Domingo da Justiça | Lucas 3.7-18

3º Domingo de Advento

12/12/2021

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Amados irmãos, amadas irmãs,

João Batista traz uma mensagem poderosa. A mensagem trazida por João Batista a uma multidão não fala dele mesmo, nem de suas qualidades ou da pessoa que ele é. A pregação de João Batista não é um currículo dele mesmo e não aponta para as próprias capacidades. Ao contrário, a mensagem de João Batista é poderosa por um outro motivo: em tudo ela aponta para a pessoa e obra de Jesus Cristo. A pregação de João Batista é cristocêntrica ao deixar em evidência apenas a mensagem do verdadeiro Evangelho e nada mais. João Batista não é o Messias, mas veio para preparar o caminho do Messias (cf. Malaquias 3.1ss); João Batista não é a luz, mas veio para falar da luz que vinda ao mundo, ilumina a todas as pessoas (cf. João 1.8-9); Jesus é! João Batista não é! Essa é a regra. Veja bem:

Testemunho de João Batista: “Este foi o testemunho de João quando os judeus lhes enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntar: “Quem é você?” Ele confessou e não negou; confessou: – Eu não sou o Cristo. Diante disso, lhe perguntaram: – Quem é você, então? Você é Elias? Ele disse: – não sou. Então perguntaram: – Você é o profeta? Ele respondeu: – Não, não sou.” (João 1.19-21). João Batista não é o Cristo (Ungido do Senhor), não é Elias, não é um profeta. João Batista não é! Mas então quem ele é e o que ele faz? “ – Eu batizo com água, mas no meio de vocês está alguém que vocês não conhecem. Ele vem depois de mim, mas não sou digno de desamarras as correias das suas sandálias.” (João 1.26). João Batista não reunia multidões para “se mostrar” e “aparecer”, mas para mostrar somente Cristo Jesus;

Testemunho de Jesus: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá eternamente. E o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne.” (João 6.51); “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida.” (João 8.12); “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, sairá e achará pastagem.” (João 10.9); “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas.” (João 10.11); “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.” (João 11.25); “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” (João 14.6); “Eu sou a videira verdadeira, vocês são os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim vocês não podem fazer nada.” (João 15.5).

João Batista não é; mas, João Batista veio para falar de Jesus. E Jesus é! No tempo do Advento não estamos anunciando a nós mesmos ou procurando fazer grande o nosso próprio nome. A grande tarefa da vida do cristão é que em toda a sua vida apareça menos o eu e mais Jesus. Uma multidão estava ouvindo os ensinos “pesados de João Batista” porque sua pregação não fazia propaganda de si mesmo, mas procurava propagar apenas aquele que estava por vir.

A mensagem de João Batista foi, de fato, bastante pesada. Não foi apenas uma mensagem ou uma pregação, mas uma denúncia àqueles que por mera exterioridade queriam aparecer mais que o próprio Messias, exibindo-se como grandes cumpridores da Lei diante do povo. Os líderes religiosos estavam tão perdidos que as suas ações poderiam inclusive justificar o injustificável, como as altas taxas de impostos e outras maneiras de exploração. A própria Lei de Deus passou a ser usada para promover a injustiça ao invés da verdadeira justiça do Reino de Deus.

Por isso, João Batista inicia sua pregação à multidão, dizendo: “Raça de víboras.” É uma palavra forte! “γεννήματα ἐχιδνῶν” no grego do Novo Testamento, que significa literalmente “filhos da cobra”. Trata-se de uma expressão forte e que poderia ser bastante ofensiva. Mas João Batista não esconde a sua mensagem. João Batista não é um coach trazendo uma mensagem bonitinha e superpositiva sobre o seu próprio potencial de sucesso. Não! Ele começa a sua pregação, dizendo: “Seus filhos da cobra”.

Com essa expressão, João Batista estava se referindo aos religiosos de Jerusalém que pensavam que o simples cumprir as tradições já seria o suficiente para agradar a Deus. Assim nos diz o missionário e professor Dr. Klaus Andreas Stange:

Sábado após sábado eles se encontravam na sinagoga, achando que, assim como uma serpente, seriam capazes de se esgueirar e escapar do juízo de Deus. Pensavam que conseguiriam camuflar e enganar o próprio Deus.1

João Batista chama de “filhos da cobra” aqueles que vivem uma religiosidade aparente e que ainda não descobriram o que é viver verdadeiramente o amor de Deus. E isso não acontece apenas naquele tempo: ainda hoje há quem acredite que sendo batizado e passando pela confirmação já faz tudo estar certo e que a igreja não é mais importante e necessária. Porém, há algo pior do que isso: vir à igreja para cumprir a religião e a tradição ao invés de vir por amor a Jesus e aos irmãos e irmãs. Por isso, Deus não quer a nossa religião, por religião é obra humana nascida em Gênesis 3 quando Adão e Eva procuraram ser agradáveis a Deus com suas folhas de figueira. A religião também é consequência do pecado! Deus não quer religião, ele quer misericórdia. Deus não quer que façamos para merecermos a salvação, mas que a recebamos de graça mesmo sem merecimento algum. Essa é a essência do Evangelho!

Assim, o simples cumprimento de tradições ou rituais religiosos não garantem a salvação de ninguém. A comunhão dos irmãos na fé não é uma religião, mas uma necessidade de quem verdadeiramente ama a Jesus, pois a Igreja não é uma religião, mas o próprio corpo de Cristo onde cada um com seus dons e talentos servem a Deus por meio do próximo. Isso é ser comunidade! O que importa não é o nosso nome e o que fazemos, mas se em nossas ações honramos a Jesus. Do contrário, também hoje teríamos de ser chamados de “filhos de cobra” por vivermos meramente uma aparência sem essência alguma e achando que somos aceitos por aquilo que doamos e fazemos.

Mas, então, o que fazer? Deus não quer religiosos! “O que ele quer, então?” “Mas vem a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. Porque são esses que o Pai procura para seus adoradores.” (João 4.23). Nossa religiosidade não vale nada para Deus. Ela não passa de pó e obra humana fajuta para tentar consertar o que foi quebrado em Gênesis 3. O que Deus espera de nós – a partir da salvação em Jesus Cristo – é uma adoração sincera e verdadeira onde nada em nossa vida aparece mais que o próprio Senhor Jesus Cristo, assim como foi a vida de João Batista, servo do Senhor.

A verdadeira adoração ao Senhor produz consequências práticas para a nossa vida pessoal, familiar, comunitária e em sociedade, pois vale muito pouco adorar a Deus no Domingo e nos outros seis dias da semana viver como se Deus não existisse. É muito fácil vestirmos a aparência cristã aos Domingos e nos dias de semana vivermos para o diabo. Por isso, a verdadeira vivência do Evangelho deve produzir ações condizentes no dia a dia para que o mundo – com sua estrutura caída no pecado – possa encontrar a verdadeira justiça do Reino de Deus.

A justiça do Reino de Deus é diferente da justiça do nosso mundo:

• a justiça do mundo fala de ganhar; a justiça do reino de Deus fala de perder (cf. Mateus 16.25);
• a justiça do mundo fala de eu; a justiça do Reino de Deus fala de nós (cf. Atos 2.42ss);
• a justiça do mundo fala de indenização; a justiça do Reino de Deus fala de perdão (cf. Mateus 6.12; Colossenses 3.13);
• a justiça do mundo fala da vingança; a justiça do Reino de Deus fala da misericórdia (cf. Mateus 12.7);
• a justiça do mundo faz a guerra; a justiça do Reino de Deus promove a paz (cf. Hebreus 12.14);
• a justiça do mundo fala de aparecer; a justiça do Reino de Deus fala de ser (cf. 1 Coríntios 1.11);
• a justiça do mundo fala de fazer para merecer; a justiça do Reino de Deus fala de receber mesmo sem merecer (cf. Efésios 2.8-10).

E nós conseguimos cumprir a justiça do Reino de Deus? Seria ilusório e mentiroso dizer que sim! Vivemos como peregrinadores rumo à terra prometida. Por isso, ainda estamos no deserto onde a vida apresenta dificuldades a todo momento e onde caímos em tentações continuamente. Muitas vezes, a prática da injustiça também é realizada em nossas palavras e em nossas ações. Então, o que fazemos? Tentamos nos sentirmos melhores através do cumprimento de rituais religiosos que em si mesmos também não são capazes de oferecer a verdadeira satisfação que é adorar e seguir a Jesus com fidelidade.

Por isso, o chamado de Deus a nós neste 3º Domingo de Advento não é a melhorarmos a nossa prática religiosa, pois assim só estaríamos sendo ainda mais “filhos da serpente”; ao contrário, o chamado de Deus em preparação à chegada de Jesus é ao verdadeiro arrependimento. Assim diz Klaus Stange: “Arrependimento não é castigo, mas é ter saudades de casa, do Pai, é voltar para casa, para os braços estendidos do Pai”2. Portanto, arrependimento hoje significa o reconhecimento de que não conseguimos cumprir a justiça do Reino de Deus porque ainda estamos vivendo em um mundo caído e distante de Deus, mas que mesmo assim queremos retornar aos braços do Pai para que ele compartilhe conosco de sua justiça e, assim, possamos transformar o mundo através do verdadeiro amor transformador. João Batista não pregou uma religião cheia de tradições e rituais; a sua pregação falava de algo mais importante: o Evangelho do amor. E o amor cristão não é outra coisa senão doação.

Portanto, é Advento. Jesus já veio uma vez e no tempo certo voltará novamente. As três velas acesas nos lembram que o tempo está passando. Falta apenas uma para o Natal. Ainda há tempo para que a nossa vida seja mudada e transformada, não apenas para o Natal, mas para que no ano inteiro possamos viver a adoração a Jesus em espírito e em verdade.

O tempo está passando. Portanto,

1) Creiamos no Evangelho: João Batista pregou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (João 1.29). Quem tira o pecado de ti é Jesus e não você mesmo. Portanto, creia no Evangelho e não na religião. Os símbolos religiosos até nos ajudam a entendermos a Palavra de Deus, mas não podem substituir ou serem mais importantes que a Palavra de Deus. Então, tomemos consciência de que sem o Evangelho não seremos salvos, ainda que frequentemos os cultos todos os domingos ou façamos muitas coisas boas no mundo. Ao mesmo tempo, ao cremos no Evangelho, que nada em nossas vidas apareça mais que Jesus, assim como praticou João Batista em seu ministério até ser decapitado por viver e por falar a verdade;

2) Busquemos o arrependimento: Jesus disse: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados que eu os aliviarei”. (Mateus 11.28). A Lei de Jesus não é pesada. Ao contrário, “tomem sobre vós o meu jugo e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração; e vocês acharão descanso para a sua alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” (Mateus 11.29-30). Arrependimento é o reconhecimento de que estamos longe de Jesus, a saudade de estar em seus braços e a vontade de correr de volta a ele. Assim, se você quer crer verdadeiramente no Evangelho, o arrependimento precisa estar diariamente em sua vida;

3) Vivamos em doação: Jesus disse: “Mais bem-aventurado é dar do que receber.” (Atos 20.35). O que podemos doar neste tempo de Advento para que a justiça do Reino de Deus seja manifestada no mundo? Talvez as pessoas não precisem apenas de dinheiro ou coisas, mas também de quem esteja disposto a doar seu tempo, afeto e compreensão. Isso é viver em doação!

O Messias voltará! O tempo está passando. O machado está posto à árvore. Sejamos fiéis ao Senhor até o dia da sua vinda. Em nosso tempo neste mundo, vivamos não uma aparência religiosa, mas uma fé sincera e verdadeira que coloca os dons a serviço de Deus por meio do próximo na prática do amor. É isso o que Deus espera de nós.

Amém.


3º DOMINGO DE ADVENTO | VIOLETA | CICLO DO NATAL | ANO C

12 de Dezembro de 2021


P. William Felipe Zacarias


Outras pregações da série Advento é tempo de preparação:

#1: Domingo da Esperança

Link: https://luteranos.com.br/textos/domingodaesperanca

#2: Domingo da Notícia

Link: https://luteranos.com.br/textos/domingodanoticia

#4: Domingo da Paz

Link: https://luteranos.com.br/textos/domingodapaz


1 STANGE, Klaus. “Ética do arrependimento”. in: HOEFELMANN, Verner (Coord.). Proclamar Libertação. vol. 46. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2021. p. 23. 

2 STANGE, 2021. p. 22.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 18
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 65530
MÍDIATECA
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Ainda não somos o que devemos ser, mas em tal seremos transformados. Nem tudo já aconteceu e nem tudo já foi feito, mas está em andamento. A vida cristã não é o fim, mas o caminho. Ainda nem tudo está luzindo e brilhando, mas tudo está melhorando.
Martim Lutero
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