Fé, investimento de risco

19/09/2003

Fé, investimento de risco

Ramona Elisabeth Weisheimer*


Mãe é aquela que gosta e cuida da gente e que conta histórias. Assim Wendy, amiga de Peter Pan, explicou para os meninos órfãos da Terra do Nunca, o que é uma mãe. Mãe conta histórias porque gosta daqueles que ouvem. Histórias, parábolas, em geral, são maneiras mais fáceis de ensinar algo que, de outra forma, seria difícil de entender. Amor, fé, confiança, solidariedade são conceitos importantes, mas abstratos, que podem ser apresentados, ensinados dessa forma. Jesus também se valeu muitas vezes de parábolas, pequenas histórias, para fazer os seus, a quem ele amava, pensarem e compreenderem elementos importantes para sua vida de fé. E é num contexto de anúncio da partida, e promessa de retorno, que Jesus conta a parábola dos Dez Talentos (Mt 25.14-30).

Vejamos, um homem foi viajar e, antes de ir, repartiu seus bens entre três servos. O evangelista Mateus não diz nada sobre as instruções dadas aos servos, enquanto Lucas (19.11-27) especifica que eles deverão negociar com o dinheiro. Fica aqui, então, subentendida a tarefa. Que fazer com o dinheiro recebido, confiado? Aquele que recebeu cinco talentos imediatamente os colocou em movimento, conquistando mais cinco. Assim também o que recebera dois talentos pôs mãos à obra granjeando outros dois. E o que recebeu só um? Escondeu o que lhe foi confiado. Não perdeu, não se arriscou, mas também não ganhou nada. Temia a reação do seu senhor, por isso se encolheu. E o que resultou disso? Choro e ranger de dentes.

Esta parábola, como já dissemos, está num contexto de despedida. O Senhor anuncia seu retorno à Parusia, instituição definitiva do Reino de Deus. Ao anúncio da partida, precedem dias de relativo sucesso e mostras do poder de Jesus em Jerusalém - a entrada triunfal e a purificação do templo. Mesmo assim, Jesus deixa claro em seus sermões proféticos que o Reino ainda não se estabeleceu e que muito sofrimento, provação e morte ainda virão. Jesus se ausentará, mas voltará em glória para o ajuste de contas. O que Jesus quer deixar claro para os seus discípulos, através dessa parábola, são as atitudes a serem tomadas durante a sua ausência, quais sejam: vigilância, preparação, dedicação, prática do amor ao próximo.

Voltando ao nosso texto, Jesus se utiliza aqui de um modelo econômico vigente na época. Com a expansão do Império Romano, e a relativa paz vigente, desenvolveu-se um comércio florescente que dava bons lucros a um investidor hábil. E já existiam na época os oikonomoi, servos que administravam os bens dos senhores. Talento era uma moeda corrente que equivalia a 20 Kg de ouro. Portanto, o senhor aqui não era pobre, e confiou a cada servo uma bela quantia, que eles deveriam administrar conforme suas habilidades e ousadia.

Investimento de risco !

Assim foi com Jesus. Ausentou-se mas, antes de partir, deixou com seus servos - discípulos - aquilo que possuía. Não era necessário dizer o que fazer, pois depois de tanto tempo já estava mais que subentendida a tarefa. O talento, moeda, não precisa ser entendido como dom concedido a cada um - como música, pregação, etc. - mas como a fé a nós confiada. Investimento de risco, não?

Bem, como vimos, arriscar não parece ser para todos, principalmente em matéria de fé. Mas impressiona ver quantos de nós cristãos procuramos na religião uma coisa segura, firme, imutável - como caderneta de poupança – em que não se perde, mas também praticamente não se ganha. Não ousam, não se arriscam, pois é mais seguro guardar só para si, enterrar onde ninguém vê nem toca. Só que dinheiro não é semente, que brota e cresce, e fé que se esconde é semente sem chance de florescer.

Eu sei que, à primeira vista, parecem duras as palavras do senhor ao terceiro servo (Mau e negligente servo, sabes que ceifo onde não semeei e junto onde não espalhei; (...) tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que tem os dez talentos (...) Lançai pois o servo inútil nas trevas; ali haverá pranto e ranger de dentes vv. 26, 28, 30). Afinal, recebeu tão pouco, como multiplicar? - Pouco? Um talento era equivalente a mil ciclos, ou mil dias de trabalho! Uma fortuna! Ainda assim temos pena dele, pois perdeu tudo e ainda foi mandado embora. Coitado, só porque teve medo de perder o que lhe foi confiado...
Mas fé, meus amigos, também tem que ser investimento de risco. Não pode ficar guardada. É preciso pôr em movimento.
Qual teria sido a reação do senhor se o terceiro servo tivesse investido e perdido? Tenho para mim que ele lhe diria as mesmas palavras que aos outros: bom e fiel servo. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor (vv. 21 e 23). Por quê? Porque ele teria ao menos tentado. O profeta Elias não sofreu tantos revezes em sua missão, a ponto de desejar a morte? E Amós, o boieiro de Tecoa, não foi expulso do santuário do rei por falar o que Deus lhe mandava dizer? E Paulo, não foi preso e até torturado por ousar levar adiante, aos outros, a sua fé? As comunidades por ele fundadas todas prosperaram e não tiveram qualquer problema? E, contudo Deus jamais abandonou ou expulsou de sua presença aqueles que ao menos tentaram pôr em movimento sua fé. Não sei quantos talentos cada um de nós recebeu. Não importa a quantidade agora, importa sim: vigiar, preparar, dedicar, praticar o amor ao próximo.
Concluo com um poema do bispo luterano indiano Johnson Gnanabaranam,
Deus se orgulha de ti:

Tu repartes teu alimento com um pobre.
Ele te amaldiçoa por não lhe teres dado mais.
Deus te ensina paciência.
Tu repartes teu alimento com um pobre.
Ele é ingrato.
Deus te recompensa.
Tu repartes teu alimento com um pobre.
Ele é indiferente.
Tu te lembras da bondade de Deus,
que também ama os indiferentes.
Tu repartes teu alimento com um pobre.
Ele te agradece.
Tu agradeces a Deus,
por ter te dado a possibilidade de ajudar a outros.
Tu repartes teu alimento com um pobre.
Ele agradece a Deus por tua causa.
Deus se orgulha de ti.
Amém.


 


Autor(a): Ramona Elisabeth Weisheimer
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 21631
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Ó Senhor Deus, o teu amor chega até o céu e a tua fidelidade vai até as nuvens. A tua justiça é firme como as grandes montanhas e os teus julgamentos são profundos como o mar.
Salmo 36.5-6
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