Leia Lucas 4.1-13
Em poucos dias inicia-se o período da Quaresma. Dias que nos convidam a andar diferente. Trata-se de um percurso marcado pela oração e partilha, pelo silêncio e deserto. Nossa vida é feita de tempos que envolvem a dura experiência do deserto, à exemplo da espiritualidade de Jesus, descrita em Lucas 4.1-13. Na Bíblia, o deserto retrata as inúmeras vezes em que pessoas são surpreendidas pela presença vivificadora de Deus nas suas vidas.
Neste sentido, o deserto pode se visto como um lugar para onde muita gente se desloca por força das circunstâncias, ou voluntariamente, como aconteceu com Jesus. O deserto pode também ser momento existencial caracterizado pelas adversidades, decepções, enfermidades, revoltas, crises e perdas; um tempo que não gostariam de atravessar. Um tempo de muitas lutas internas, mas, que se aceitas e vividas integralmente poderão ser parte de uma dinâmica vivencial extremamente enriquecedora, que traga mudanças e coloque novas balizas para a vida dali em diante.
Talvez, a experiência do que poderíamos chamar de palácio ( Lc. 4.6), seja muito mais nociva para a maturidade na fé, do que a experiência do deserto. O contexto do palácio pode nos trazer uma ideia equivocada de felicidade e realização. No poder e na abundância corremos o risco de achar que nós nos bastamos, nos tornando autossuficientes e individualistas. Quando tudo vai bem, também Deus dificilmente é lembrado.
Creio que somos convidados a desenvolver nossa espiritualidade ao longo de uma caminhada que envolve tempos de desertos e tempos de palácios, pois ambos ensinam. Nos desertos, precisamos encontrar o caminho da confiança em Deus, buscar novas cores, re-costurar o que se arrebentou, aceitar aquilo que não pode ser mudado. Já nos palácios, precisamos exercitar a humildade diante de Deus e do próximo para dar conta desta vida.
Nossa espiritualidade é construída através destes diferentes tempos e contingências aos quais passamos. E quando desenvolvemos esta consciência, então podemos compreender as palavras de Paulo em Filipenses 4.10-13: “Alegro-me grandemente no Senhor (...) pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece”.
Nós, humanos, só conhecemos uma coisa em oposição à outra. Só sabemos que a alegria é gostosa porque conhecemos a tristeza. Só nos superamos, porque anteriormente nos frustramos. Também as frustrações tem seu valor, são necessárias em nossa vida. Os desertos nos ajudam a tecer sentidos pra vida e a bordar sonhos.
O deserto é um lugar de esterilidade, de terra seca, de sede, de desolação e de fome. O deserto é um lugar de solidão; porém é o lugar onde se aprende a valorizar a vida.
Quaresma: dias que nos são dados para o silêncio, para a oração, para deixarmos Deus mexer na nossa vida. Quarenta dias para uma escuta profunda de si e do mundo que está à nossa volta. Dias para encontros e desencontros. Dias para ficarmos melhores na capacidade de amar, de praticar justiça e de andar em humildade. Um abençoado e frutífero tempo de Quaresma!
Uma Oração:
Deus querido! Tu sabes o que se passa na nossa vida. Tu sabes o quanto de deserto e de palácio há em nós. Talvez também entre nós muitos dos irmãos e irmãs enfrentam duros e pesados desertos. Dê força aqueles/as que estão enfrentando momentos difíceis, andando por terras áridas, a fim de que encontrem o caminho para junto das águas de descanso, para que ali possam se refazer e se recuperar. Em nome de Jesus. Amém