Das profundezas clamo a ti ... Escuta, Senhor, a minha voz” - Salmo 130

Autoria P. Me. Alexander Busch

05/07/2020

 

Estimada comunidade,
Eis a oração de uma pessoa em angústia e sofrimento, “Deus, a ti clamo de manhã bem cedo. Ajuda me a orar e concentrar meus pensamentos; não consigo fazer isso sozinho”. Das profundezas da cela de uma prisão esta pessoa continua orando, “dentro de mim está escuro, mas em ti há luz. Eu estou só, mas tu não me abandonas. Eu estou desanimado, mas em ti há auxílio. Eu estou inquieto, mas em ti há paz. Em mim há amargura, mas em ti há paciência. Não entendo os teus caminhos, mas tu conheces o caminho certo para mim” ((Resistência e Submissão: Orações para Presos, Oração Matutina, pág. 190).

As palavras que ouvimos são uma oração do Pastor Dietrich Bonhoeffer que se encontrava preso por ter participado num movimento de resistência contra o governo nazista na Alemanha durante a 2ª Grande Guerra da Europa. Na prisão Bonhoeffer compartilhava orações escritas com colegas prisioneiros. Eram orações que ajudavam Bonhoeffer e os vizinhos de cela a encontrarem alento e conforto num tempo de escuridão e solidão – um tempo de caos e incertezas.

Para Bonhoeffer na prisão companhia fiel lhe era o Livro de Salmos – o conhecido livro de orações que faz parte das Sagradas Escrituras. Sobre o livro de Salmos Bonhoeffer escreve da prisão uma carta a seus pais dizendo, “Leio o livro de Salmos diariamente, como venho fazendo a anos; não há livro que eu conheça e aprecie mais do que este” ((Resistência e Submissão: Cartas aos Pais, 15 de maio de 1943, pág. 73). Assim como para Bonhoeffer, ao longo dos séculos, as orações dos Salmos têm colocado na boca das pessoas as palavras que nos faltam para dizer a Deus. Isso porque o livro de Salmos não é apenas Palavra de Deus dirigida a nós. As orações no livro de Salmos é também palavra humana – a palavra que o próprio Deus quer ouvir de nós dirigida a Ele (Bonhoeffer Orando com os Salmos, pág. 13).

As orações no livro de Salmos alimentam e sustentam nossas orações diante de Deus. Elas nos ajudam a orar, falar e escutar com Deus, a colocar nossos sentimentos e pensamentos diante de Deus. Os Salmos representam uma grande variedade de situações e sentimentos, nos ensinando palavras de louvor, palavras de gratidão e confiança – ou nos carregando em momentos de angústia e sofrimento, como é o caso do Salmo 130.

“Das profundezas clamo a ti ... Escuta, Senhor, a minha voz; estejam alertas os teus ouvidos às minhas súplicas” (v 1,2). A pessoa que escreveu este salmo, esta oração, não nos diz qual o motivo de sua angústia e sofrimento. Nisto reside, porém, a força e beleza deste salmo. Todos nós, em algum momento da vida, podemos nos identificar com o sofrimento do salmista. Todos nós atravessamos ou vamos atravessar momentos de grande escuridão, como que submersos em águas profundas onde a respiração é difícil. São circunstâncias em que o caos e o perigo nos rodeiam e nos sentimos pessoas frágeis, inseguras em relação ao tempo presente e com medo do tempo futuro. O Salmo 130 faz parte de um grupo de salmos conhecidos como orações de lamento. São orações em que pessoas e comunidades inteiras expressam suas dúvidas, suas frustrações, seus medos diante de Deus.

Além do livro de Salmos, destaco que recentemente ouvimos do profeta Jeremias palavras de lamento, de queixa diante de Deus por causa do sofrimento e angústia que o profeta sentia ao realizar a missão que Deus lhe dera. E ainda existe um livro bíblico chamado Lamentações de Jeremias, que retrata a profunda crise que o povo de Deus enfrentou quando Jerusalém foi arrasada pelo inimigo e o templo de Deus saqueado e destruído. Como povo de Deus, não estamos livres do caos, da angústia e sofrimento.

Contudo, por mais profundos que sejam a angústia e o sofrimento, os salmos de lamento, as palavras de queixa geralmente reconhecem que ali também Deus se faz presente. O salmo 130, por exemplo, confessa, “Das profundezas clamo a ti ... Escuta, Senhor, a minha voz”. Este é o grito da fé – o clamor confiante que Deus não é indiferente ao sofrimento, a nosso sofrimento. E nenhuma água é tão profunda a ponto de impedir que os ouvidos de Deus ouçam o clamor da pessoa que lhe chama pelo nome. Nenhuma água é tão escura que Deus não pode se fazer presente. Muito pelo contrário, Deus é quem toma a iniciativa de nos colocar diante de sua presença.

Assim nos diz o Salmo 130, “Se tu, SENHOR, observares nossas maldades, quem, Senhor, poderá escapar? Mas contigo está o perdão, para que sejas temido” (v 3,4). Estes versículos revelam um mistério, um mistério mais profundo do que angústia e sofrimento humano. Estes versículos apontam para o mistério do Deus disposto a perdoar, restaurar e reconcilia o que existe de errado no mundo – disposto a perdoar, restaurar e reconciliar o que precisa ser consertado em nossas vidas. Mais do que vigiar e punir, mais do que observar e castigar, Deus quer acolher as pessoas e comunidades inteiras na sua presença.

E é na presença de Deus que o salmista alimenta sua esperança, “A minha alma anseia pelo Senhor mais do que os guardas anseiam pelo romper da manhã” (v 6). O salmo usa a imagem do vigia da noite que espera o nascer do sol, cuja luz dissipa a escuridão da noite. O salmo nos convida, o salmo nos chama a ter nossa esperança firmada em Deus. A espera pode ser longa. Muitas vezes, é preciso exercitar paciência. 

Sobre este versículo o reformador Martinho Lutero faz o seguinte comentário, “Existem pessoas que querem mostrar a Deus o objetivo, determinar a hora e a medida, chegando mesmo a propor como querem ser ajudados. E quando seus desejos não se realizam, desanimam, ou, se podem, procuram ajuda em outra parte. Esses não aguardam a Deus, não esperam nele, pois pensam que Deus deveria esperar por eles e estar sempre pronto a ajudar bem assim como planejam. Agora, aqueles que aguardam o Senhor, esses oram por graça; o quando, o como, o onde e o através de quê, eles o deixam ao critério da boa vontade de Deus. não duvidam da ajuda, contudo, não lhe dão nome; permitem que Deus a batize e lhe dê nome, mesmo que isso acabe se transformando numa espera prolongada, quase interminável. Quem dá nome à ajuda, não a recebe, pois não aguarda nem aceita a decisão, vontade e hora de Deus” (disponível no site https://www.luteranos.com.br/conteudo/obediente-espera).

Esperar pelo tempo de Deus. Eis o convite. Eis o chamado da fé. “Espere Israel no Senhor, pois no Senhor há misericórdia; nele, temos ampla redenção” (v7). Para o salmista não é suficiente guardar este chamado, guardar esta esperança apenas para si. O convite é estendido a toda Israel, a todo o povo, incluindo nós, comunidade de Cristo Jesus. Pois é especialmente em Cristo Jesus que Deus revela sua misericórdia e redenção. Na cruz, Jesus nos dá a liberdade de expressar nosso lamento e angústia. “Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?” (Mt 27.46). Estas são palavra de Jesus. O próprio filho de Deus coloca estas palavras na boca das pessoas para que sejam palavra que Deus quer ouvir de nós. Por outro lado, o próprio filho de Deus sustenta o nosso grito de fé, “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste”. É o grito da fé que confessa e afirma a reconciliação, o amparo e salvação que vem de Deus. Queira Deus abrir nossos lábios para proclamar esta esperança e firmar o caminho certo para nossos passos. Amém.
 


Autor(a): P. Me. Alexander R. Busch
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio Paraná / Paróquia: Maripá (PR)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 130
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 57600
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Ó Deus, meu libertador, tu tens sido a minha ajuda. Não me deixes, não me abandones.
Salmo 27.9
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