Você tem dúvidas sobre a fé? | João 20.26-31

2º Domingo da Páscoa

22/04/2022

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

Martinho Lutero nos diz: “a dúvida é a irmã-gêmea da fé – enquanto caminham juntas”. Ter dúvidas faz parte do ser cristão. Somos muito pequenos diante de todos os mistérios que envolvem a fé em Deus. Na verdade, sempre estamos mais diante de mistérios que de coisas reveladas; temos diante de nós mais o inacessível que o acessível. Por isso, a dúvida é um ponto essencial da fé cristã, pois só quem pergunta também aprende alguma coisa. Quem acredita que já sabe tudo, não tem mais o que aprender.

Nós só conhecemos a Deus na medida em que o próprio Deus se revela a nós, seres humanos. Por isso é importante lembrar que, conforme o prof. Dr. Euler Renato Westphal, “a fé não é produto da religiosidade humana, mas ela é dádiva de Deus àquele que se expõe à atuação de Deus”1. Assim,

a fé é dádiva, ela é passiva, pois Jesus Cristo é a autocomunicação, a autorrevelação de Deus. Por um lado, a fé é passivamente receptiva e, de outro lado, ela é ativa, pois se apropria pessoalmente daquilo que Deus fez em Jesus Cristo.2

A possibilidade de crer em Deus é um presente que o próprio Deus concede ao ser humano através da sua graça. Só podemos ter conhecimento de Deus se antes o próprio Deus se revelar a nós. Por isso, Deus é conhecido somente pela fé em Jesus Cristo que é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem ao mesmo tempo.

Mesmo assim, Deus permanece misterioso. Não sabemos tudo sobre Deus. Nem temos como alcançarmos isso. Somos como mendigos que receberam um pouco do que precisam para viver a sua fé neste mundo. Não somos autossuficientes em nossa fé, mas carecemos da graça de Deus que se revelou a nós no Cristo crucificado e ressuscitado.

Tomé conviveu por bastante tempo com Jesus. Ele conhecia muito bem ao seu mestre. Mesmo assim, Tomé tinha dúvidas. Muitas vezes julgamos a Tomé por ele não ter imediatamente reconhecido ao Senhor Jesus ressurreto. Porém, Tomé não era um descrente. Ao contrário, por causa da fé é que Tomé tinha dúvidas. E as dúvidas fazem parte da vida cristã. Quem nunca se perguntou se Deus, de fato, existe? Ou se Jesus, de fato, ressuscitou dos mortos? Ou se a fé cristã faz algum sentido?

O importante é que Tomé foi chamado por Jesus, mesmo com as tantas dúvidas que continuamente nasciam em sua cabeça. Jesus não deixou de chamar a Tomé porque ele era cético; ao contrário, há lugar também para os céticos na fé cristã, desde que o ceticismo venha acompanhado da fé. Aliás, se não fossem as dúvidas de Tomé, quem sabe não conheceríamos um dos versículos mais bonitos e decorados de toda a Bíblia. Em João 14, Jesus aponta para seus discípulos o caminho para onde irá dali adiante. Assim nos diz a escritura: “Então Tomé disse a Jesus: – Não sabemos para onde o Senhor vai. Como podemos saber o caminho? Jesus respondeu: – Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”. (João 14.5-6). É um versículo lindo. E esse versículo só existe porque Tomé tinha dúvidas. Ah se não fosse a pergunta de Tomé...

Aliás, é muito fácil colocar todo o peso da dúvida em Tomé. Contudo, não foi apenas Tomé quem duvidou. Assim nos diz Lucas 24.9-12: “E, voltando do túmulo, anunciaram todas estas coisas aos onze e a todos os outros que estavam com eles. Essas mulheres eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; também as demais que estavam com elas confirmaram essas coisas aos apóstolos. Mas para eles tais palavras pareciam um delírio; eles não acreditaram no que as mulheres diziam. Pedro, porém, levantou-se e correu ao túmulo. E, abaixando-se, viu somente os lençóis de linho e nada mais; e retirou-se para casa, admirado com o que tinha acontecido”. O quê nos diz a Palavra? Eles não acreditaram no que as mulheres diziam. Aquela era uma época em que as mulheres eram tão desprezadas ao ponto de seu testemunho não ser considerado válido. Porém, as mulheres foram as primeiras a crer na ressurreição de Jesus, enquanto todos os discípulos duvidaram. Não foi apenas Tomé quem precisou ver para crer; não! Também os outros apóstolos precisaram ver o Jesus ressurreto entre eles para que pudessem crer: “Jesus veio e se pôs no meio deles, dizendo: – que a paz esteja com vocês! E, dizendo isso, mostrou as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram ao ver o Senhor.” (João 20.19-20).

A dúvida de Tomé tem uma outra função importante a nós: a dúvida de Tomé não cancelou a cruz, mas a confirmou. Jesus ressuscitou com as marcas da cruz para que sejamos lembrados que não é apenas o Domingo de Páscoa que importa, mas também a sexta-feira da Paixão. Aliás, preciso dizer que me admiro muito que aqui as pessoas costumam ter uma semana santa “pela metade”: o que tenho percebido é que muitas pessoas que vêm na quinta-feira da Paixão ou na sexta-feira da Paixão, não vieram no Domingo de Páscoa; ou o contrário: muitas pessoas que estavam no Domingo de Páscoa não haviam vindo na quinta-feira da Paixão ou na sexta-feira da Paixão. Isso é um problema, pois o Jesus crucificado não torna a ressurreição menos importante; da mesma forma, o Cristo ressurreto não torna a crucificação menos importante. É graças à dúvida de Tomé que podemos saber disso: Jesus ressuscitou com as marcas da cruz para que continuemos lembrando da sua morte e da sua ressurreição. E preciso dizer que me assusta muito que estejamos em um ritmo de trabalho tão acelerado que na quinta-feira, sexta-feira ou no Domingo de Páscoa estejamos tão cansados ao ponto de não conseguirmos vir ao culto. Talvez haja tantas coisas que estão ocupando tanto a nossa vida que o tempo para Deus está ficando cada vez mais curto... Enquanto Deus, na verdade, não nos ofereceu “qualquer coisa”, mas o que tinha de melhor: seu único Filho! Pensemos com carinho no tempo que estamos oferecendo a Deus... É o nosso melhor?

Além disso – voltando ao Tomé –, a dúvida de Tomé foi importante também para confirmar a ressurreição do corpo. Jesus não reencarnou; ele não se tornou um espírito iluminado a voar pelo mundo; não! Jesus ressuscitou em carne e osso. Tomé pôde, inclusive, tocar em Jesus. Tomé tocou na ferida feita no lado de Jesus. Não era um “fantasminha” ou um “gasparzinho”, mas um corpo de carne e osso. O túmulo de Jesus estava vazio! Não foi apenas a sua alma que ressuscitou, mas Jesus ressuscitou integralmente. Ele inclusive comeu um peixe com os seus discípulos: “Toquem em mim e vejam que é verdade, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho. Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E, por não acreditarem eles ainda, por causa da alegria, e como estavam admirados, Jesus lhes disse: – Vocês têm aqui alguma coisa para comer? Então lhe apresentaram um pedaço de peixe assado, e ele comeu na presença deles.” (Lucas 24.39-43). Assim, sabemos que após a morte, o corpo e a alma permanecem unidos na sepultura até o dia da ressurreição dos mortos. Essa é a correta e verdadeira fé cristã, conforme as Sagradas Escrituras. Nosso espírito não vai imediatamente ao céu, mas descansa na sepultura até o Dia do Senhor.

Além de tudo isso, um último fator importante é que Jesus se revelou à comunidade. Nós vivemos um tempo de bastante individualismo. Todos pensam apenas em si mesmos. Querem tudo apenas para si. Comunidades entram em crise na época em que vivemos porque as pessoas desaprenderam a viver apoiando umas às outras. As pessoas estão cada vez mais isoladas em seus “quadrados”, especialmente nas grandes cidades.

Jesus, porém, não se revelou vivo apenas a um só. Jesus não apareceu diante de uma pessoa apenas. Não! Jesus apareceu ao grupo. Deus se revela à comunidade. É na comunidade que se vive a presença do Cristo vivo e ressurreto e não no individualismo onde a pessoa acredita que dá conta de tudo sozinha e que não precisa da ajuda de ninguém. Não há como viver a fé no Cristo vivo sem que seja em comunidade. A fé cristã é fé vivida no coletivo, desde a Igreja Primitiva.

Portanto, como comunidade cristã, vivamos a presença do Cristo vivo comunitariamente. Isso requer participação presencial. Não há como viver comunidade de maneira online. A internet nos serviu durante a Pandemia, mas os cultos online não são a regra, mas a exceção! Continuamos transmitindo para que pessoas de longe ou acamadas possam ouvir da Palavra de Deus. Todavia, é tarefa nossa vir ao culto se temos essa possibilidade ao invés de criarmos desculpas para isso. Sem a comunidade presencial, não é possível viver a fé no Cristo vivo!

Amados irmãos, amadas irmãs,

quantas lições aprendemos através das dúvidas de Tomé: 1) todos os discípulos duvidaram; 2) a dúvida de Tomé confirmou a cruz; 3) a dúvida de Tomé confirmou a ressurreição do corpo; 4) a dúvida de Tomé confirmou a importância da comunidade. Que bom que Tomé duvidou. As dúvidas não o tornaram um incrédulo. Ao contrário, quem tem fé, certamente tem dúvidas.

Quais são as nossas dúvidas? O quê não conseguimos entender? Deixa-me te dizer o seguinte: que bom que você tem dúvidas, desde que não sejam separadas da fé. “a dúvida é a irmã-gêmea da fé – enquanto caminham juntas”. Mas que, como Tomé, busquemos as respostas no endereço certo: o próprio Senhor Jesus Cristo. Amém


2º DOMINGO DA PÁSCOA | BRANCO OU DOURADO | CICLO DA PÁSCOA | ANO C

24 de AbrIl de 2022


P. William Felipe Zacarias 


1 WESTPHAL, Euler Renato. “Teologia como fé inteligente”. in: SCHWAMBACH, Claus (ed.). Vox Scripturae. v. XVIII, nº 1. São Bento do Sul: FLT/União Cristã, 2010. p. 83.

2 WESTPHAL, 2010. p. 83.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 20 / Versículo Inicial: 26 / Versículo Final: 31
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 66793
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