Gálatas 4.4-7

Prédica

24/12/2012

Prédica sobre Gálatas 4. 4-7
Véspera de Natal, 24 de dezembro

 Irmãs e irmãos em Cristo, querida comunidade.

Não há dados estatísticos sobre a quantidade de vezes que a história de Natal já foi apresentada em forma de jogral, de teatro, de filme, de leitura. Provavelmente nem o melhor estatístico arriscaria fazer um levantamento assim, pois é mais do que certo que ele iria errar no seu resultado. Só hoje à noite, em quantos lugares será que se ouve ou se representa a história de Natal? Também é impossível catalogar as diversas interpretações e tentativas de atualizar a história de Natal. Dois mil anos depois a história de Natal está presente, dois mil anos depois ela guarda um mistério que fascina e desafia. Também as vozes críticas, também as declarações céticas de quem acha que isso nada mais tem a ver com o ser humano moderno e o mundo atual, não podem mudar o fato de o assunto se impor.

As encenações, os filmes e a história recontada em textos geralmente se baseiam nos evangelhos de Lucas e de Mateus. Cenas dos dois evangelhos dão um colorido especial e emprestam movimento à história, pois elas são ricas em detalhes. Temos muito a agradecer a esses dois evangelistas que se deram o trabalho de anotar passagens da história do nascimento da criança em Belém.

No entanto, existem, no Novo Testamento, ainda outras “histórias de Natal”. Uma é do evangelista João: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (João 1.14). Em vez de lembrar a relação de Jesus com a história do povo de Israel, João lembra a criação de tudo o que existe através da palavra falada por Deus, uma palavra cheia de poder. Esta palavra, este poder de Deus – assim o diz João aos seus leitores – assumiu forma humana “como do unigênito do Pai”.

O texto bíblico previsto para hoje à noite também é uma “história de Natal”, mais curta que a de João. Vamos ouvir o que o apóstolo Paulo escreve (leitura do texto). A carta de Paulo foi escrita a uma ou mais comunidades que tinham fortes tensões teológicas. Havia cristãos vindos de outros povos, com tradições diferentes e havia cristãos vindos do judaísmo. Estes últimos pensavam que cristãos deveriam submeter-se ao cumprimento legalista da lei a fim de poder subsistir diante de Deus. Em outras palavras, segundo eles era preciso conquistar o amor de Deus por própria força e dedicação. Entre os não-judeus provavelmente havia outras formas de excluir a graça de Deus: Quantos será que criam em um destino irremediável? Quantos será que pensavam ser melhores do que os outros, uma tentação forte até os nossos dias, tão melhores que Deus deveria tê-los por justos a partir daí? Quantos será que continuavam procurando orientação para a vida nas estrelas, como milhões de pessoas até hoje? Eles se diziam cristãos, eles pertenciam a uma comunidade cristã, mas lá no fundo eles duvidavam do poder de Deus. Uns queriam o cumprimento literal de leis escritas, outros se deixavam hipnotizar por leis não escritas, mas tão fortes como as escritas. Nós sabemos como isso funciona e como é difícil abrir mão de nossas convicções.

O apóstolo Paulo precisa dizer a todas as pessoas nas comunidades, que o amor de Deus é anterior e muito maior do que todos os nossos méritos, maior do que supostos destinos, criador também de céus e terra com seus astros. Vai daí que, na verdade, o ser humano, independente da lei a que se submete e dos costumes que invoca, não consegue conquistar vida nova e salvação. Para que seus leitores e ouvintes – as cartas eram lidas nos cultos – compreendam o que ele quer dizer, ele faz a ousada afirmação: O próprio Deus, em Jesus Cristo, veio ser nosso irmão. As comunidades, os cristãos de todas as origens não são marionetes nas mãos de Deus, mas irmãs e irmãos do Cristo. Com isso começa algo novo e nunca visto, por isso Paulo pode dizer que o tempo da lei e das leis que escravizam passou. Já não é preciso sair em busca de Deus para se justificar, Deus vem ao encontro do ser humano: “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei”. Aqui está o cerne da mensagem de Natal. A criança na manjedoura é Deus entre nós e conosco, que conosco se identifica! Esta vinda de Deus não é apenas uma declaração, como tantas declarações das quais o mundo está cheio, mas ela mexe na vida bem concreta, ela provoca uma mudança radical. “...para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”. Somos família, na qual nos vemos como irmãs e irmãos, o que vai determinar o nosso jeito de nos relacionarmos. Para dizê-lo com apalavras do próprio apóstolo, na mesma carta: “Dessarte, não pode haver nem judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3.28). As leis – escritas e não escritas – que separam as pessoas e as jogam umas contra as outras são relativizadas, se tornam transparentes e permeáveis. Um novo jeito de ser e viver se anuncia e começa a tomar forma, sempre no horizonte da eternidade. É claro, também na novidade de vida o ser humano continua gente, gente teimosa, que volta e meia retorna ao domínio de suas leis e as quer aplicar também aos outros. O apóstolo Paulo sabe disso bem demais. Ele o sente na própria carne, tanto que ele escreve: “...não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço” (Romanos 7.19). Por isso mesmo, Natal não é apenas um ponto fixo no calendário, mas é o começo da novidade de vida. Também esta, porém, não está em nossas mãos apenas. O amor de Deus que se revela na manjedoura caminha junto no desafio de viver essa novidade. Como já o ouvimos, Paulo o expressa assim: “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (v. 6). Pedir pelo Espírito e nele confiar nos dá forças para buscar a novidade de vida na comunhão e na solidariedade com os outros – também com aqueles que são bem diferentes de nós! Finalmente, o apóstolo retoma sua expressão do capítulo anterior: “De sorte que já não és escravo, porém filho e, sendo filho, também herdeiro por Deus”. Ser herdeiro é um enorme privilégio, sabemos isso das relações seculares. Ser herdeiro de Deus e seu reino significa estar envolvido pelo próprio Deus, tendo, assim, a liberdade de usar a vida e todos os dons para o nosso semelhante e suas causas, apesar e contra toda a carga teimosa e egocêntrica que temos.

No início constatamos que o acontecimento do Natal é lembrado e celebrado de tantos jeitos e há tanto tempo, que o melhor estatístico não se atreveria a traduzir isso em números. Uma pergunta que se impõe – e tem toda a razão de ser – é o que efetivamente aconteceu nestes dois milênios. A história de Natal é contada e recontada em prosa e verso, e daí? Não será ela apenas uma encenação perdida no espaço, apenas um momento de entretenimento? Conta-se que, em um pequeno povoado, vivia o dono de uma fábrica de sabão que era muito crítico à igreja e que, onde podia, provocava o pastor e os membros da igreja. Um dia – perto do Natal – ele se encontrou com o pastor e disse: Pastor, fazem dois mil anos que vocês pregam o evangelho, mas o mundo continua mundo e os seus problemas estão aí, à vista. O pastor pensou um pouco e respondeu: Fazem séculos que se fabrica sabão, só o senhor já o fabrica há decênios, mas as pessoas continuam se sujando!

Não resta dúvida de que o Natal deve ser também um momento de confissão de culpa e de admissão do fracasso. Mesmo assim, o rosto do mundo tem traços do amor de Deus pregado e vivido. Há enormes esforços – e também progressos – nas relações entre os povos, há sinais concretos de tolerância e aceitação entre culturas e raças, há sinais de igrejas que se encontram, há sinais de solidariedade para além de todas e quaisquer fronteiras. Se é verdade que temos que confessar a culpa, é verdade também que, a partir do evangelho, se fizeram muitas coisas. Continuamos em dívida, dependemos mais do que nunca do amor de Deus e do Espírito de Seu filho para continuarmos na concretização da novidade de vida anunciada no Natal. Com toda a consciência de nossos erros e fracassos eu ousaria dizer, com uma frase cujo autor esqueci: Prefiro mil vezes um mundo cristão imperfeito a um mundo ateu perfeito. Que o filho de Deus, através de seu Espírito, nos acompanhe na vivência em nosso dia-a-dia, no mundo em que ele nos coloca. Amém.

ORAÇÃO: Obrigado, Senhor, por podermos ouvir de novo que vens a nós no Jesus Menino. Dá que a mensagem não seja apenas uma bela encenação, mas que ela penetre em nossas vidas, para que, em nosso lugar, coloquemos sinais da novidade de vida que tu desejas para a humanidade. Por Cristo, Senhor e Salvador nosso. Amém.

Harald Malschitzky, P.em
São Leopoldo – RS/Brasil
E-mail:harald.malschitzky@terra.com.br
 


Autor(a): Harald Malschitzky
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Natal
Perfil do Domingo: Véspera de Natal
Testamento: Novo / Livro: Gálatas / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 7
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 23294
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É totalmente insuportável que em uma Igreja cristã um queira ser superior aos outros.
Martim Lutero
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