Não nos parece estranho abordar um assunto dessa natureza? Igreja e humor, fé - humor, espiritualidade - humor. Faz sentido refletir sobre estes temas? Não será uma empreitada muito controvertida?
Nas últimas férias, em meio às caminhadas na praia e ao tempo ocioso, espaço para jogar conversa fora, me tenho ocupado, através de leituras, com este tema: fé e humor! Trata-se de um desafio novo à fé, por sinal muito interessante e atual. Que papel ocupa a comédia, a charge, a caricatura cômica, enfim, qual o sentido do humor na Igreja de Jesus Cristo?
Nós, da Igreja de Confissão Luterana, centralizamos a nossa espiritualidade e focalizamos o estudo da Bíblia, de forma destacada, na teologia da cruz. Um dos desafios mais importantes que se espera do pastor e da pastora é que saibam apontar para a ação central de Deus indicando ao sacrifício salvador de Jesus na cruz de Gólgota. Por isto, surgem logo dificuldades quando tentamos tirar lições significativas provenientes do relacionamento entre fé e humor, espiritualidade e atitudes consideradas cômicas, igreja e comédia. Aliás, há muitas pessoas mantendo distância da Instituição-Igreja, por causa da sua seriedade extrema ou por ser muito conservadora e fechada. Outros, ainda, avaliam as lideranças e autoridades eclesiásticas, bem como seus membros engajados, negativamente, em função do seu jeito sisudo e sério de ser e de conviver. O humor libertador fundamentado no evangelho da graça e da misericórdia divina pode ter qualidade destoante no mundo eclesial fechado, onde o riso e as piadas, por vezes, são consideradas um pecado e afronta à fé. O humor quer transformar a realidade, oferece alternativas mais leves e humanas em contraposição a estruturas pesadas e conservadoras. O evangelho da salvação e da grande alegria que o Salvador encarnou interfere e modifica o jeito de vida dos filhos e das filhas de Deus. A realidade do humor traz novos impulsos e aponta para pistas alternativas às pessoas que seguem nos caminhos da esperança. O humor fortalece a esperança dos filhos e das filhas de Deus. Ele encerra um potencial muito grande e é capaz de subverter atitudes e valores da sociedade humana que não trazem a liberdade, antes a escravidão e a opressão. Não vos conformeis com este século (Romanos 12, 2). É poder que desestabiliza mentes humanas endurecidas, por causa da arrogância e das mentes cheias de si e enamoradas do seu poder próprio.
Para o Evangelho, a cruz significou um escândalo, uma contradição aos piedosos da época. Na realidade, a cruz causou uma enorme irritação aos senhores do templo que afirmavam serem os guardas da lei e dos bons costumes. A realidade atual não é diferente! A vivência do humor contém igualmente algo irritante a quem se considera inquestionável. A vinda do Salvador ao mundo é razão maior para uma vida alegre, humana,aberta e agradável. Não será este jeito de convívio um desafio ecumênico, que precisa ser cultivado, sempre mais? O humor, como elemento da fé, tem força para quebrar os poderes absolutos daquelas pessoas que se julgam donas deste mundo, que antes de tudo é propriedade de Deus!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Diosece Informa - 01/2004