Ezequiel 18.1-4,25-32

Auxílio Homilético

01/10/2017

 

Prédica: Ezequiel 18.1-4,25-32
Leituras: Mateus 21.23-32 e Filipenses 2.1-13
Autoria:  Antonio Carlos Ribeiro
Data Litúrgica: 17º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação:  01/10/2017
Proclamar Libertação - Volume: XLI

Do lamento infrutífero à decisão de avançar

1. Introdução

A instabilização que pareceu tomar conta da sociedade brasileira nos últimos dois anos – do período pós-eleitoral à efetivação da tomada do poder –, movida por um conjunto de fatores, repete o mesmo alarido dos anos 1950, 1960 e, após o período de desenvolvimento da década e meia do novo século, volta a rondar os destinos de duas centenas de milhões de brasileiros, promovida pelas mesmas elites ensimesmadas, autodenominadas detentoras dos destinos dos brasileiros, sem projeto político e condenadas ao mecanismo das situações anteriores.

A reação popular parece seguir rumos como os de outrora: não atribui credibilidade aos agentes, ridiculariza os métodos, denuncia a incapacidade de golpistas vencerem no pleito aberto, aponta o leque de ilegalidades, assiste à entrada ilimitada de dólares, divulga os nomes das lideranças nacionais descompromissadas, vê o interino amargar o silêncio dos governos regionais, assusta-se com o envolvimento dos poderes republicanos e desespera-se com a sanha insaciável de depredação do patrimônio público para todos os lados. Sem intervenção da Justiça!

A força da tomada ilegal do poder vem do país que sonha em voltar a controlar a economia brasileira, dos diversos brasileiros que atuam como agentes do Estado e da sociedade e dos poderes republicanos acovardados, enquanto as empresas que foram recuperadas para garantir a soberania começam a ser vendidas a preço de banana. Os criminosos que as vendem já estão ricos e com dinheiro em paraísos fiscais.

Esse conjunto de fragmentos da realidade brasileira propicia-nos elementos para ler os textos deste domingo e refletir sobre a mensagem divina para quem luta para resistir ao saque. O Evangelho de Mateus mostra a situação de Jesus diante dos dois discípulos que vêm pedir regalias e privilégios. Apesar de insólita, a narrativa mostra a postura de quem se mostra inteiramente cego diante da realidade. A situação é de miséria, exploração da pobreza, escravização de homens e jovens e prostituição de mulheres para pagar dívidas, e aparecem os que não enxergam a realidade e propõem-se a ocupar lugar de destaque e lucrar com privilégios.

Além da rejeição do restante do grupo, os discípulos afoitos querem argu- mentar a partir dos limites mundanos em que se movem. Jesus precisa chamá-los à razão, usando a realidade que parecem não enxergar.

Os governadores dos povos os dominam e (...) os maiorais exercem autoridade sobre eles (...) Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mt 21.25-28).

O segundo texto da leitura deste domingo vem da carta paulina aos cris- tãos de Filipos, a cidade em que o apóstolo aos gentios ficou preso, houve um terremoto e o comandante pensou em suicidar-se ao imaginar que prisioneiros romanos sob sua custódia tinham fugido. Paulo aliviou-o dizendo que todos os prisioneiros estavam lá. Após o susto, ele e sua família converteram-se à fé cristã. À comunidade surgida dessa experiência Paulo escreve pedindo que tenha “o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”, que “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz” (Fp 2.5-8).

Do profeta Ezequiel vem o terceiro texto, que trata da responsabilidade diante dos erros cometidos. O mote era o ditado corrente: “Os pais comeram uvas verdes, mas foram os dentes dos filhos que ficaram ásperos”. A exigência de responder pelos erros não tinha sentido apenas pessoal, mas também social e comunitário. As grandes falhas não são erros apenas de cidadãos, mas do conjunto da cidadania. E Ezequiel não era apenas o sacerdote que se tornou profeta, em quem o zelo pelo rebanho que lhe foi confiado tinha a mesma intensidade do zelo pela palavra divina, que lhe exige doação e entrega, mas também de quem não teme balizar caminhos para seu povo, mas insiste em respostas claras, já que em meio ao caos reinante as perspectivas não ficam claras e nem as conclusões são simples.

A intensidade do profeta Ezequiel coloca-o em relações de muito comprometimento com Deus e sua gente. Olhar aguçado e capacidade de análise reflexiva abrangente fazem de Ezequiel um homem tenso e intenso. Tempos difíceis exigem pessoas firmes e consistentes, com pouca margem de manobra – que têm uma noção a mais aproximada possível da realidade e pouco tempo para colocar projetos em andamento – e determinação para fincar estacas e começar o empreendimento. No caso, aprofundar o entendimento e encontrar tempo para anunciá-lo.

A luta para deter e evitar maiores estragos de quem tenta nos controlar e os cleptomaníacos que só chegam ao poder pelo golpe apenas começou. A julgar pelo pífio governo – que não tem confiança sequer do aliado externo –, seu nível de inteligência está embotada pela ganância de lucro, pela visão política equivocada e pela simples estupidez. Como lembrou Edgar Morin: “A capacidade e disposição de resistir estão nas forças de cooperação, compreensão, amizade, comunidade e amor, com a condição de que estejam acompanhadas de perspicácia e inteligência, cuja ausência pode favorecer as forças da crueldade... São essas forças débeis que nos permitem crer na vida e é a vida que nos permite crer nessas forças débeis”.

2. Exegese

A principal perícope deste domingo é Ezequiel 18.1-4,25-32, que trata da situação dos deportados para a Babilônia – já que, além dessa tragédia, tinham ainda seus próprios problemas espirituais, implicando culpa, e como lidar com seus efeitos, especialmente em gerações que nada tinham a ver com os fatos vividos por seus pais.

Essa é a razão pela qual os versículos 5-18 do texto em tela são fundamentais para o entendimento do conflito e da consequente revolta para quem tem que lidar com as situações inóspitas da diáspora. A exegese constata que o problema fica potencializado diante do sofrimento do exílio, levando o povo a lamentar a atuação de Yahweh, desenvolvendo uma revolta com sua situação diante de Deus. Além dos que visivelmente sofrem com essa situação, há os que tentam mitigar essa insatisfação e seus efeitos psicológicos com uma atitude de cinismo. A insatisfação e a falta de perspectivas transformam-se em ressentimento (Ez 33.10- 20), enquanto o povo sofre com o problema de outrora, agora deslocado pelo exílio.

Se o indivíduo está ligado à família, ao clã e à comunidade, ainda assim não consegue lidar com uma corresponsabilidade mútua, especialmente ao pensar na família e no mal-estar que atravessa gerações. A frase “Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram” é o desacato a seu Deus, sem lidar com as culpas de gerações anteriores. Parece não haver o esforço para assumir uma corresponsabilidade mútua para lidar com a culpa das pessoas através das gerações.

Ainda assim, devem ter entendido o sinal de quando são questionados pelo próprio Senhor, como em: “Convertei-vos e vivei! Convertei-vos e desviai-vos de todas as vossas transgressões; e a iniquidade não vos servirá de tropeço. Lançai de vós todas as vossas transgressões com que transgredistes e criai em vós coração novo e espírito novo; pois, por que morreríeis, ó casa de Israel? Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus. Portanto, convertei-vos e vivei” (v. 30-32).

A proposta divina é mais abrangente do que as lamúrias, apresenta caminhos claros como “desviar-se das transgressões”, para que não tropecem na ini- quidade, e dispor-se a criar em si mesmo um coração novo e espírito novo, sem deixar de perguntar o que ganhariam com a própria morte, lembrando que não há prazer na morte de ninguém.

A versão moderna do referido texto deixa claro, para os que estão no exílio, que não mais repetiriam esse ditado em Israel. Além disso, fica mais decisiva na versão moderna: “Escutem aqui, israelitas! Vocês pensam que o meu modo de fazer as coisas não está certo? Pois o modo de vocês é que não está” (Ez 18.25). A promessa mais abrangente e imediata é que “quando um homem mau para de pecar e faz o que é certo e bom, ele salvou a sua vida” (v. 27).

E conclui com um apelo dramático: “Agora, eu, o SENHOR Deus, estou dizendo a vocês, israelitas, que vou julgar cada um pelo que tem feito. Arrependam-se de todo mal que estão praticando e não deixem que os seus pecados os destruam” (v. 30).

3. Meditação

A atuação de Yahweh não se concentra no passado, para o qual as pessoas olham com uma mágoa inútil, mas se dirige ao futuro, em que a esperança pode tornar-se uma forte aliada.

Não há como voltar ao passado, enredado numa conjuntura histórica que não se abre e nem oferece possibilidades de interferência. Só é possível agir de forma responsável sobre o presente com perspectivas para o futuro.

O presente ainda é uma realidade aberta, enquanto o passado fechado nada possibilita nem disponibiliza e consequentemente só pode oferecer elementos que ajudem a entender sua constituição ou jogar luz sobre atualidades que só podem ser explicadas a partir dele.

Esse é o caminho trilhado por quem não tem para onde avançar por ter antecipadamente escolhido o caminho errado. Essa é a estrutura da qual lançam a acusação de injustiça no agir divino, que reage indagando se o projeto equivocado não é dos israelitas.

Se até mesmo uma pessoa justa se afasta da justiça para praticar o mal e morre em consequência disso, vai morrer por causa do mal que praticou. Por outro lado, se se dispõe a afastar-se dos erros cometidos e começa a praticar o direito e a justiça, terá nova chance de viver.

Assim, o convite à conversão está baseado na promessa de que ele julgará cada um segundo a sua maneira de agir; que devem converter-se e afastar-se dos pecados, rejeitando todos os pecados e criando um coração novo e um espírito novo.

4. Imagens para a prédica

Para refletir sobre o equilíbrio para lidar com o crime:

O bêbado e a equilibrista
Elis Regina

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos.
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel.

E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas.
Que sufoco!
Louco!

O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil.
Meu Brasil!

Que sonha com a volta do irmão do Henfil,
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete.
Chora
A nossa Pátria mãe gentil.
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil.

Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente.
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar.

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar.
 

5. Subsídios litúrgicos

Saudação

Estimada comunidade, neste 17º Domingo após Pentecostes, queremos renovar nossa confiança no Espírito, que não nos abandona numa mágoa inútil, mas nos anima diante do futuro.

Não queremos nos esquecer dos grupos que controlaram nossa sociedade por séculos, amealhando nossas riquezas para construir as próprias fortunas com o fruto do trabalho dos brasileiros.

Ajuda-nos a recobrar nossa articulação para lutar por governos justos e bons, por um Parlamento que legisle para a riqueza dos filhos deste país e por uma Justiça que cumpra o papel que lhe foi confiado por nosso povo.

Que o Senhor nos liberte de espíritos maus, amplie os horizontes do nosso povo e restitua-nos a serenidade para tomar decisões. Que mantenhamos a ousadia, o amor e a leitura dos sinais dos tempos. Para que possamos assumir a tarefa que nos confias, pedimos.

Confissão e lamento pelos pecados

Pelas vezes que deixamos de lado as pessoas críveis e ficamos ao lado das pessoas incríveis, perdão, Senhor!
Por termos falhado no anúncio da salvação, perdão, Senhor!
Por nos esquecermos de tua reconstrução, sempre nos renovando como cidadãos e país, pedimos perdão, Senhor!
Para superar as relutâncias no modo de denunciar, anunciar e atuar pela tua salvação, perdão, Senhor!
Ajuda-nos a construir possibilidades de assumir riscos e viver desse modo, pedimos:
Tem piedade de nós, Senhor!

Oração do dia

Queremos ser pecadores arrependidos e não santos blasfemadores.
Vem ao nosso encontro e nos chame à vida de comunhão.
Para sermos libertados para a vida de compromisso, amor e dignidade para todos.
Ajuda-nos a assumir tarefas e responsabilidades sem buscar nosso próprio interesse ou de nossa comunidade.
Na tua esperança, clamamos. Amém! 

Bibliografia

BERNHARD, Rui. Ezequiel 18.1-4,21-24,30-32. 3º Domingo após Trindade. Proclamar Libertação. v. 9. São Leopoldo: Sinodal, 1984.
THE BIBLE AUTHORIZED KING JAMES VERSION. Introduction and Notes by Robert Carroll and Sthephen Prickett. Oxford: Oxford University Press, 2008.


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Autor(a): Antonio Carlos Ribeiro
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Tempo Comum
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 17º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Ezequiel / Capitulo: 18 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 32
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2016 / Volume: 41
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 45498
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Dêem graças a Deus, o Senhor, porque Ele é bom e porque o seu amor dura para sempre.
Salmo 118.1
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