Ezequiel 37.1-3,11-14

Auxílio Homilético

13/03/2005

Prédica: Ezequiel 37.1-3,11-14
Leituras: João 11.47-53 e Romanos 8.11-17
Autor: Gottfried Brakemeier
Data Litúrgica: 5º Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 13/03/2005
Proclamar Libertação - Volume: XXX

1. O texto

O profeta Ezequiel descreve, no cap. 37 de seu livro, uma visão fantástica: é conduzido pelo Espírito divino a um vale coberto de ossos ressequidos. Abre-se perante seus olhos um grande cemitério aberto, símbolo inexorável da transitoriedade humana. Por acaso, poderão esses ossos voltar a viver? Assim pergunta Deus ao profeta. Ao que este responde: “Senhor Deus, tu o sabes” (v. 1-3). A seguir, Deus manda pregar aos ossos e dar-lhes a ordem de se recompor. E a carne cresceu de novo e os corpos se reconstituíram. Quando, finalmente, o Espírito chega dos quatro ventos e assopra sobre os mortos (cf. Gn 2.7), estes se levantam e a vida retorna (v. 4-10). Assim há de acontecer com Israel: Deus vai abrir as sepulturas em que o povo se encontra lançado, vai libertá-lo dos cativeiros e reconduzi-lo à terra de origem. Mais: Deus vai pôr nele o Espírito para viver de verdade. 

O texto previsto para a prédica, já diversas vezes tratado nesta série de Auxílios Homiléticos (PL XV, 193; XVII, 103; XXIV, 117), exclui os v. 4-10. Isto não é prejuízo, uma vez que a promessa da ressurreição da ossada consta no v. 12. Os v. 1-3 descrevem a visão, os v. 11-14 oferecem a interpretação. Ressurreição é o que vai acontecer com o povo de Israel, metido em cativeiro longe da pátria, na Babilônia. Os exilados recebem a promessa da “repatriação”, de um novo início, para voltar a viver como povo de seu Deus. A promessa dirige-se a gente desesperada, dizendo: “Os nossos ossos se secaram e sucumbiu a nossa esperança; estamos de todo exterminados” (v. 11). É a isto que o profeta reage. A lamentação fornece as imagens da profecia. Os sepulcros vão se abrir e devolver a vida.

2. Destaques

a) Na época de Ezequiel, no início do século VI antes de Cristo, a esperança na ressurreição dos mortos ainda não fazia parte do credo israelita. Mesmo assim, a idéia como tal não era desconhecida. Caso contrário, o profeta não poderia ter lançado mão dela. Ele a usa em sentido simbólico, como ilustração do resgate de um povo. Mas a renovação será muito real. Quem espera de Javé milagre semelhante não está distante da fé na ressurreição apregoada por Daniel (cap. 12), pelo apocalipsismo judaico e, sobretudo, pelo Novo Testamento. A fé na ressurreição dos mortos nasce, quase que forçosamente, da confiança em Deus. Seria a morte mais poderosa? Fé autêntica não pode conceder-lhe a onipotência. 

b) Tal fé está em evidência também em Ezequiel. Perguntado se julga possível a revitalização de ossos, ele é cuidadoso. Não diz sim nem não. A resposta positiva iria conflitar com a experiência do cotidiano, enquanto a resposta negativa seria equivalente a um prejulgamento das potencialidades de Deus. Iria limitá-las ao tamanho humano e sinalizar descrença. Ezequiel deixa o assunto aos cuidados de Deus. E este não o deixa na dúvida. Mostra ser capaz de recriar o que está morto. A afirmação da morte como estação final da vida ofende Deus. Declara ser a morte, não Deus, o alfa e o ômega (Ap 1.8), o horizonte de todas as coisas. Isto destoa da fé de Israel, que, em sua história, aprendeu que Deus também é o Senhor da sheol, do mundo dos mortos (cf. Sl 49.16; etc.). Não há espaço inacessível para Deus, excluído de seu “reino”.

c) Já a essas alturas está claro que “ressurreição” não deve ser confundida com o simples reavivamento de cadáveres. Embora Ezequiel descreva a ressurreição em termos maciços como revestimento dos ossos com os demais componentes do corpo, ele sabe ser necessário um ato criador. Ressurreição não é “remontagem” de um organismo com as peças originais. É “renovação”. Sublinha-o o Novo Testamento mediante o testemunho do Cristo ressurreto. Da ressurreição nasce um novo ser, um “corpo espiritual” (1 Co 15.35s), diferente do primeiro, nova criatura, não mais sujeita ao domínio da morte. Em Ezequiel, temos indícios nessa direção. Isso porque ele trabalha com as categorias do Deus criador, que não conserta, e sim renova. 

d) A recondução do povo de Israel à terra prometida e sua renovação espiritual não são exatamente prefiguração da ressurreição no fim dos tempos. Não é Páscoa em sentido pleno. Em termos escatológicos, ressurreição não tem analogia. Mas tem precedentes, vestígios precursores, antecipações históricas. Sempre que acontece real renovação, novidade escatológica se anuncia. Por isso Ezequiel pode prenunciar ressurreição ao povo desesperado no exílio. Por isso o apóstolo Paulo diz ser nova criatura quem está em Cristo (2 Co 5.14). “Novidade” não é ilusão, e sim realidade, onde o Espírito sopra. A ressurreição futura projeta-se no presente em sinais de renovação, libertação, nova vida. 

e) É do que fala o texto paralelo de Rm 8,11-17. O Espírito de Deus inaugura nova existência em meio às condições precárias deste mundo. É bem verdade que o mundo oferece resistência à obra renovadora do Espírito. Disto lembra o trecho Jo 11.47-53. Jesus sofre perseguição e acaba crucificado. Mesmo assim, nem Páscoa tampouco Pentecoste podem ser impedidos. Acontecem a despeito das forças de oposição a Deus. Aliás, sem novo Espírito toda renovação fica a meio caminho. No texto de Ezequiel, os corpos, mesmo reconstituídos, não se levantam enquanto não “inspirados” pelo “vento” de Deus. Sem o Espírito Santo pode haver muita transformação, mas não real renovação.

3. Pistas para a prédica

Dada a importância do Espírito como força vivificadora e renovadora da realidade, o presente texto, às vezes, tem servido de base para a prédica no dia de Pentecoste. Mas também o quinto domingo da Quaresma é ótima oportunidade. Estamos no limiar da Sexta-feira Santa e da Páscoa. O texto dirige os olhares para esses marcos fundamentais da fé cristã, nem mesmo excluindo Pentecoste do horizonte. O capítulo 37 de Ezequiel manda pregar “ressurreição”. Mas isto antes (!) da Páscoa. Desdobraremos as implicações: 

a) Ressurreição em sentido pleno tem por premissa a superação da morte. É no que o apóstolo Paulo insiste em 1 Co 15. Ressurreição vence não somente “crises”, “fracassos”, “emergências”, tempestades, “blecautes” temporários. Ela resgata do não-ser, da aniquilação, do “apagão total”, tendo na ressurreição de Jesus o parâmetro. Sob tal ótica, Ezequiel não prega real ressurreição. Ele não tem em vista o triunfo definitivo sobre a morte. É preciso não confundir. Ezequiel ainda não sabe da Páscoa. 

b) E, no entanto, está muito próximo dela. Pois o Deus que resgata Israel da ruína não pode ser outro senão aquele que chama à existência as coisas que não existem (Rm 4.17). A promessa de que Ezequiel é porta-voz tem por conteúdo uma das manifestações precursoras da Páscoa. O reinício por ele anunciado pertence aos “vestígios da ressurreição” que Deus opera mesmo antes do final da história. E é isto o que deveria ser conteúdo da prédica no quinto domingo da Quaresma, a saber, as “primícias” da Páscoa, sua prefiguração em “renovações históricas”. 

c) Sugerimos, pois, colocar a prédica sob o tema “prelúdios da ressurreição”. Isto permite fazer jus ao contexto histórico de Ezequiel e à promessa concreta que articula. Mas não há por que ficar preso à história passada. Pois “as primícias da Páscoa” são abundantes. Sempre que houver autêntica “renovação”, seja de pessoas, grupos ou instituições, estamos autorizados a falar de ressurreição. Algo da perfeição por vir se antecipa. “Velhos ossos” são transformados em “corpos vivos”, sucata volta a ser reciclada, nova arrancada inspira esperança. Necessitamos urgentemente de tais “ressurreições”! Reforma, libertação, reconciliação fazem-se necessárias em toda a parte. Um novo Espírito terá que tomar conta e promover justiça, paz e cuidado com o meio ambiente. 

d) As pessoas costumam resistir à renovação. Obstaculizam o agir renovador de Deus, recusam a penitência, crucificam Jesus. A Sexta-feira Santa é a demonstração hedionda da oposição do “velho mundo” ao novo. O pecado resiste à renovação. Não quer a reforma por julgar que poderá ferir “direitos adquiridos”. O mundo não quer a Páscoa. Prefere continuar em seu cativeiro. Será que os exilados na Babilônia pensavam da mesma forma? Transformação renovadora deve preparar-se para enfrentar oposição. 

e) Ela vai acontecer, não obstante. Graças a Deus! A morte não terá a última palavra. Já agora o triunfo de Deus se anuncia. A prédica deverá dar especial atenção às “ressurreições precursoras”. E, no entanto, importa não nivelar a diferença entre as “primícias” e a “colheita”, entre o penúltimo e o último (D. Bonhoeffer), o provisório e o definitivo, entre as “ressurreições hoje” e a ressurreição no fim dos tempos. Sem a aniquilação da morte, as ressurreições precursoras ficam prejudicadas. Nós vivemos da fé em Deus, que exclui a fé na morte. Por isso mesmo podemos, desde já, celebrar as vitórias temporais de Deus e nos engajar na renovação deste mundo pela força do Espírito.

4. Subsídios liturgicos

Confissão de pecados: Senhor, perdoa-nos o comodismo. Sabemos que muitas coisas entre nós deveriam ser diferentes. Há injustiça, falta de amor, violência. Estamos por demais conformados com o mal. Desperta-nos para a nossa missão de aliviar as dores, de anunciar a tua vontade e de contribuir para a cura dos males na sociedade. Senhor, tem compaixão.

Oração de coleta: Senhor, nosso Deus! Tu não tens necessidade de nós. Mas nós temos necessidade de ti. Precisamos de teu auxílio para vencer as dificuldades, de teu amparo nas ameaças, de teu Espírito para nos conduzir pela estrada da vida. Agradecemos pelo amor manifesto em Jesus Cristo. Por ele sabemos que seguras a mão de quem confia em ti. Acompanha-nos também nesta semana, concedendo-nos a tua bênção e a tua paz. Amém.

Oração de intercessão: Senhor, trazemos diante de ti as dores deste mundo. Escuta-lhe os clamores. Rogamos pelas vítimas da violência, da injustiça, da ganância. Lembramos as pessoas doentes, portadoras de deficiências, solitárias. Intercedemos por quem carrega responsabilidade em nosso município, país e mundo. Todos de uma ou de outra forma necessitam de tua ajuda e de tua orientação. Concede com que a tua igreja cumpra seu mandato de ser sal da terra e luz do mundo. Tu lhe reservaste o privilégio de ser serva de teu amor e mensageira de tua palavra. Nós precisamos de ressurreição, de renovação, de novidade de vida, seja na política, na economia ou em qualquer outra esfera. Cumpre os nossos anseios, vem e renova todas as coisas. Amém.

 

 


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 5º Domingo na Quaresma
Testamento: Antigo / Livro: Ezequiel / Capitulo: 37 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2004 / Volume: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 20090
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O ponto principal do Evangelho, o seu fundamento, é que, antes de tomares Cristo como exemplo, o acolhas e o reconheças como presente que foi dado a ti, pessoalmente, por Deus.
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