Quem não conhece o relato da conversão de Saulo? Trata-se de um daqueles “chinelos velhos” nos escritos bíblicos. Saulo, homem religioso e submisso às leis da religião judaica, viveu de forma coerente a sua convicção religiosa. Ele agia de consciência tranqüila, achava que estava no caminho certo, perseguindo a comunidade vinculada ao Deus desconhecido. Aconteceu o inexplicável. Em meio ao feixe de luz intensa, ouviu uma voz que dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues”? Ele não é perguntado por que persegue os discípulos de Cristo ou por que é crítico em relação à fé das pessoas cristãs. A voz de fora confronta Saulo com o próprio Cristo: “Por que me persegues?”.
Instala-se uma profunda crise. Saulo nada enxerga e nada come. Mudanças radicais provocam crises profundas e atingem o corpo todo. a realidade que parecia correta e indicava obediência à vontade de Deus deixa de ser convincente. O que foi já não é mais! A idéia religiosa fixa é substituída por experiência imprevisível.
O Evangelho “derruba do cavalo”, ainda hoje! O senhorio de Deus destrona ídolos e questiona a idolatria. O ser humano é recolocado no devido lugar na história da humanidade. O novo e bom Espírito de Jesus Cristo, sua força criadora e inovadora, desinstala para que um novo caminho possa ser seguido, caminho de horizonte e porteiras abertas.
Dessa árvore brotam bons frutos. A espiritualidade marcada pela lei discriminatória é transformada em espiritualidade solidária, moldada por bondade, aceitação de Deus e pela reconciliação.
No mês da Reforma, os fatos relacionados à vida de Lutero permitem traçar linhas paralelas semelhantes às experiências de Saulo/Paulo. Saulo “caiu do cavalo” da Lei. Lutero “caiu do cavalo” das obras meritórias e da necessidade da auto-justificação; frágil o lombo que parecia seguro.
Inspirados pelo Espírito de Deus, não mais pelo próprio espírito legalista, tanto Saulo/Paulo, como Martim Lutero sentiram-se livres à vida de arrependimento diário. “Caindo do cavalo”, abriram-se os olhos.
Enxergaram que a dignidade humana, tanto a própria como a alheia, é oferta de Cristo na cruz. Aliviados e amparados nos braços do Deus da misericórdia, seguiram seus caminhos, comprometidos com a missão de Deus. Serviram com dedicação, agindo conforme e contemplando a leveza da graça de Deus.
P. Sinodal Manfredo Siegle
Sínodo Norte Catarinense
Publicado: Jornal O Caminho, edição out/2010