O Crucificado nos une | 1 Coríntios 1.10-18

3º Domingo após Epifania | Série de Pregações: Epifania: quem é o menino que nasceu em Belém? | 3ª Pregação

13/12/2022

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

estamos em nossa caminhada pela série de pregações chamada “Epifania: quem é o menino que nasceu em Belém?” Conforme formos avançando, descobriremos tanto sobre Jesus ao ponto de experimentarmos verdadeiras transformações em nossas vidas. E hoje, diante de tantas divisões na nossa sociedade, Jesus se mostra de um jeito único!

Ouvimos anteriormente a leitura de 1 Coríntios 1.10-18. Se o apóstolo Paulo falou estas palavras a uma comunidade que estava profundamente dividida em sua época, o que ele diria à nossa igreja e sociedade atuais? Vivemos hoje ainda uma grande época de polarização, divisão e discórdia. As redes sociais amplificaram muito essa divisão, pois os algoritmos das redes sociais nos seduzem a permanecermos mais tempo nas plataformas – para que seus donos ganhem mais dinheiro – enviando à nossa linha do tempo tudo o que defendemos e amamos. Assim, vamos sendo cada vez mais distanciados de ideias diferentes e sendo alimentados cada vez mais nas nossas “verdades” pessoais. Desta forma, estamos tão possessos dos nossos “conjuntos de ideias” que não sobra espaço algum para o diálogo, compreensão e compaixão.

Sem contar a questão da violência que não é apenas física, pode der também ser verbal. Por alguém pensar, torcer ou votar de um jeito diferente, acredita-se então que aquela pessoa pode ser humilhada, excluída, cancelada, violentada, diminuída... Talvez até morta! E não são poucas as pessoas que têm recebido até ameaça de morte apenas porque defendem ideias opostas às de outras pessoas.

A Democracia Moderna é uma herança da Reforma Protestante do Séc. XVI. A Democracia pressupõe ideias diferentes, desde que respeitem a Constituição e que não peçam nada que vá contra a Constituição. Sim. Também a Liberdade de Expressão tem limites. Não se pode falar o que se quer! Não se pode ir contra a Constituição.

Em meio ao momento em que vivemos, temos a tendência de nos aproximarmos dos que pensam igual ou parecido e de nos distanciarmos dos que pensam diferente. Também nas mídias isso acontece: “se eu apoio a pessoa A, então eu só vou ver um determinado canal de notícias; dos outros, falarei apenas mal, mesmo que só esteja vendo recortes fora de contexto que me enviam pelo Whatsapp; se eu apoio a pessoa B, acontece a mesma coisa, mas de maneira inversa. Se eu não apoio ninguém, pior ainda, pois tentarão me encaixar em suas caixinhas e, alguns dirão que por não apoiar a pessoa A, então é porque só posso estar apoiando a pessoa B, ou que por não apoiar a pessoa B, só pode ser porque estaria apoiando a pessoa A”. Esta é a dura realidade em que vivemos. E nossa tarefa como cristãos não é apoiar o ódio, a violência e a divisão, mas a paz, a justiça e o amor. É o que Jesus faria e faz por meio da sua Igreja que é o seu Corpo na terra.

O mundo greco-romano em que estava situada Corinto era caracterizado por várias escolas que se formavam em torno dos filósofos1. Era normal naquela “grande sopa cultural” que as pessoas escolhessem as ideias a que queriam seguir e passassem, então, a pertencer a uma determinada escola que não fazia outra coisa senão ensinar mais sobre aquele pensador.

Acontece que o Evangelho entrou na cidade de Corinto. Na cidade, foi dado o testemunho de Cristo: sua vida, morte e ressurreição. Passaram por ali cristãos notáveis que deram seu testemunho sobre as suas vidas pessoais com Jesus Cristo. E o que aconteceu? Ao invés dos coríntios seguirem a Cristo, quiseram criar escolas de pensamento a partir daqueles que davam o testemunho. Sim. As testemunhas de Cristo foram tornadas mais importantes que o próprio testemunho de Cristo. Assim nos diz o texto bíblico: ““Eu sou de Paulo”, “Eu sou de Apolo”, “Eu sou de Cefas”, “Eu sou de Cristo”. (1 Coríntios 1.12). Cada um queria defender alguém. Todos queriam seguir alguém. E nessa bagunça horrível, o próprio Cristo, de Senhor, foi rebaixado a ser “apenas mais um” entre tantos outros.

Por isso, Paulo pergunta categoricamente: “Será que Cristo está dividido? Será que Paulo foi crucificado por vocês ou será que vocês foram batizados em nome de Paulo?” (1 Coríntios 1.13). É interessante que Paulo não usa, em suas perguntas, os nomes Apolo e Cefas, pois sabe que não são eles os responsáveis pela divisão que foi criada em Corinto. Sem julgar seus irmãos, Paulo fala de si mesmo: não é dele que depende a obra de Deus; não foi Paulo quem morreu na cruz; não foi em nome de Paulo que os cristãos de Corinto foram batizados. Assim como João Batista, o precursor, Paulo é servo inútil. Os coríntios não devem seguir a Paulo, mas a Cristo! Somente Cristo pode conduzir à Igreja à unidade!

Amados irmãos, amadas irmãs,

de uma coisa eu tenho certeza: se a Igreja Cristã no Brasil – e talvez também em muitos lugares do mundo – está também polarizada e dividida, o motivo não deve ser outro: a Igreja se afastou de Cristo. Sim! Cristo foi tirado do centro, pois quando Cristo está no centro, as diferenças interpessoais são minimizadas para que haja a oportunidade de unidade e comunhão – unidade que não é uniformidade, mas unidade na diversidade. Se perdemos a capacidade de dialogar com pessoas ou movimentos que são diferentes das nossas raízes, é porque Cristo não está no centro. Do contrário, teríamos aprendido a viver em comunhão com respeito e tolerância.

Mas, de qual Cristo estamos falando? Essa é uma importante pergunta. Há muitos “cristos” sendo pregados por aí atualmente. Muitos que nada tem a ver com a Palavra de Deus. Nós aqui estamos falando do Cristo destacado pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 1.18: “Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, ela é o poder de Deus”. E ele diz também no v. 23: “nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios”. O Cristo que pregamos, que deve estar no centro e que nos une não é outro senão aquele que em sua liberdade aceitou ser pendurado na cruz. É o Cristo crucificado que carregou sobre si as dores da discórdia, da divisão e até da polarização; é o Cristo crucificado que sentiu na pele o que é ser mensageiro da verdade do Reino de Deus; é o Cristo crucificado que se coloca como fraco e excluído assim como tantos outros pobres e vulneráveis são excluídos da sociedade por causa de seus fracassos pessoais. Eis o Cristo!

Como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, cremos que a revelação (epifania) de Deus se dá ao contrário das expectativas humanas. Enquanto nós imaginamos Deus no poder e na glória, ele quis se manifestar na fraqueza; enquanto imaginamos Deus em sua soberania, Deus se revelou na humilhação; enquanto imaginamos Deus na eternidade, ele decidiu se revelar para dentro da história humana; enquanto imaginamos Deus distante, ele decidiu se revelar perto e próximo; enquanto imaginamos Deus de forma intocável, ele decidiu se fazer carne e habitar entre nós! Por isso, não há como conhecer a Deus e nem como ter uma Igreja unida sem contemplar o Cristo crucificado. Martinho Lutero diz estas belas palavras:

Deus, por sua vez, quis ser reconhecido a partir dos sofrimentos e quis reprovar aquela sabedoria das coisas invisíveis através da sabedoria das coisas visíveis, para que, desta forma, aqueles que não adoram ao Deus manifesto em suas obras adorassem ao Deus oculto nos sofrimentos, como diz 1 Co 1.21: “Como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela tolice da pregação.” Assim, não basta nem adianta a ninguém conhecer a Deus em glória e majestade se não o conhece também na humildade e na ignomínia da cruz. Desta maneira ele destrói a sabedoria dos sábios, etc., conforme diz Isaías: “Verdadeiramente tu és Deus abscôndito”.2

Lutero “arremata”, dizendo:

Portanto, no Cristo crucificado é que estão a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus.3

O grande problema é que por causa do pecado, o ser humano cobiçoso sempre procurará Deus na glória, na ambição, no poder. Em seu egoísmo, o ser humano procurará Deus à sua imagem e semelhança. O arquétipo de Deus será o de um ser majestoso, glorioso, egoísta, juiz e castigador. Esse arquétipo de Deus leva o ser humano ao medo e ao desespero, pois por mais que o ser humano faça boas obras, elas nunca serão suficientes para apaziguar a ira desse Deus. Essa visão de Deus nada tem a ver com o Deus que se revelou em Cristo Jesus. É essa visão equivocada sobre Deus que tem iludido muitos a crerem que certos líderes estão corretos e que devemos apoiá-los incondicionalmente, sem nenhum “pingo de crítica”, sejam quem forem!

Portanto, a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus não podem partir da glória, de experiências revelatórias extraordinárias, do “cair no Espírito” ou outras coisas; a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus vêm no confronto com o crucificado que nos humaniza e tira o nosso olhar do poder ou dos poderosos para que olhemos pelos mais fracos, desprezados, excluídos, humilhados, perseguidos, oprimidos, violentados, mortos.

Deus não quer ser conhecido senão na sua cruz. Aquele que procura a Deus irá descobrir que é procurado por Deus. Basta olhar para o crucificado onde a abscondidade de Deus foi rompida, onde as máscaras de Deus caíram e ele nos mostrou qual é o seu rosto: um rosto amoroso e misericordioso e não rancoroso ou como um justo juiz.

Amados irmãos, amadas irmãos,

o menino que nasceu em Belém cresceu e não foi batizado, não pregou a mensagem do seu Reino, não morreu na cruz e não ressuscitou para que a sua Igreja seja dividida em nome de lideranças terrenas. Isso é mesquinhez! É conformar-se com muito pouco! É colocar muito valor nessa vida e esquecer completamente a vida que está por vir após a morte – a não ser que deixamos de crer nisso também!

Estamos em um ano novo. Se unir a outros não significa concordar em tudo. Isso nem mesmo é possível. Nem mesmo casais, pais e filhos e irmãos concordam em tudo. Porém, quando o Cristo que se revelou no Crucificado está no centro, as pedras de julgamento caem no chão e, ao caírem, pavimentam um lindo caminho para o reencontro, para o diálogo, enfim, para a fraternidade.

Este foi apenas o terceiro culto da nossa série de pregações. Ainda há muito mais a aprendermos pelo caminho. Por isso, não desista dessa jornada que está nos levando a conhecermos melhor quem é Jesus para que também conheçamos melhor a nós mesmos a partir da vida com Cristo. Conhecer a revelação de Jesus leva a mudanças práticas no dia a dia. Assim deve ser. E só Deus pode trocar nosso duro coração de pedra por um mole e receptivo coração de carne.

Por fim, trago aqui palavras de um hino que gosto muito que nos diz:

Seja o vosso amor tão forte, tão intensa a comunhão, que enfrenteis a própria morte, por amor de algum irmão. Cristo assim nos tem amado que seu sangue deu por nós. Como ficará magoado, se há discórdia entre vós!4 


3º DOMINGO APÓS EPIFANIA | VERDE | TEMPO COMUM | ANO A

22 de Janeiro de 2023


P. William Felipe Zacarias


1 GARCIA, Paulo Roberto. “Quando as lideranças são mais importantes que Cristo”. in: HOEFELMANN, Verner (ed.). Proclamar Libertação. v. 47. São Leopoldo: Sinodal; Faculdades EST, 2022. p. 61.

2 LUTERO, Martinho. O Debate de Heidelberg – 1518. in: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Os primórdios – Escritos de 1517 a 1519. 3. ed. v. 1. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: Ulbra, 2016. p. 49-50.

3 LUTERO, 2016. p. 50.

4 ZINZENDORF, Nikolaus Ludwig von. “Corações em fé unidos”. in: SILVA STEURNAGEL, Marcell; HEINRICH EBERLE, Soraya; EWALD, Verner (Coord.). Livro de Canto da IECLB. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, 2017. nº 13.

 


Autor(a): William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 3º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Coríntios I / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 10 / Versículo Final: 18
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 69014
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Nenhum pecado merece maior castigo do que o que cometemos contra as crianças, quando não as educamos.
Martim Lutero
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