Diaconia e superação da violência Doméstica

Estudo

08/05/2011

Somos filhos e filhas de Deus, que é pai e mãe! Assim somos todos e todas nós!

Mas como estamos vivendo a dádiva da vida na Criação de Deus? Que amor e cuidado dispensamos à sua Criação, e, sobretudo, àqueles e àquelas que vivem junto de nós, em nossas casas, em nossas vidas?

Neste ano de 2011, enquanto Igreja, testemunhamos a Paz na Criação de Deus. Uma Criação que está sendo exigida para além de sua capacidade de prover, e por isso sofre e adoece. E assim em dor e sofrimento vivem também muitas mulheres, homens, crianças e jovens. Que busquemos a paz para nós mesmos, para as pessoas que amamos, para que em conjunto possamos assumir o compromisso de cuidar da Criação de Deus!

Vivemos um tempo de outros modelos e estilos de vida e isto inclui os próprios modelos familiares. Os encontros e desencontros que a vida nos reserva, somados às mudanças que os tempos pós-modernos nos entregam, fazem surgir novos modelos de relações e de famílias. O modelo pai-mãe-filhos-filhas transmuta para modelos diversos como pai, filhos e filhas, mãe, filhos e filhas, pai-novo companheiro, filhas e filhos, mãe- nova companheira, filhas e filhos, enfim, muitas são variáveis. Nestes novos contextos importam a alegria e o respeito ao se viver junto.

Com isso afirmamos que a razão para a violência que permeia nossa sociedade, nossas famílias, nossas escolas não está na mudança de modelos familiares. A razão para a violência está em nós, filhos e filhas de Deus. Na nossa intolerância às contrariedades, nas nossas histórias de vida, nos nossos jeitos de ser e estar no mundo. Para superarmos a violência que permeia nossa sociedade precisamos nos dedicar a erradicar a violência que permeia nossos cotidianos familiares.

Violência na Criação!

A violência doméstica é assim chamada por sua ocorrência se dar no ambiente do lar envolvendo não só pais-mães-filhos-filhas, mas também outros membros, sem função parental, que convivem no espaço doméstico. Trata-se da violência que ocorre quando uma criança se vê fragilizada diante da agressão sexual, física, psicológica e da negligência praticada por quem deveria lhe cuidar e educar. Trata-se da violência
sofrida pela mulher quando agredida por seu esposo, companheiro, namorado.

No âmbito da violência infanto-juvenil o dado mais alarmante dá conta de que a maior parte dos casos de violência contra crianças e adolescentes são praticados justamente pelos pais ou companheiros/as dos pais. Pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo evidencia que o número de casos de violência contra crianças é maior do que os dados estatísticos divulgados pelos órgãos oficiais e que diferentemente do que se costuma pensar a violência está presente em todas as classes sociais. O estudo revela ainda que as cidades pequenas são as que apresentam os índices mais altos de casos de violência infanto-juvenil.

Mesmo quando não são vítimas diretas da violência, as crianças se vêem envolvidas em situação de extremo sofrimento. Relatório de 2006 das Nações Unidas estima que de 133 a 275 milhões de crianças em todo o mundo testemunham violência doméstica anualmente, e que a frequente exposição de crianças a violência em seus lares, geralmente brigas entre pais ou entre uma mãe e seu parceiro, pode afetar severamente o bem-estar e o desenvolvimento pessoal de uma criança e sua interação social na infância e na fase adulta. Além disso, a violência entre parceiros íntimos também aumenta o risco de ocorrerem atos de violência contra crianças na família.

Claudia Guerra, professora universitária, ao compilar dados sobre a violência familiar nos apresenta a seguinte situação:

- o número de mulheres vítimas de violência doméstica e sexual, no Planeta Terra, é maior do que o número de vítimas em todos os conflitos armados;

- a violência doméstica é a maior causa de ferimentos femininos em todo o mundo e a principal causa de morte de mulheres entre 14 e 44 anos;

- o risco de uma mulher ser agredida em sua própria casa pelo pai de seus filhos, ex-marido ou atual companheiro é nove vezes maior que sofrer algum ataque violento na rua ou no local de trabalho;

- de 10% a 34% das mulheres do mundo já foram agredidas por seus parceiros;

- 30% das primeiras experiências sexuais das mulheres são forçadas;

- 52% das mulheres são alvo de assédio sexual.

No Brasil, uma mulher é espancada a cada 15 segundos, sendo que a crença de que a violência é temporária e conseqüência de uma fase difícil impede que denúncias sejam feitas. Em muitos contextos as mulheres também deixam de denunciar por receio de possíveis dificuldades econômicas na ausência do companheiro, por vergonha, por pena do agressor, pela assim chamada dependência emocional do agressor, por falta de apoio, por receio de ficar sozinha, por sentimento de culpa, por descrença no sistema que deve atendê-la e protegê-la, por medo de vir a ser condenada pela comunidade onde convive. Muitas mulheres ainda deixam de delatar a violência por desconhecimento de seus direitos ou pela inexistência dos aparelhos do Estado que devem, de acordo com a Lei Maria Penha (Lei Federal n°11.340 de 07/08/2006), ser colocados em funcionamento: programas de proteção, delegacias especializadas, abrigos, entre outros.

Diaconia no contexto da superação da violência – a história da Nem Tão Doce Lar

Dar-nos conta desta situação de violência familiar e contribuirmos para sua superação é uma das missões que Deus nos coloca para que consigamos cuidar de sua Criação. Quantos e quantas de nós já ouvimos histórias de violência envolvendo membros de nossas famílias, de nossos amigos e amigas, colegas, vizinhos? Quantos de nós conseguimos agir? Quantos de nós soubemos a quem recorrer?

Kjell Nordstokke, pastor e teólogo norueguês que atuou no Brasil, afirma que a ação diaconal envolve uma intervenção consciente para transformar uma situação de sofrimento ou injustiça e que esta intervenção, por sua vez, implica no desenvolvimento e aplicação de métodos que possibilitem a transformação intencionada.

Neste sentido, a Fundação Luterana de Diaconia - FLD acolheu, em 2006, a oferta feita por Pão para o Mundo para trazer ao Brasil a intervenção Rua das Rosas. Esta intervenção foi montada em parceria com a IECLB e demais parceiros na assembleia do Conselho Mundial de Igrejas, realizado em Porto Alegre em fevereiro de 2006. Em seguida, e graças ao trabalho e engajamento de organismos luteranos, ecumênicos e da sociedade civil, esta intervenção foi abrasileirada passando a se chamar Nem Tão Doce Lar.

Ao levar para comunidades, escolas, eventos, uma exposição que consiste na reprodução de uma casa, com seus móveis e utensílios, e na aplicação de objetos usados em episódios agressivos e violentos somados a pequenos cartazes com dados e histórias sobre a violência, a FLD contribui para que mais e mais homens e mulheres se abram para o necessário debate, reconhecimento e busca por superar a violência.

A intenção é que após visitar a casa, consigamos nos sentir acolhidos/as para o diálogo, tanto para compartilhar nossas histórias, como para ouvir, mas, sobretudo, para nos informarmos sobre as leis de proteção, sobre os serviços que devem ser disponibilizados pelo poder público e pelas possibilidades de superação que são de responsabilidade de todos nós. Para que assim, em nossas comunidades, consigamos contribuir para o surgimento de elos entre os diferentes organismos que lidam com as questões da violência, contribuindo para a formação de uma rede de proteção, e também para que possamos defender e promover direitos para todos os filhos e filhas de Deus.

E assim como a Nem Tão Doce Lar, há muitas iniciativas diaconais no âmbito da IECLB que são desenvolvidas no sentido de cuidar de quem sofre violência. No entanto, diante de um quadro ainda não completamente revelado, em que pese o fato de que grande parte da violência fica presa sob a lei do silêncio, é preciso que, enquanto comunidade cristã, aprofundemos nossa diaconia a serviço da Paz na Criação.

Através do exemplo de Jesus que ensinava, pregava e curava percorrendo povoados e cidades (Mt 9.35-38), somos convidados a ver e agir. Somos chamados a viver a dimensão comunitária de nossa fé, no sentido de proteger e cuidar, mas também de denunciar a violência e anunciar, junto com leis e informações, as palavras de conforto e entendimento que encontramos no Evangelho. Por Jesus somos chamados a acolher e a sermos comunidades cristãs terapêuticas.

Como Igreja de Cristo também nos é pertinente e urgente a reflexão, discussão e engajamento no enfrentamento das questões que envolvem a violência. Mas não é necessário fazermos tudo, de forma isolada. Podemos buscar por espaços de atendimento já ofertados para que assim, após acolhermos em nossos braços aqueles que anseiam por um espaço de escuta, possamos encaminhá-los para os serviços específicos. Enquanto Igreja importa acolher, ouvir, cuidar de quem sofre, mas também denunciar todas as formas de violência contra a Criação de Deus. Que Deus esteja conosco em nossos esforços pela Paz na Criação!

Dinâmica dos nós

A comunidade é um espaço de compartilhar, para desfazer os nós que nos amarram e que nos apertam a alma. Mas não é fácil! E talvez a maior dificuldade em se desatar os nós reside justamente no fato de que para fazê-lo é preciso atravessar toda a corda pelo elo, revivendo cada uma das experiências e sensações experimentadas.

A dinâmica, a seguir, quer proporcionar um momento de partilha de dores, angústias e libertação de sentimentos que pesam em nossas vidas. E ainda mostrar que a comunidade de fé pode ser um espaço terapêutico, em que prevalece a partilha, o consolo, a denúncia, o cuidado e a restauração de vida.

Materiais:

- Pedaços de barbantes de uns 30 cm para cada participante da dinâmica.
- Música meditativa para o momento em que as pessoas estiverem fazendo os nós.
- Aparelho de som
- Lenços de papel
- Imagens que ajudem a suscitar a discussão e a reflexão

Orientação

Colocar uma música de fundo. O(a) coordenador(a) distribui os pedaços de barbante para cada participante e convida para que faça um nó relativo a cada momento que recorde ter vivido uma situação de violência. É importante que o(a) coordenador(a) ressalte os vários tipos de violência (física, sexual, psicológica, moral e patrimonial). Este momento pode ser feito em silêncio ou em diálogo com a pessoa ao lado.

Enquanto as pessoas fazem os seus nós é necessário deixar um tempo para que elas possam pensar em suas vidas. Depois de algum tempo pode-se lançar algumas perguntas que auxiliem a aprofundar a reflexão.

A seguir, abre-se espaço para que os(as) participantes que se sentirem à vontade possam começar a desatar alguns nós, ao passo que compartilham sentimentos, lembranças, histórias. Assim, constitui-se um espaço terapêutico, de acolhimento e compartilhamento de dores.

Após os relatos, o(a) coordenador(a) realiza a leitura e a reflexão de um texto bíblico que acolha as dores das pessoas, como Isaías 25.8 ou Mateus 11.28-30.

Em seguida, o grupo é convidado a pensar como a comunidade pode se envolver na superação da violência e no acolhimento daquelas e daqueles que sofrem. Alguns exemplos:

- Criar espaços na Igreja para falar sobre experiências de violência doméstica.

- Organizar tempos e espaços de oração pelas pessoas vivendo em situação de violência.

- Participar/organizar encontros, cursos, eventos sobre o tema. Capacitarse enquanto comunidade!

Marilu Menezes
Assessora de Projetos da FLD

Jaime José Ruthmann
Assistente de Projetos da FLD
Porto Alegre-RS

 

Bibliografia

NORDSTOKKE, Kjell. Profissionalidade diaconal: a sua razão e lógica. In: BEULKE, Gisela(org.). Diaconia: Um chamado para servir. Sinodal: São Leopoldo, 1997.

D'URSO, Luís Flávio Borges de. O tempo passa, a violência contra a mulher persiste. Disponível em http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2010/140/ Acessado em 08/12/2010.

GUERRA, Cláudia. Violência conjugal e intrafamiliar – alguns dados de mundo, Brasil, Minas Gerais e uberlância. Disponível em http://www.cfemea.org.br/pdf/violenciaconjugal_claudiaguerra.pdf  Acessado em 03/12/2010.

http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/2007/08/16/violenciacontra-crianca-e-maior-que-estatisticas/

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório do especialista Paulo Sérgio Pinheiro para o Estudo das Nações Unidas sobre a Violência. Nova Iorque, 2002. Disponível em http://www.unicef.org/brazil/pt/Estudo_PSP_Portugues.pdf Acessado em 08/12/2010.

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