Adeus, gravata e paletó! Tchau, crachá de identificação! Chega de levantar cedo e enfrentar congestionamento de trânsito! Eis o que se passa com milhares de pessoas nestes meses de janeiro e fevereiro. Neste período as cidades sofrem uma mudança populacional. De um lado, as pessoas fogem para o mar, montanhas, sítios e chácaras. Procuram gozar as férias distantes da agitação rotineira ou entram em outra agitação, num outro contexto. De outro lado, algumas cidades também atraem muitos turistas. De qualquer modo há um arrefecimento do ritmo e um aquecimento ao mesmo tempo. O refluxo nós o percebemos na retração que se verifica nas atividades comunitárias.
Toda esta movimentação possui em comum a busca do lazer e do descanso. Todos sabemos e experimentamos que a vida de nossa sociedade está estruturada de uma forma tal que nós nos tornamos apenas pessoas produtoras e consumidoras. Nós nos coisificamos. O ritmo alucinante a que somos submetidos, ou nos submetemos, arrasa-nos psicologicamente. As tensões levam à agressividade e o trabalho demasiado ao esgotamento físico e nervoso. O lazer torna-se, assim, aquela válvula de escape mais do que necessária para descarregar as tensões da agitação do dia-a-dia. O lazer, além de se constituir numa necessidade, torna-se, inclusive, num direito de cada pessoa.
Temos inúmeras possibilidades de lazer na sociedade contemporânea que, aliás, está sendo descrita por alguns estudiosos como uma sociedade do ócio. Como podemos encarar as formas de lazer sob a ótica cristã?
Em primeiro lugar, é impossível elaborar um regulamento que possa listar todas as formas de lazer e servir como norma para a provação e/ou reprovação. Isso, sem dúvida, cria insegurança para muitas pessoas. Existe uma tendência de colocar tudo preto-no-branco. Ou se vê tudo com óculos escuros ou com óculos cor-de-rosa. Ou se nega todo tipo de lazer, de festa, de diversão, etc. ou se aprova tudo sem um mínimo de espírito crítico.
Nós cristãos evangélicos de tradição luterana sugerimos um outro óculos - a liberdade cristã:
Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convém.
Todas as coisas me são lícitas, mas não me deixarei dominar por nenhuma delas.
( I Co 6.12)
Toda forma de lazer que contribui para vivência e expressão desta liberdade e não é fonte de escravidão e dependência de forma alguma pode ser reprovada. Isso quer dizer que podemos celebrar a alegria, mesmo vivendo uma situação em que o trabalho não nos dá prazer. O lazer vivido sob a liberdade cristã nos habilita para uma prática humanizadora do trabalho. Uma prática que liberta as pessoas do peso que ele, muitas vezes, representa.
Agora, toda forma de lazer que é uma forma de fugir, torna-se problemática. Quando simplesmente se quer fazer um escravo feliz, se está fugindo do princípio da liberdade cristã, pois o lazer aprisiona a pessoa a sua situação e não o ajuda a dar a volta por cima. Tudo que não promove a pessoa, tudo o que instrumentaliza as pessoas, torna-se alienante, ou seja, desvia a pessoa de suas reais necessidades, impedindo a sua verdadeira realização.
A comunidade cristã celebra a alegria da presença graça de Deus e está sempre consciente de que esta experiência é parcial. É um aperitivo do Reino de Deus. A alegria proporcionada pelo exercício da liberdade cristã rega todos os espaços de vida. Ela contagia trabalho e lazer. Que possamos nos deixar regar da melhor maneira possível nestas férias de verão pela alegria que provém de Deus mediada pelos meios de lazer e descanso! Que o deleite das férias seja um tira-gosto de nossa suprema esperança: o Reino de Deus!
P. Dr. Rolf Schünemann