Deus é canhoto

Artigo

01/12/2007

Fiquei surpreso, há dias atrás, quando me deparei com este título dado a uma palestra proferida no contexto do Direito Eclesial. A expressão é singular e soa de modo estranho. Ser canhoto em contextos familiares, educativos e sociais pode apontar para dificuldades, motiva à discriminação e prevê uma vida atrapalhada. Quando da incapacidade de estender ou de agir com a mão direita e se usa a esquerda, é costume dizer: esta é a mão que vem do coração. É verdade, neste particular, há concordância: Deus é canhoto! As suas atitudes para com a humanidade e para toda a criação são, antes de qualquer princípio legal, ou de qualquer iniciativa de regulamentação, uma expressão misericordiosa do seu coração. No mundo antigo, o coração era considerado sede da bondade, fonte das afeições e das emoções, mas também da razão, da vontade e do planejamento. O braço de Deus que abraça e acolhe vem do coração, do lado canhoto, lado esquerdo, é braço e abraço que procedem do coração.

A vivência e a partilha prioritária do amor de Deus em nada se assemelham à leis enfraquecidas. A tentação de aplicar os fundamentos de paz e amor, como sinal de que o Deus da Bíblia resolve tudo numa boa, não deixa de ser uma interpretação extremamente equivocada. Deus age prioritariamente pelo prazer de agir, por isto, não deixa de ser uma manifestação da sua graça e da sua bondade. O ato da criação, acontecido em sete dias, expressa linguagem lúdica e indica que criar para Deus foi café pequeno. Justifica-se, pois, afirmar que Deus escreve reto por linhas tortas.

A misericórdia de Deus é dinâmica e evidencia poder para transformar pessoas humanas. O Deus do amor é simultâneamente o Deus da justiça e da justificação; não se revela como força para aniquilar a decência e a ordem. A bondade divina acentua que vida com sentido é aquela que recupera a alegria e oferece espaço à celebração. O Deus de Jesus Cristo é aquele que não asfixia, tampouco reprime sob a carga de leis pesadas repletas de cobranças. O amor de Deus liberta, anima, envolve; é oferta que renova a comunidade e capacita ao serviço.

Perante Deus somos como crianças recém-nascidas (1 Pedro. 2.2); na realidade, somos pessoas indefesas e dependentes da ação de Deus. Vida acontece num mundo provisório, buscamos a cidade que há de vir. A realização da plenitude do tempo é esperança, é força que dá fôlego à vida. Nesse mundo provisório e transitório, estamos a serviço da implantação e da preservação do ponto de vista de Deus. Fruto do Espírito da Unidade, esta tarefa não é particular, mas é missão ecumênica.

Seguindo juntos pelos caminhos da provisoriedade, descobrimos que, pela fé, o cristão é livre Senhor sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém e, ao mesmo tempo, por causa do amor é um servidor sujeito a todos e a tudo.

No tempo alegre e esperançoso do Advento, somos, sobremaneira, gratos ao Deus que é canhoto!

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC

Diocese Informa - 12/2007


Autor(a): Manfredo Siegle
Âmbito: IECLB / Sinodo: Norte Catarinense
Natureza do Texto: Artigo
ID: 8713
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A intenção real de Deus é, portanto, que não permitamos venha qualquer pessoa sofrer dano e que, ao contrário, demonstremos todo o bem e o amor.
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