Atos 5.34-42 - Nossa missão

Prédica

09/07/1957

NOSSA MISSÃO
Atos 5.34-42 

Muito temos falado e ouvido nestes dias da Assembléia Sinodal da nossa Igreja e do seu trabalho; temos discutido sobre o que devemos fazer para que nossa Igreja mais eficazmente possa cumprir a sua missão; vimos a grande tarefa, as grandes possibilidades, mas, não nos escondemos também os grandes obstáculos e dificuldades que encontra no desempenho de sua missão. Hoje aqui estamos reunidos como comunidade, e ouvimos a palavra da qual unicamente vive a Igreja. E esta palavra antes de tudo quer dar-nos uma certeza, e esta certeza quer acompanhar-nos nestes dias e ao voltarmos cada um à sua comunidade e ao seu trabalho: a certeza de que esta nossa Igreja não é somente nossa Igreja, mas que ela é, antes e principalmente, a Igreja de nosso Senhor, do Senhor ao qual é dado todo o poder no céu e na terra. Ele mantém a sua Igreja. Ele a guia. Ele a guarda por sua palavra. E esta certeza quer tornar-nos tranquilos e confiantes quanto ao caminho de nossa Igreja. É sua Igreja também, e Ele, o Senhor, é um Deus que faz maravilhas. 

É o que poderíamos escrever sobre as palavras aqui ouvidas. Vemos estes homens da primeira cristandade. Veio sobre eles a primeira perseguição, experimentam a adversidade do mundo contra o Evangelho. Mas experimentam também que não estão sozinhos, que o Evangelho não está entregue ao seu poder, mas é o Evangelho daquele que é Senhor não só da pequena comunidade, mas Senhor do mundo e de todos os seus poderes. E o que este texto nos diz, refere-se a todas as épocas e situações, em que a Igreja luta pela sua existência, quando adversidade e falta de compreensão tornam difícil o seu caminho, quando dúvidas e escuridão envolvem as nossas almas: é nos anunciado aqui como benigna verdade também para nós que Deus é Aquele que para a situação mais desesperadora sempre tem mil vias e mil meios de ajudar. 

Desesperadora era a situação da pequena Igreja. Parecia irremediavelmente perdida a causa de Jesus Cristo aqui na terra. Contra a ordem expressa da mais alta autoridade civil os apóstolos tinham continuado a falar de Jesus e de sua ressurreição, declarando: Deve-se obedecer mais a Deus do que aos homens. Agora encontram-se diante do tribunal, e este está decidido a liquidar definitivamente o assunto, entregando à morte estes homens, aos quais vivos não consegue fazer calar. 

Mas, inesperadamente tomam rumo bem diferente os acontecimentos, e a história não termina com a morte dos apóstolos e da Igreja, mas com seu júbilo e louvor. Levantou-se então Gamaliel e deu o seu parecer, e concordaram com ele, e os apóstolos se retiraram alegremente. 

Assim é Deus. Onde humanamente tudo está perdido, não havendo mais nenhuma saída, Deus ainda tem um caminho para os seus. Quando o seu povo está a perecer, as águas tem que recuar, e forma-se uma passagem. Durante toda a história da cristandade isto não deixou de se repetir. Quantas vezes na vida do Reformador a causa do Evangelho parecia condenada, quando todas as forças se tinham conjugado contra aquele monge e professor de Wittenberg. Mas na hora decisiva Deus abriu um caminho para o Evangelho. E é uma experiência da fé que em cada vida cristã pode ser feita : Passamos por épocas em que parece vazia a nossa vida e sem sentido o nosso trabalho, onde clamamos por clareza e firmeza, mas tudo se nos apresenta escuro, confuso — e de repente Deus mostra que Ele tem uma possibilidade ainda, que Ele sabe um caminho para nós. Levantando-se um Gamaliel, é sempre Deus mesmo quem se levanta. Em todas as lutas e tentações por que passa a fé, em todas as aflições que pesam sobre nós, em todas as dificuldades, no medo, no desespero, sempre vale: Deus tem meios e caminhos para ajudar. Porque Ele é um Deus que ajuda, e subitamente a noite é vencida pela luz. É verdade que nem sempre o seu auxílio se torna visível; nem sempre consiste no que nós esperávamos; nem sempre podemos constatar que já se levantou um Gamaliel; mas sempre e em todos os casos vale: Não há situação irremediavelmente perdida para Deus; não há caminho fechado para Ele — e dele vem o nosso auxílio, do Senhor que fez o céu e a terra. 

Do meio de um tribunal enfurecido, pronto a pronunciar a sentença de morte, levanta-se um de seus membros mais respeitados, doutor da lei, acatado por todo o povo, e impede o que já parecia fato consumado. Em toda a parte e em todos os meios, Deus pode fazer levantar-se defensores de sua causa. Nós, ainda, vemos apenas o perigo, os obstáculos, as mil dificuldades. Mas Deus já começou a agir, em outra parte e de outro modo do que nós o esperávamos. Este Gamaliel não é amigo dos apóstolos, nem da causa de Jesus. Mas pelo seu conselho neste momento decisivo ele tem que servir como instrumento de Deus, para ajudar à comunidade, ameaçada em sua existência. Quantos Gamaliéis tem havido desde então que protegeram a Igreja sem que a ela pertencessem; que nos consolaram sem que o soubessem; que nos ajudaram, nos mostraram o caminho, por uma palavra na hora decisiva. Deus pode ajudar, e nele podemos confiar. 

O conselho de Gamaliel contém uma verdade cristã: questões espirituais, questões em que se trata da verdade, são questões de consciência, e elas não podem e não devem ser decididas pela força. Coagir a consciência humana pode significar lutar contra Deus. Assim compreendemos o seu conselho: Se esta obra vem dos homens, perecerá: mas se é de Deus, não podereis destruí-la. É a verdade que está também sobre a nossa Igreja no Brasil e sobre todo o nosso trabalho por ela, e que nos deve livrar de toda a preocupação quanto ao seu caminho: Se é dos homens, perecerá; mas se é de Deus, não poderá ser destruída. Mas, esta verdade não nos livra de nossa responsabilidade e do dever de nossa própria decisão.
Gamaliel não quer ou não pode ainda decidir, se a obra é ou não de Deus. Não sabemos, se mais tarde chegou a tomar uma atitude decidida ou se ficou na expectativa durante toda a sua vida. É interessante saber que este homem era professor do apóstolo Paulo quando ainda fariseu. Em todo o caso o seu conselho reconhece: não somos nós, mas é Deus quem decide sobre a verdade. E assim o seu sentido é semelhante ao da parábola de Jesus que fala do joio que cresce juntamente com o trigo, e o qual não convém tirar antes da colheita. Só então, no dia da colheita, ao qual vamos de encontro, o joio será separado do trigo. A última palavra está com Deus e não com os homens. 

Quem sabe isto, não pode entregar-se a nenhum fanatismo. Num país, onde dum lado está uma Igreja poderosa, em situação privilegiada, e do outro lado uma infinidade de seitas e grupos religiosos, todos eles a proclamar: conosco está a verdade, unicamente conosco — a nossa atitude só pode orientar-se pela certeza: a última palavra está com Deus. Somente Ele, Ele mesmo, no grande dia da colheita separará o joio do trigo. Não precisamos atacar nem ofender convicção alguma. Mas, também não precisamos esconder-nos ou ter medo algum. O que importa é que estejamos certos de nosso próprio caminho: que sejamos em verdade e de boa consciência cristãos evangélicos. Tudo o mais deixaremos entregue a Deus. Não haverá então lugar para preocupação alguma quanto à existência ou ao futuro de nossa Igreja. Mas nem tampouco haverá lugar para uma falsa segurança própria que julga: conosco está tudo em ordem, podemos ficar como somos. Somos chamados a cuidarmos bem, como Igreja e cada um individualmente, a cuidarmos sempre de novo, se é de fato a vontade de Deus que seguimos, se ainda estamos no caminho da obediência para com o Evangelho. Por isso é necessário escutarmos, ouvirmos o que nos diz a sua palavra para a nossa situação, para que não suceda ficarmos no nosso caminho, enquanto que Deus nos chama para um outro, o seu caminho. 

Gamaliel ficou na expectativa. Não seguiu quando fora chamado. É sempre o caminho mais cômodo evitar qualquer decisão. Mas, diante de Jesus não há neutralidade. 

Por isso, o que lemos no fim do nosso texto é mais do que Gamaliel e seu conselho. A saída dos apóstolos não é somente um escape, mas uma porta largamente aberta para o Evangelho. Estes homens não são vencidos. Ainda tratados como criminosos, eles saem regozijando-se, certos do seu caminho. Novamente proibidos em falar, eles todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar o Evangelho de Cristo. Como lhes era caro e importante, acima de tudo, e principalmente acima de sua própria pessoa e vida, este nome de Jesus. Nada lhes era demais, nenhum sacrifício, por causa deste nome. Regozijavam-se, porque sofrer com Jesus é participar em seus sofrimentos, é experimentar a mais profunda e pessoal comunhão com ele. E como lhes era uma boa mensagem a prédica do Evangelho, como se sabiam responsáveis pela sua pregação, que eles apesar de todas as ameaças não cessam de pregar publicamente e de casa em casa. 

Meus caros ouvintes! Pela palavra de Jesus não pode haver discípulo, não pode haver cristão que não se soubesse igualmente como mensageiro, testemunha do Evangelho. Vós sois a luz do mundo, disse Jesus, e: A cidade situada no monte não pode ficar escondida (Mt. 5.14) — assim fala Ele de sua comunidade. E a missão de todos que lhe pertencem, Ele a descreve com as palavras: Vós sereis minhas testemunhas. (At. 1.8) A nós Ele confiou esta missão de sermos portadores em nossa época e em nosso mundo do Evangelho. Regozijemo-nos podermos sê-lo: cristãos não somente para nós mesmos, mas para o mundo em que vivemos. Regozijemo-nos podermos também nós servir a Cristo, para que outros, o mundo em redor de nós, encontre o auxílio de Deus. Sejamos cristãos evangélicos responsáveis pela sua Igreja; sejamos discípulos de Jesus cônscios de uma função no mundo, e Ele, o Senhor mesmo, fará que sejamos como a cidade situada no monte. Esta é a nossa missão, e a ela somos chamados, também por esta história, a darmos testemunho, a todos os aflitos e oprimidos e desesperados : que Deus é e sempre será o Deus do qual vem todo o nosso auxílio. E no desempenho desta missão Ele nos dará a alegria e o ânimo também a nós em pertencermos a Jesus Cristo e à sua Igreja. Ele nos torne sempre colaboradores deste Deus que em Jesus Cristo não só nos ajuda nesta ou naquela aflição, mas nos dá o seu auxílio eterno: o amor do qual nada jamais nos pode separar. 

Deus mesmo nos conceda sempre mais esta alegria em pertencermos a Jesus Cristo e à sua Igreja. Ele nos torne sempre mais obedientes ao Evangelho, para que não neguemos ao mundo o que lhe devemos: a mensagem de que não há verdadeiro auxílio senão em Jesus Cristo.

Pastor Ernesto Schlieper

9 de Julho de 1957, Concílio do Sínodo Evangélico do Brasil Central, Campinas, Culto de Encerramento 

Veja:

Testemunho Evangélico na América Latina

 Editora Sinodal

 São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Ernesto Theophilo Schlieper
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 34 / Versículo Final: 42
Título da publicação: Testemunho Evangélico na América Latina / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1974
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19720
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