Estudo de Texto para Bênção Matrimonial - Gênesis 2.21-25

08/02/1988

ESTUDO DE TEXTO PARA BÊNÇÃO MATRIMONIAL

Gênesis 2.21-25

Valdemar Lückemeyer

I - Observações introdutórias

A nossa perícope deve ser lida e interpretada no contexto maior em que ela se encontra, ou seja, a partir:

a) do relato da criação do Javista (Gn 2.4-25)

b) da proto-história do Javista (Gn 2.4-11.32)

c) da fé de Israel a respeito da criação (Gn 1 e 2, Salmos)

d) das diversas concepções na antiguidade a respeito da criação.

No relato da criação do Javista a criação da pessoa humana toma um lugar extenso e expressivo. Tudo o mais que Javé cria está ligado ou em função da criatura humana numa relação harmoniosa e muito estreita. (Se hoje a criatura experimenta o mundo e toda criação de forma diferente, isto é, agressiva e conflitante, deve ficar claro que isto não é da vontade do Criador.)

Alguns aspectos são marcantes neste relato da criação: a criação do homem a partir do barro/terra — que evidencia a sua relação com a terra, por um lado, e a sua transitoriedade/fragilidade, por outro lado; a sociabilidade e o desejo de convívio tanto entre criatura humana, quanto entre animais e também entre os dois; a totalidade da criatura acontece com a criação dos dois parceiros, homem e mulher. Juntos formam a criatura humana que Javé criou.

É importante lembrar que a nossa perícope está no início da proto-história do Javista, que se estende até Gn 11. Ela é uma parte deste grande bloco formado por textos independentes que mostram a compreensão antropológica do Javista: a pessoa sempre está entre obediência e desobediência, entre Deus e culpa.

É o Povo de Israel querendo saber a respeito da sua origem e da finalidade da existência, da relação da criatura humana com o meio ambiente, da existência do bem e do mal.

Javé é o Deus que os acompanhou (Êxodo, Sinai e Tomada da Terra) e também é o Deus Criador não apenas do Povo e da história de Israel, mas de todo o universo.

Esta fé no Deus Criador não é algo exclusivo de Israel. Outros povos antigos também conhecem e têm relatos e mitos a respeito da criação — especialmente o que se refere à criação da pessoa.

II — Observações exegéticas

V. 21 — O pesado sono, algo como um sono mágico, mostra que o homem não tem participação na criação de Javé. Ele cria e não permite que alguém participe ou veja a sua maravilhosa arte de fazer, de criar. Quando Javé cria, ele está só.

V. 22 — Toda a narrativa, mas especialmente o v. 22 tem um cunho forte de etiologia, que quer responder à pergunta: de onde e como surgiu a pessoa, no caso aqui, a mulher. Não é possível dogmatizar a criação a partir da costela e também não e necessário destruir o aspecto mítico do relato: quem sabe, a criação da mulher a partir da costela quer destacar, etiologicamente, o relacionamento entre homem e mulher: devem estar lado a lado, assim como foram criados, e eles se complementam quando se encontram juntos, lado a lado, à mesma altura.

V. 23 — Javé, semelhante a um apresentador de noiva, traz a noiva ao noivo. O homem a reconhece como alguém que faz parte dele, alguém que é uma parte dele. Por isso ela é 'ISHA (= varoa, mulher) uma vez que ele é 'ISH (= varão, homem).

V. 24 — Este versículo é um resumo e conclusão do autor diante do que foi dito antes. Agora não é mais a criatura, o homem, que fala cf. v. 23, mas é o autor que conclui, porque existe uma atração forte entre homem e mulher e porque eles se unem. A conclusão do autor, ou seja, a sua tentativa de responder a isso, é apontar para Deus Criador: ele criou/tomou a mulher do homem e por isso eles precisam unir-se novamente.

Chama a atenção a afirmação de que o homem deixa pai e mãe justamente dentro dessa sociedade patriarcal do AT, onde a mulher abandonava a casa paterna. Será que há indícios de uma outra cultura por trás desta afirmação?

V. 25 — O versículo serve para encaminhar o novo assunto; ele é a ponte entre o que foi dito e o que será dito. Interessante é que a vergonha evidencia um relacionamento perturbado e harmonia quebrada. Enquanto que não há culpa (= pecado), também não há sentimento de vergonha.

III — Destaques para a alocução

Tomando por base toda a perícope, mas dando destaque e enfoque especial no v. 24, é possível trabalhar alguns aspectos na alocução para a bênção matrimonial:

— O texto acentua a necessidade de convívio para o ser humano (não só para o homem!). A criatura humana é um ser social, também a partir do ponto de vista da fé bíblica e não só da sociologia. É inerente à pessoa o desejo de conviver. Entre homem/mulher essa condição natural se expressa também no desejo de conviver física e psiquicamente (EROS, FILIA e ÁGAPE), Ali onde homem e mulher vivem juntos e um para o outro, é possível que os dois se tornem uma só carne (uma clara menção ao relacionamento sexual e aos filhos oriundos desse relacionamento).

— A nossa perícope não fundamenta a monogamia, apenas deixa claro que o desejo de conviver e de se entregar totalmente ao/à companheiro(a) = cônjuge, é natural e bom, pois faz parte da criação de Deus. A sexualidade, pois, faz parte do matrimônio, de forma bem natural. E esta sexualidade é boa e bonita, enquanto não houver relacionamento perturbado.

— A relação e o convívio entre homem e mulher alcançam seu ideal, quando a disposição de ajudar o outro, de viver para o outro, está presente e acompanha o matrimônio. Em Gn 2.30 lemos que Javé ainda não havia encontrado uma auxiliadora, uma companheira para o homem. A criação do homem ainda não havia sido concluída, pois este se ressentia de uma auxiliadora/companheira.

— O cônjuge (o companheiro ou a companheira, o marido ou a esposa) é dádiva de Deus, o Criador, em cuja vontade também se fundamenta o matrimônio. Por isso, a vida matrimonial pode contar com a bênção de Deus.

IV — Bibliografia

-RAD, Gerhard von. Das erste Buch Mose, Kap. 1-12,9. In: Das Alte Testament Deutsch, v. 2. Gõttingen, 1961.
-WESTERMANN, Claus. Schöpfung. In: Themen der Theologie, v. 12. Stuttgart, 1971.
-WOLF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo. Loyola, 1975.
-ZIMMERLI, Walther. Die Weltlichkeit des Alten Testaments.Gõl-tingen, 1971. (Kleine Vandenhoeck-Reihe).


Proclamar Libertação – Suplemento 2
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Valdemar Lückemeyer
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1988 / Volume: Suplemento 2
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7318
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