais justifica a opção pela escravidão, respectivamente pelo autoritarismo. O que devemos querer e promover é a dignidade, a responsabilidade, o bem-estar do ser humano. E isso tem a liberdade como pré-requisito indispensável. Como comunidade cristã temos aí enorme contribuição a dar. Cito apenas um exemplo: É nosso compromisso evangélico e cristão colaborar para que as crianças tenham amparados seus legítimos direitos, que recebam dos pais o carinho e os cuidados necessários para um desenvolvimento sadio e uma vida normal. Temos o compromisso de ajudar na construção de um estado de direito, em oposição a todos os imperialismos, sejam eles de natureza individual, grupai ou global.

Liberdade, portanto, precisa de freios. Precisa de controle social e democrático. Sim, ela precisa de ainda mais. Precisa de ética. Não é sem razão que ultimamente tanto se fala em ética econômica ou ética política. Sem ética, a sociedade vai para o brejo. Também a liberdade religiosa não pode abrir mão desse princípio, e o mesmo vale para a educação, a ciência, a imprensa, todos os setores da vida. Nem tudo o que é possível fazer é também permitido fazer. Liberdade é salutar e necessária. Torna-se perigosa, entretanto, quando se emancipa da ética e se corrompe em permissividade. É outra lembrança que a Igreja deve às pessoas e à sociedade.

Ainda há um terceiro aspecto a considerar. Talvez seja este o mais típico da liberdade cristã. Em verdade, é ele a premissa de toda liberdade autêntica. O apóstolo Paulo fala da liberdade para a qual Cristo nos libertou. Qual é esta liberdade? É aquela que vemos em Jesus, em seu modo de agir, de falar, em seu modo de ser. Se em alguma época houve alguém livre neste mundo, então foi ele, Jesus de Nazaré. Creu em Deus, e somente nele. Colocou a causa de Deus acima dos próprios interesses. Foi livre para comprometer-se, para amar e renunciar. Temos aí o segredo da liberdade cristã, que é a fé em Deus. Liberdade autêntica precisa da confiança em Deus e do amor ao vizinho, particularmente o vizinho carente.

Portanto, independência é pouco. Liberdade é mais. Quem conseguiu emancipar-se, certamente conquistou algo, mas ainda não foi libertado por Cristo. Autodeterminação é premissa, não sinônimo de liberdade. Esta se torna visível, entre outras, no louvor a Deus, na obediência a seu mandamento, em sensibilidade para o sofrimento humano. Sociedade fria como a nossa, tão egocêntrica e violenta, acusa um grave déficit de autêntica liberdade. Há demais jugo de escravidão no Brasil e no mundo.

Por isto termino, rogando a nosso Senhor que venha para nos libertar. Que compartilhe a sua liberdade conosco, que tire de nós, das Igrejas e da sociedade os jugos que nos fazem sofrer. Rogo que este Concílio, realizado em comunhão com toda a cristandade na terra, documente a liberdade em Cristo e seja testemunha de sua graça. Reconduze, ó Deus, a humanidade dos múltiplos cativeiros, em que se encontra, para a maravilhosa liberdade de teu Reino. Amém.

Tesouro em Vasos de Barro – Prédicas
Editora Otto Kuhr, Blumenau-SC, 1999, p. 119-122
 


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB / Instância Nacional: Concílio
Testamento: Novo / Livro: Gálatas / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 1
Título da publicação: Tesouro em Vasos de Barro / Editora: Editora Otto Kuhr / Ano: 1999
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 37597
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Nenhum pecado merece maior castigo do que o que cometemos contra as crianças, quando não as educamos.
Martim Lutero
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