Eleições 1994

Carta Pastoral da Presidência

15/07/1994

A 3 de outubro do corrente ano, o povo brasileiro voltará às urnas para expressar, mediante voto, sua vontade política. É o que motiva a Presidência da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil a lembrar às comunidades evangélico-luteranas e, por extensão, a todo cidadão e cidadã do País, compromissos inerentes à responsabilidade diante de Deus e da sociedade.

1. O exercício da cidadania é direito e dever outorgado ao ser humano por Deus. Documenta sua dignidade e dela decorre. Eis por que a democracia merece a absoluta preferência entre os sistemas políticos. É o único a garantir aos membros da sociedade a plena participação e a co-responsabilização pelos assuntos públicos. As eleições que se avizinham representam mais outra oportunidade para fortalecer a democracia, ainda jovem e frágil no País, e tomar influência nos rumos da Nação. A não-participação seria equivalente a grave omissão.

2. É inadmissível querer manter a comunidade cristã alheia à questão política. O bem da criatura está em jogo, seus mais legítimos interesses, princípios éticos. Deve ser rejeitada, pois, a tese da incompetência política da comunidade cristã. A prece pelo pão de cada dia incumbe o povo cristão a trabalhar pelo bem-estar da sociedade, aliás, em cooperação com todas as pessoas de boa vontade. Deus não permite ao ser humano o arbítrio, razão pela qual as eleições, as campanhas, o desempenho político das autoridades interessam à comunidade cristã, inclusive sob a ótica da fé. Assuntos políticos têm relevância religiosa, e a Igreja e seus fiéis possuem um mandato político.

3. Importa, porém, não misturar a política e as políticas partidárias. Há um compromisso comum válido para todos os partidos e todos os segmentos sociais, a saber: empenhar-se em favor da paz social, da justiça, da proteção à vida e ao meio ambiente. Mas os respectivos programas permanecem discutíveis e necessitam ser detalhados em propostas partidárias. Não existe programa político capaz de ser qualificado como cristão. Todos devem sujeitar-se a exame crítico à base de princípios éticos, demonstrar sua eficiência e competir na obtenção de apoio popular. Resulta daí:

a. A Igreja não deve prescrever a seus membros a opção partidária a tomar. Seria extremo paternalismo. A Igreja encoraja os/as eleitores/as a avaliarem as plataformas dos/as candidatos/as e os programas partidários, para então tomarem sua decisão.

b. A Igreja não pode consagrar determinado programa partidário nem certos/as candidatos/as. Em consonância com sua tradição, a comunidade evangélico-luterana se opõe a todo tipo de messianismo político, que no fundo é anti-democrático. Existem, isto sim, propostas partidárias melhores e outras piores. Descobri-lo é tarefa do/a eleitor/a. Mas não existem programas absolutos ou sagrados, isentos de exame e responsabilização humana.

4. Em termos concretos, a consciência cristã insiste em ver cumpridas as seguintes exigências democráticas:

a. Que seja feito uso condigno do direito e dever do voto. Para tanto é premissa não só a boa informação sobre os/as candidatos/as e sua respectiva plataforma, mas também o combate à vergonhosa venda e compra de votos por favores ou outros motivos. Tal prática subverte a democracia.

b. Que a atividade política do povo não se limite ao momento da eleição. Abrange a livre manifestação, o acompanhamento atento do exercício dos mandatos, a participação na responsabilidade coletiva. Democracia requer cidadãos e cidadãs conscientes bem como governantes prontos à pública prestação de contas.

c. Que se torne amplo e geral o repúdio aos escândalos que envergonham e atormentam a Nação. O Estado de Direito, meta implícita na boa democracia, não pode conviver com a corrupção, a impunidade, a injustiça, a pobreza e a violência. Importa fortalecer a inconformidade popular com estas e outras chagas da sociedade e mobilizar forças para seu enérgico combate. É o que deverá unir o povo eleitor, os partidos políticos, as instituições estatais, as organizações não-governamentais - entre elas as Igrejas - e, não por último, os/as candidatos/as a cargos públicos.
d. Que seja fomentada no País uma nova concepção do que seja política. Sob a perspectiva ética, os mandatos obtidos em pleito público se destinam a servir ao bem comum, não à promoção individual ou corporativista. A visão da sociedade maior e de suas necessidades deve pautar a atuação do governo, das instituições e organizações sociais, bem como de cada pessoa individualmente. Isto inclui a opção por um modelo econômico que prometa melhores condições de vida a toda a população, sem excluir do benefício nenhuma parcela da mesma.

e. Que haja intenso debate pré-eleitoral no País, com o fim de testar as propostas, oportunizar a participação popular em sua definição e contribuir para a conscientização da importância de que o dia 3 de outubro próximo se reveste. Conclamamos as comunidades evangélico-luteranas a tomarem, também elas, iniciativas correspondentes.

O Brasil, por entidades internacionais, é considerado país sob ameaça de uma convulsão social. Os numerosos conflitos, a crescente violência, a realidade da fome e da doença, a flagrante falência de muitas instituições estatais confirmam o alerta. A situação atual do País fere os propósitos de Deus, zeloso do bem da criatura. Exige-se, pois, reação imediata e incisiva, a fim de que a paz social - pré-requisito da saúde de uma Nação - seja assegurada. Cumpre-nos rogar a Deus para que nos assista neste esforço.

Porto Alegre, 15 de julho de 1994

Dr. Gottfried Brakemeier

Pastor Presidente


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Sociedade / Instância Nacional: Presidência
Natureza do Texto: Manifestação
Perfil do Texto: Manifestação oficial
ID: 12577
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