Efésios 4.17-32 - As vestes de Cristo

Prédica

07/02/1979

AS VESTES DE CRISTO
Efésios 4.17-32 (Leitura: Salmo 130) 

«Despi-vos do velho homem, que se corrompe nas paixões do engano, e revesti-vos do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão.» Que quer dizer isso? Parece evidente. Será: «Tirai a roupa velha, os trapos sujos do homem pecador e vesti a vestimenta da justiça de Cristo, branca e reluzente!» 

Então —. ser cristão seria somente uma questão de troca de roupa! No sentido espiritual, naturalmente. No sentido de deixarmos os hábitos e os costumes do homem descrente e mau, e adotarmos os hábitos e os costumes do homem crente e justo. De deixarmos os costumes dos gentios, a vaidade dos pensamentos, a vida obscura, alheia a Deus, vida de ignorância, de corações endurecidos, vida insensível, entregue à avidez e à impureza e de trocarmos esta roupa poluída pelo vestido branco da justiça de Cristo. Você está notando que ambas as palavras, hábito e costume, significam também «roupa», «vestuário»? É de ficar pensativo! 

Mas será que o apóstolo Paulo não está simplificando as coisas? Será que esta troca de roupa é tão fácil assim? Será que ele não sabe que não é o hábito que faz o monge que não é a batina que faz o pastor que não é o macacão que faz o mecânico? 

Mudar de roupa. Mudar de natureza. Mudar de caráter, Se fosse tão fácil assim, como o apóstolo parece estar pensando! —. Nos Estados Unidos, há uns vinte anos atrás, num congresso de alfaiates, um dos profissionais da tesoura fez a experiência: Seguido por repórteres de jornais, ele recolheu um andarilho da sarjeta, apresentou-o aos congressistas e convenceu-o a «mudar de roupa». Mandou-o fazer a barba, tomar banho, cortar os cabelos e as unhas — e entrementes ajustou para ele um terno de primeira qualidade, camisa e gravata de luxo, meias e sapatos da última moda. Depois de submeter-se àquela «reforma«, o andarilho, acompanhado do alfaiate milagreiro, se apresentou aos congressistas. Ninguém o reconheceu mais. Os jornais fizeram sensação do caso. O próprio homem, tão subitamente transformado, se comoveu e anunciou que ia começar uma vida diferente. Um hoteleiro se ofereceu a dar-lhe emprego. Os jornais iam relatando a história nas primeiras páginas. Só que, uma semana mais tarde, um repórter foi achar aquele andarilho «reformado», deitado novamente na sarjeta, e o terno elegante dele, a camisa, os sapatos, tudo estava num estado lastimável. Desta vez foi um jornal só que publicou uma nota a respeito do caso — e não foi na primeira página. . . 

Não. O hábito não faz o monge. A lataria não faz o carro. A pintura não faz a casa. O apóstolo Paulo não ignora isto. Ele não seria mensageiro de Jesus, se acreditasse naquele tipo de troca de roupa, ou em algo espiritual parecido. O próprio Senhor havia ensinado aos seus discípulos que o lado externo da panela pouco importava. Que importava antes, limpar a panela por dentro. Ele tinha prevenido seus discípulos contra os «sepulcros caiado» dos fariseus, sepulcros brancos e limpos por fora, e cheios de podridão por dentro. Não. A imagem que Paulo está usando não tem que ver com uma simples troca de hábitos, com uma decisão de mudar de estilo de vida, com uma reforma de fachada. Se olharmos bem para as palavras que o apóstolo usa, vamos notar que ele não diz que devemos despojar-nos da roupa do velho homem, mas, sim, que é preciso despojarmo-nos do próprio velho homem! Então ele não pede que dispamos alguma coisa: Ele pede que nos dispamos de nós mesmos! 

Sim, mas então — o que vai sobrar de nós? Há instantes nos pareceu que o apóstolo estava pedindo pouco — e agora, de repente, estamos notando que ele está pedindo muito, está pedindo demais, está pedindo uma coisa impossível para nós. Pois «despir-nos de nós mesmos» — seria o mesmo que morrer! «Despojar-se do velho homem» não seria abandonar só o casulo, a casca, como faz a borboleta. Seria entrar em conflito consigo mesmo, seria desligar-se da própria natureza, seria negar-se a si mesmo, E foi isto mesmo que Jesus pregou: «Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.» Paulo chega a dizer na sua epístola aos Romanos (cap. 7): «Eu morri», «Temos morrido com Cristo. Considerai-vos mortos para o pecado.» (cap. 6) 

Então, em todo o caso vamos concordar em uma coisa: Um encontro com Cristo não leva a uma reforma de fachada. Não leva a deixar este ou aquele vício, em corrigir este ou aquele mau costume. Um encontro com Cristo não leva à mera reforma de terno ou de vestido, Leva, antes, à transformação do homem ou da mulher que vestem o terno ou o vestido. Na linguagem da Bíblia, é realmente um morrer e um ressuscitar o que acontece com o homem que chega a crer em Cristo, Visto de um lado, é um morrer. É o fim de uma maneira de ser, de pensar e de agir. Visto de outro lado, é um ressuscitar é nova vida, criada por Deus. Paulo diz: «Revesti-vos do novo homem, criado segundo Deus.» Fala, portanto, em criação, em nova criação. É o equivalente a novo nascimento! 

Estamos lembrados: «Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou.» É isto o que acontece em Cristo. Ele é a imagem de Deus, sem mácula. Nele se manifestou o novo homem, e qualquer criatura humana que se entregar a Cristo, entrega-se nas mãos criadoras de Deus. Não é ele, o homem, que faz o milagre. O homem não foi feito para ser Criador. É uma mentira descarada, o que disse Karl Marx — que o homem é criador de si mesmo. É uma mentira descarada, a do famoso «self made man» capitalista — o «homem que se fez a si mesmo». O homem pode mudar seus hábitos, mas não pode mudar a si mesmo. Só Deus é capaz de transformar o homem de fato. É capaz de dar-lhe, não só uma nova face, mas um novo coração. Isto é, de mudá-lo bem no ponto onde está a origem de seu mal — no centro de comando de sua pessoa, lá onde ele é ele mesmo, onde ele diz «eu sou, eu quero, eu faço». O homem precisa renascer mesmo, precisa nascer de cima, como também dá para traduzir aquela palavra que Jesus disse a Nicodemos. 

Você talvez diga a si mesmo agora: Então eu não sou cristão. Pois eu continuo o mesmo. Eu me irrito, às vezes minto, sou desonesto, digo coisas que ferem e ofendem. E não consigo fazer de conta que não seja aquilo que sou. Não consigo sair de minha pele. Eu seria um hipócrita, um fingido, se procurasse bancar o homem justo e perfeito. 

Veja: Paulo fala para aqueles cidadãos de Éfeso como sendo cristãos. Eles não devem ter sido diferentes de nós, como podemos facilmente observar, ao lermos a carta toda. Ele, por exemplo, lhes dá conselhos — de deixarem a mentira, de não se irritarem, de não furtarem, de não falarem coisas torpes, de deixarem gritaria, blasfêmia e malícia. Se o apóstolo vê a necessidade de dar tais conselhos, é evidente que os membros da comunidade de Éfeso estão lutando com estes problemas mesmo, Se não fosse, Paulo estaria chovendo no molhado. E, no entanto, ele diz deles que são «feitura de Cristo», que Cristo lhes deu vida, que eles são os santos que vivem em Éfeso. Como combina isso? Por um lado ele os trata como cristãos renascidos, e pelo outro, lhes dá conselhos que provam cabalmente que o velho homem ainda está bem ativo neles? 

Lutero diz no Pequeno Catecismo que o velho Adão em nós precisa ser afogado diariamente, que precisa morrer cada dia, com todos os seus instintos e maus desejos. É verdade: Ele foi condenado à morte, quando fomos batizados. Foi legalmente afogado, por assim dizer. Porque o batismo não é um banho -- é um afogamento. E o novo homem nasceu, quando Cristo nos aceitou, e quando nós o aceitamos como nosso Senhor. Em princípio, esta situação está bem clara, na vida de cada cristão. Se ele tem fé, isto é, se tem comunhão de vida com Cristo, então o novo homem vive nele, então ele é «feitura de Cristo», é santo e renascido. O velho homem corrompido perdeu a vez. Cristo tem maioria absoluta na cabeça e no coração de seus discípulos. E esta maioria não depende de vantagenzinhas que o velho Adão possa oferecer-lhe para que faça novamente o jogo dele. O que acontece na vida do cristão, é que ele precisa ser lembrado daquilo que ele é. Precisa ser lembrado de que foi salvo, que é filho da luz e da verdade, e que falar a mentira é algo que simplesmente não faz sentido para ele. Precisa ser lembrado de que ele foi perdoado por Deus em Cristo, e que por isso simplesmente não tem cabimento, ele não perdoar ao seu próximo, guardar rancor dele. Precisa ser lembrado de que ele é templo do Espírito Santo. Paulo diz: Ele foi selado pelo Espírito Santo, para o dia da redenção. Precisa ser lembrado de que é cristão, para entender que não faz sentido ele falar coisas torpes, dar lugar à amargura, à raiva, à gritaria, à blasfêmia, à malícia. Ele passou a viver da graça de Deus. Como ele poderá negar isto? Não tem cabimento mesmo. Perante Deus não tem! 

Notemos a diferença: Paulo não xinga os efésios, não lhes dá regras morais. Ele apenas os lembra daquilo que eles são. Porque o cristão pode esquecer. Ele pode adormecer, ficar relaxado, indiferente. O velho homem se aproveita de qualquer oportunidade para botar a cabeça para fora da água. Ele sabe bem que, enquanto Cristo estiver presente, ele — o velho homem -- não tem chance de obter o poder em nós, pois Cristo por si é a maioria absoluta, é o poder supremo, que nenhuma criatura é capaz de contestar. Assim o desejo do velho homem é que Cristo abandone a, casa, para que ele, o homem antigo, possa voltar a ser o dono de nossa vida. E é isso o que acontece no momento em que perdermos a fé.

Não. Você não precisa fazer de conta que é uma criatura perfeita. Pelo contrário: Precisa tirar a máscara ao velho homem, confessar seus erros, suas fraquezas, suas maldades. Nada de «cristianismo de fachada», de hábitos externos e de etiquetas tradicionais! O que precisa, é pôr-se claramente ao lado de Cristo, na luta que se trava dentro de você. No juízo final, Cristo será o vencedor, sem sombra de dúvida. Mas o que a vitória de Cristo lhe adiantará, se você não se achar ao lado dele, no dia de seu triunfo? Não haverá segundos ou terceiros vencedores. Haverá os que vencem com Cristo e haverá os que perdem sem ele. 

Então, o que vale, é: Você foi selado com o Espírito Santo. Foi perdoado e aceito por Cristo. Faça tudo mais em sua vida respeitar este fato. Lute para ser coerente com sua fé. Você não estará lutando sozinho, porque foi revestido do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão. 

Oremos: Nosso Criador e Salvador: Agradecemos-te por nos lembrares de que fomos aceitos por ti em Jesus Cristo, de que fomos salvos e perdoados. Louvamos o teu nome, por não nos impores nenhuma lei, por não nos forçares a fingir o que não somos. Obrigado por nos teres lembrado de que fomos revestidos de Cristo. Ele é nossa justiça. Amém.

Veja:

Lindolfo Weingärtner

Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão

Editora Sinodal

São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Efésios / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 17 / Versículo Final: 32
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19702
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Assim, outros carregam o meu fardo, a força deles é a minha. A fé da minha Igreja socorre-me na perturbação. A oração alheia preocupa-se comigo.
Martim Lutero
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