UNIDADE E SOLIDARIEDADE
Efésios 4.3-6
É um acontecimento de importância histórica para a nossa Igreja que nestes dias nos reuniu aqui em Curitiba: a fusão de vossos Sínodos, unidos pela mesma fé, no mesmo Senhor, separados apenas ainda por tradições humanas, essa fusão, há tanto tempo desejada pelas comunidades, tornou-se realidade. E hoje aqui estamos reunidos em culto para rendermos graças e louvores ao Senhor. Em seu nome estamos reunidos. Em seu nome tornou-se realidade o novo Sínodo Evangélico Luterano Unido. Todo o nosso planejar e realizar seria inteiramente em vão, se não pudesse ser feito em nome e pela vontade daquele do qual confessamos que dele vem o nosso auxílio. Por isso a Ele agradecemos: Não é nossa a honra, Senhor, não é o nosso mérito, mas unicamente o teu nome seja louvado (cf. Sl 115.1).
Desse louvor pela unidade concedida em Cristo e de sua manifestação em nossa vida de comunidade fala o apóstolo, descrevendo em palavras poderosas a unidade da Igreja de Cristo como a realidade dentro da qual temos a nossa existência cristã.
A Igreja consiste de homens, e homens podem ser muito diferentes uns dos outros, diferentes também em suas opiniões e convicções. Mas essa diferença não os pode separar. Porque maior do que tudo que os pudesse separar é o que os une: Um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos. Pertencemos todos a Jesus Cristo, fomos por Ele chamados. Sobre nós todos deitou a sua mão no batismo dizendo-nos: Tu és meu! Disso somos lembrados e com isso perguntados: O que nos é mais importante, tudo aquilo no que somos diferentes e o que tende a separar-nos — ou aquilo que nos une, o que Jesus Cristo tem feito por nós, assim que pertencemos a Ele como único Senhor?
Pertencer à Igreja em todo o caso significa que nada nos pode ser mais importante do que Cristo e a sua realidade e o fato de pertencermos a ela. Por ser Cristo um só, também a sua Igreja, a congregação dos que foram por Ele chamados, é uma só. Não podemos ver essa unidade aqui na terra, e a divisão da cristandade só pode ser um grande fardo que pesa sobre nós. Maior, porém, seria a nossa culpa, se, por motivos secundários e humanos, pretendêssemos conservar a divisão, quando visivelmente já nos é dada a unidade essencial, a unidade na fé, na qual juntos confessamos um só Senhor, um só batismo, uma só fé, um só Deus e Pai.
O apóstolo Paulo conhece só uma Igreja. Ela é o corpo de Cristo, dirigida por Ele, inspirado por seu Espírito. Pertencer ,a Cristo é ser membro do seu corpo. Seja qual for o lugar onde nos encontramos, seja qual for a nossa posição, seja qual for a convicção se Cristo é o nosso Senhor, somos membros do seu corpo, e somos por isso ligados não somente a Ele, mas igualmente a todos que conosco são membros do seu corpo, e isso se manifestará na nossa vida e nas decisões de cada dia.
Essa unidade do corpo, portanto, não é efetuada por uma relação direta entre nós, os membros, pela compreensão ou simpatia que tivéssemos uns para com os outros. Sabemos muito bem que o que há de tais sentimentos naturais entre nós, nem sempre pode persistir perante o Senhor que por nossa causa se humilhou a si mesmo e, sendo rico, se tornou pobre, por amor a nós. Mas é necessário vermos a realidade que Cristo nos concedeu para que nela vivêssemos, e nessa realidade vale: que Ele nos perdoa todas as nossas iniquidades. Sim, todos nós vivemos do perdão, e por isso perdoamos uns aos outros. A remissão dos pecados rege a vida dos que pertencem a Cristo. Diferenças continuarão a existir entre os cristãos, enquanto vivermos aqui na terra, também diferenças sérias e profundas de convicção. Mas sobre elas está o que nos une: Cristo o Senhor. Ele é mais poderoso do que todas as nossas diferenças.
Cristo é um só: é aquele que tomou sobre si todas as nossas enfermidades, assumiu como sua toda a nossa culpa, também a culpa da nossa divisão. Pertencer a Cristo é saber com gratidão que Ele nos livra da culpa, assim que podemos agora ser solícitos em guardar a unidade no Espírito. A isso somos chamados: a deixar ser realidade para nós e entre nós o que Cristo nos deu: a unidade na fé. E como temos a nossa existência em meio do mundo, é a este mundo que devemos o testemunho da fé que nos une. E este testemunho tem o seu começo dentro da própria comunidade. Aqui na nossa vida real de cada dia há de se manifestar que temos um só Senhor, ao qual tudo devemos, ao qual somos por tudo responsáveis. Aqui há de se mostrar que não nos envergonhamos do evangelho; há de se mostrar na nossa gratidão e alegria sermos também nós filhos de um Pai poderoso e benigno. E como se poderia manifestar isso, senão na nossa relação para com todos os outros, ditada pelo amor e o espírito de solidariedade? A nossa unidade se torna visível onde nos reunimos como comunidade do Senhor em seu nome. Ele disse: Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles (Mt 18.20). A presença do Senhor em sua comunidade reunida é o centro da comunidade cristã, e é por isso o ponto de partida de todo o testemunho cristão perante o mundo. Jesus disse que a cidade situada no monte não pode ficar escondida (Mt 5.14). É vista de todos os lados. Assim é vista a comunidade cristã pelo mundo em seu redor. Poderá o mundo perceber que o que nos reúne é unicamente Cristo o Senhor? Há de o mundo compreender que também para ele não pode haver salvação senão em Jesus Cristo? E é unicamente por causa desse testemunho que existe a Igreja, também aqui em nosso País. E para que esse testemunho se torne mais eficiente entre nós, para que seja um testemunho de Jesus Cristo, e não de nossos próprios interesses, por isso somos chamados a ser solícitos em guardar a unidade no Espírito; a lembrar-nos diariamente e em tudo que fazemos que temos um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai. Não seremos então mais apenas indivíduos, estranhos e alheios uns aos outros, mas comunidade, corpo de Cristo, solidários com todos que conosco são membros do corpo, responsáveis cada um pela comunidade e pelo todo da Igreja, responsáveis para que o seu testemunho seja claro e audível ao nosso povo.
Caros irmãos: Disto podemos estar certos de que a nossa fé será mais forte, mais viva a nossa esperança, mais profundo o nosso louvor, se de fato deixarmos ser nossa a realidade que Cristo nos deu, na qual nos sabemos como irmãos, prontos a ajudar e a servir uns aos outros, numa solidariedade que tem a sua fonte na solidariedade de Cristo conosco — Ele que não se envergonhou de nos chamar irmãos — e na qual levamos a Deus as nossas orações uns pelos outros, com gratidão por ser Ele o Deus e Pai de nós todos. Forças benéficas, correntes de bênção haverão de provir de nossa Igreja, se ela em todo o seu trabalho for sustentada pela oração de seus membros, tornando-se assim uma Igreja que pela oração de cada membro leva a sua aflição e necessidade e as de todo o mundo à presença de Deus! Essa oração comum será a expressão mais profunda de nossa unidade - unidade no Espírito — unidade na fé. Nós não a podemos fazer, mas somos chamados a guardá-la, porque já nos foi dada, já é realidade, em Cristo, nosso Senhor.
Somos responsáveis pela nossa Igreja, sim. Mas somos antes de tudo chamados a render graças e louvores ao Senhor, por ser Ele nosso Deus e Senhor, em cujas mãos estamos, como está a sua Igreja. Ela existe e existirá, enquanto Ele quiser o seu testemunho. Louvado seja o Senhor, em sua Igreja, aqui e em todo o mundo.
Pastor Ernesto Schlieper
21 de Outubro de 1962 (18º. Domingo após Trindade), Assembleia Constituinte do Sínodo Evangélico Luterano Unido em Curitiba, Culto de Encerramento
Veja:
Testemunho Evangélico na América Latina
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS