Deus em busca do ser humano

Ao defrontar a fé cristã com outras religiões pelo mundo afora, nós nos perguntamos sobre a natureza da religião cristã. O que realmente nos diferencia de outras religiões, onde está o nosso próprium, onde está a particularidade da nossa fé. O que confere à religião cristã um caráter peculiar e único, e que simplesmente não cabe dentro do quadro das demais religiões, pode ser expresso em palavras bem simples, conforme nos legou Helmuth Thielicke: consiste na mensagem de que Deus se tornou homem – “as religiões: elas representam o homem em busca de Deus. O Evangelho: representa ao Deus em busca do homem”. E isto Jesus mostrou durante toda a sua história conosco através dos tempos e é isto que hoje vamos perceber a partir do texto de Lucas 8.26-39.

“Jesus e os discípulos chegaram à região de Gerasa, no lado leste do lago da Galiléia. Assim que Jesus saiu do barco, um homem daquela cidade foi encontrar-se com ele. Esse homem estava dominado por demônios. Fazia muito tempo que ele andava sem roupas e não morava numa casa, mas vivia nos túmulos de cemitérios” (vv. 26-27).

Quando Jesus atravessou o lago, enfrentou a tempestade e do outro lado, libertou um homem de um mal que ainda hoje aflige a muitos, ele encarnou na vida daquele homem. Quer dizer: Deus em Jesus viu o que aquele homem sofria. Aquele homem estava endemoninhado, havia perdido o controle sobre o seu próprio corpo, suas emoções e sua mente: “andava sem roupas... vivia nos túmulos dos cemitérios”. Vivia numa cidade próspera e bonita, Gerasa, porém não tinha nenhum domínio sobre sua vida. Esta, infelizmente, querida comunidade, é a realidade do ser humano no século XXI.

Há muitas pessoas que se acham autônomas e auto-suficientes, julgando-se o centro do universo, mas, na verdade, não tem controle nem mesmo sobre si mesmas. Estes são os possessos de hoje, à semelhança do endemoninhado geraseno. São dois os grupos de pessoas que reúnem tais características:

1º grupo: as pessoas que se dizem sem religião. Para estas pessoas vale o que os pensadores Marx, Feuerbach, Freud e Nietzsche afirmavam: Deus seria um sonho ou uma projeção da mente humana. Para estas pessoas todas as religiões são boas; todas as religiões contêm uma pequena parcela da verdade total. Pessoas como estas confiam cegamente de que o futuro da humanidade está em produzir cada vez mais, está no avanço tecnológico, está na oferta e demanda de alimentos, está na diplomacia entre países, etc. Ou seja: o futuro estaria nas mãos dos que confiam e dominam as ciências, as tecnologias e a informação. Contudo, num mundo como este em que o ser humano tem respostas para tudo e só depende dele se auto-aperfeiçoar, Deus é expulso, Deus perde a sua função.

Mas nós cristãos sabemos que não basta dizer que o ser humano é uma espécie de “macaco evoluído”. Nós cristãos queremos saber diante de tanta tecnologia e informação que existe, por que existe tanta fome, miséria social, desemprego, salários baixos, seca, a violência que ameaça as pessoas nas ruas e dentro das próprias famílias, a desestruturação das relações entre as pessoas, pessoas que casam e descasam, de amigas passam a inimigas, de cúmplices a traidoras. Pessoas como essas, negam o poder da maldade, do pecado, e cada um pensa que pode assumir a tarefa de definir o que é bom e o que não é. Carregam sobre si o peso de quererem tornar-se seus próprios deuses. Sofrem tentando controlar o mundo e naufragam num mar de caixas de antidepressivos. Será que o ser humano não se engana quando acredita que o seu destino está em suas mãos?

2º grupo: as pessoas religiosas. Inversamente ao primeiro grupo de pessoas, que não acredita em Deus, existe um outro grupo que, supostamente crendo em Deus, tenta dar uma resposta às contrariedades e enigmas da vida a partir da apresentação de um “Deus-tirano” sob o nome do “Deus- verdadeiro” ou do “Deus-vivo”. Pessoas deste grupo passam a imagem de Deus como sendo aquele que é bondoso somente com os que seguem suas pesadas leis e exigências. O amor a Deus, dessa maneira, passa a ser calculista e não mais pura expressão de louvor: dou tanto para Deus, recebo outro tanto de volta. O amor de Deus não é mais intermediado por Jesus Cristo, mas por sabonetes abençoados, óleos ungidos, rosas douradas, enfim... Não! Deus não é assim. Deus não é um tirano. Deus é como um pastor que busca a ovelha perdida, como um pai que espera a volta de seu filho, como o d ono de uma vinha que vê as necessidades de seus empregados, Deus é Jesus Cristo que cura um endemoninhado geraseno sem pedir sua carteira de identidade.

Os dois grupos citados padecem do mesmo mal: são possessos do espírito do ateísmo. O primeiro grupo, pois acredita que seu futuro está em suas mãos e o segundo, porque acredita numa falsa imagem de Deus, logo, não crê no Deus apresentado pela Bíblia, mas em uma criação particular que tem por base os próprios desejos e o pecado (2 Tm 4.1-5), um ateísmo dissimulado. Essa possessão da atualidade faz com que as pessoas vivam sem controle sobre si mesmas sob a falsa impressão de o terem. Mas é somente isto que nos resta? A impressão de estarmos possessos como o endemoninhado geraseno, que não mais tem controle sobre si? Não! A Bíblia, em especial o texto da pregação, nos mostra uma outra realidade. Convida a deixarmos Deus ser Deus.

O que vemos na seqüência do encontro de Jesus com o homem geraseno é: Deus combate as forças do mal – é o que nós vemos acontecer e Jesus anuncia no final do texto, v. 39: “volte para casa e conte o que Deus fez por você”. Deus em Jesus libertou o homem da possessão não de um demônio, mas de vários demônios. É um tanto curioso o diálogo que é travado entre Jesus e o homem eou seus demônios. Em nenhuma outra passagem há semelhante. Mas a mensagem é simples: diante de Jesus até os demônios se curvam, clamando por piedade. Jesus então permite que os demônios entrem nos porcos e estes desandam morro abaixo, para dentro do lago e se afogam. Aí vemos que as forças espirituais que dominavam aquele homem não tinham outro objetivo senão destruí-lo. Mas Deus em Jesus o curou e o salvou.

A palavra de Deus apresenta-nos uma outra realidade que a possessão. A palavra de Deus convida a deixarmos Deus ser Deus. Deus não quer que nós o expulsemos de nossas vidas, nem mesmo que Ele seja somente um bote salva-vidas naquele último momento, como também não quer que sejamos falsos religiosos, que querem fazer de Dele um carrasco, carregando um fardo de pesados leis e exigências criadas por seres humanos. Deus quer que nós nos acheguemos a Ele com as nossas dores, com as nossas culpas, confessemos nossos pecados (pois pecados conscientes não-confessados e não-absolvidos são como erva daninha em nossa vida e veneno que empesteia). Isso não significa que Deus também não possa castigar – isto é bíblico. Deus sempre permanecerá sendo autoridade sobre nossas vidas quer nós queiramos, quer não. Deus quer ver cumprida a sua vontade. Quem desrespeita so fre prejuízo. Co nforme Brackemeier: “Mas antes do castigo está o amor que perdoa e acolhe e que achou sua expressão mais dramática na cruz de Jesus Cristo. Ela é o símbolo do amor de Deus por excelência. Jesus preferiu sofrer a morte a aniquilar seus inimigos. Morreu por amor a eles. Assim é Deus. A cruz de Cristo ilustra o amor divino que desiste da vingança”. Quando nós cremos em Deus do jeito que Ele permite que nós o conheçamos pela Bíblia, sua face misericordiosa (e nisto consiste seu amor) e de autoridade sobre todos nós e sobre forças que não controlamos, então Deus nos cura. Deus exorciza o espírito ateísta que nos aflige: ou na forma de achar que somos donos de nosso próprio nariz e que Deus não tem nada a ver com isso, ou na forma idolátrica de querer que Deus seja à nossa maneira, nosso funcionário, nosso amiguinho e companheiro.

Deus quer que nós olhemos sua face misericordiosa em Jesus. Que libertados das muitas faces do mal, saibamos pedir humildemente como pediu aquele homem de Gerasa, depois que Jesus o curou: “me deixe ir com o Senhor”. Isto é um sinal claro do Reino de Deus. Afinal, guardados pelo poder de Jesus e confortados pelo seu amor, estamos livres de carregar o mundo nas costas. Na companhia dele, restauramos a capacidade de enxergar o valor da vida e recebemos de volta o perfeito juízo com que fomos criados. Em Jesus, como foi com o geraseno, Deus nos busca continuamente. Por isso, Jesus em resposta ao pedido do homem curado diz: “volte para casa e conte o que Deus fez por você”. Deus quer buscar mais pessoas. Por isso que é tão importante testemunhar do amor de Deus e do que Ele fez por nós, pois com o nosso testemunho aguçamos a vontade de outras pessoas em conhecer esta face de Deus. Assim cumprimos o nosso chamado. Deus quer buscar a mim, a ti, e a outras pessoas continu amente e Ele o faz a partir de sua Palavra pregada especialmente nos momentos de encontro da comunidade e nos sacramentos do Batismo e da Ceia do Senhor.


P. Elisandro Rheinheimer


Autor(a): Elisandro Rheinheimer
Âmbito: IECLB / Sinodo: Mato Grosso
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 26 / Versículo Final: 39
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 10261
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