Atos 5.27-32

Prédica

03/04/2016

       

 Exórdio: O texto que lemos trata de um dos momentos mais difíceis para qualquer pessoa: quando sofremos uma injustiça. Os apóstolos são interrogados simplesmente porque anunciavam Jesus Cristo;          

(Aspectos bíblico-exegéticos)          

 O capítulo 5 do livro de Atos dos apóstolos é muito interessante: começa apresentando o modelo de como a comunidade não deve ser, com Ananias e Zafira. Em seguida, mostra o aumento da popularidade da comunidade, com novos membros. Depois, o texto diz que, por inveja, o sumo sacerdote e os saduceus prendem Pedro e João na prisão pública. Os apóstolos, porém, são libertados pelo anjo do Senhor, mandando-os ir ao templo e anunciar a Jesus. Quando o sumo sacerdote e sua gente mandam buscar os apóstolos da prisão, descobrem que eles já não estão mais lá. Recebem a notícia que eles estão no templo anunciando as boas novas de Jesus Cristo. Os oficiais do templo buscam Pedro e João, mas sem violência, para não serem apedrejados pelo povo. Então, a história segue com o texto que lemos, nos versículos 27 a 32.

           Primeiramente, gostaria de lembrar que tanto o Evangelho de Lucas quanto Atos são de um mesmo autor. O que costura estes dois livros é a narrativa descrevendo a caminhada da Palavra, a caminhada do anúncio de que Jesus é o Cristo. Mas esta palavra, este anúncio, caminha na contramão do mundo. O choque entre as duas propostas é inevitável. Este choque gera a cruz, a proposta de morte que tenta evitar o triunfo da Palavra. Mas o Espírito de Deus é mais forte do que o Espírito do mundo. Deus ressuscita Jesus e era isso o que lhes dava força para perseverar na caminhada. A comunidade via na ressurreição de Jesus a realização de todas as promessas de Deus que estão no Antigo Testamento. No entanto, Atos deixa bem claro que a ressurreição de Jesus não significaria que as esperanças apocalípticas de uma instauração milagrosa do Reino de Deus aconteceriam imediatamente. Pelo contrário, o Reino é construído lentamente, pelo trabalho perseverante de pessoas engajadas pelo Espírito na caminhada de todas as comunidades. O crescimento do Reino é fruto do trabalho e do testemunho dos seguidores e seguidoras de Jesus. As comunidades são o espaço onde atua o Espírito Santo. O Espírito anima a prática e os atos das pessoas que transmitem a Palavra de Deus. Através desta prática, a Palavra de Deus caminha no meio da humanidade até o dia de hoje!

           Os primeiros cinco capítulos do livro dos Atos são como um mosaico, feito de muitas pedrinhas. Como uma concha de retalhos. Fatos, discursos, resumos e orações foram justapostas num arranjo bonito para oferecer uma ideia do conjunto da vida comunitária. Diante do sinédrio, o supremo tribunal dos judeus, os apóstolos foram acusados de desobedecer à ordem que tinham recebido de não mais falar no nome de Jesus. Mas dão um resumo do anúncio da Boa nova que, naquela circunstância, se tornou um anúncio agressivo com denúncia muito forte que desagradou às autoridades. Como era de esperar, a reação das autoridades, sacerdotes e saduceus foi violenta. Quiseram matar os apóstolos (C. Mesters, F. Orofino. CEBI).

           Diante deste juízo perante o sinédrio, podemos dizer que o que está em jogo é o poder das autoridades sobre o povo. Se os apóstolos continuam anunciando que Jesus ressuscitou, a culpa pela morte de Jesus cairá sobre essas autoridades, os quais se mostram zelosos de seu poder, que os apóstolos parecem subverter.

           Mas o segundo juízo acrescenta o modo em que o mais escrupuloso legalismo formal se emprega para fortalecer o poder dos que já são poderosos. O juízo das autoridades sobre os apóstolos tem lugar com toda a formalidade. O sinédrio nem sequer menciona ou discute o modo em que os apóstolos haviam saído do cárcere, uma vez que isto não tem a ver com o motivo do juízo. Escrupulosamente, o sumo sacerdote lembra aos acusados da advertência anterior, com a qual fica aberto o caminho para condená-los a açoites. É o que acontece na continuação do nosso texto.

           Todavia, há outra dimensão no juízo de Pedro e de João que também é importante assinalar. As autoridades poderosas do concílio, os que julgam os apóstolos, também estão debaixo de outro poder, o do Império Romano. Durante este tempo, eram os romanos quem determinavam, dentre os possíveis candidatos, quem seria o sumo sacerdote e, portanto, quem iria ocupar os principais cargos no templo e em toda estrutura religiosa dos judeus. O mesmo era certo da estrutura econômica. Se os ricos saduceus colaboravam com Roma, isto se devia, em parte, a Roma ter o poder de enriquecê-los ou arruiná-los. Então, os que parecem ser poderosos dentro do contexto da Judeia não o são tanto dentro do contexto mais amplo do Império. Por isso, sua política tem que ter em conta não somente o povo a quem tratam de controlar, mas também as autoridades romanas. E não poucas vezes seu interesse por controlar o povo se deve ao temor das repercussões que as ações do povo podem ter, levando, talvez, a uma intervenção por parte do Império.

           Aos cristãos, isso não deve nos surpreender. A igreja cristã tem uma larga e gloriosa história de mártires que morreram precisamente porque se torcia a lei e o juízo se tornava em absinto. E, infelizmente, quando os cristãos chegaram ao poder do Império, quando o cristianismo se tornou a religião oficial do Império no final do quarto século, muitos cristãos perseguiram a outros simplesmente porque não estavam de acordo com sua doutrina, porque subvertiam seus sistemas doutrinais ou porque, de algum modo, provocavam zelos semelhantes ao que os apóstolos despertaram nos saduceus e no sumo sacerdote. Cito, por exemplo, os cristãos montanistas, que divergiam sobre quando seria o final dos tempos, ou os cristãos arianos, que discordavam da interpretação que se fazia de Jesus como divino, ou dos donatistas, que não aceitavam sacramentos ministrados por sacerdotes que tinham a honra duvidosa. Todos estes cristãos foram perseguidos pelos próprios cristãos!

           Mas Pedro e João anunciavam o evangelho. Não anunciavam para provocar zelos, mas para ser fiéis ao Cristo ressuscitado que os havia enviado. Se despertavam zelos, não foi por culpa deles, mas por culpa dos poderosos que não estavam dispostos a que se questionassem sua autoridade. Em nossos dias há muitos Pedros e Joãos – e também muitas Pedrinas e Joanas, que de formas distintas, dão testemunho do evangelho em nossa sociedade. Uns pregam desde o púlpito; outros ensinam na escola; outros ensinam às pessoas os seus direitos; outros ensinam a ler. Dado o mundo pecador em que vivemos, em seu aspecto individual, mas também social, estes sinais do Reino de Deus, que se constroem lentamente, despertaram os zelos e a oposição de quem serve o reino presente. O surpreendente seria se não houvesse oposição, que todos dissessem que nossa mensagem é maravilhosa. Se assim o for, tenhamos cuidado, pois é muito provável que tenhamos nos afastado da mensagem dos apóstolos (González, Justo. Comentário bíblico iberoamericano).

           (Aspectos pastorais)

           Assim, podemos ver como o nosso texto trata das injustiças provocadas por quem deveria zelar pela lei, para, em última instância, defender a vida.
Mas, ainda na fé pascal, como os apóstolos foram enviados pelo Cristo ressuscitado, somos também enviados por este mesmo Cristo, cheios do Espírito Santo, para anunciar que Jesus venceu a morte! Toda opressão, injustiça, miséria e guerras serão vencidas.

           (Conclusão)

           Para encerrar, gostaria de lembrar o sentido da palavra político. A rigor, politikós, em grego, é o genitivo da palavra grega pólis, cidade. Assim, político é a pessoa da cidade. Todos nós somos políticos, uma vez que a palavra destacava a relação de uma pessoa dentro de uma cidade e sua relação com as demais pessoas. Deste modo, em nossas relações em sociedade, devemos evitar ações injustas e corruptas. Por exemplo: uma pessoa que não respeita o farol vermelho, não respeita os pedestres, não respeita os idosos será injusta ou até corrupta se assumir um grande cargo.

           Lembro as palavras do Papa Francisco, falando sobre a corrupção. Diz ele: “a corrupção é o pecado que, em vez de ser reconhecido como tal e de nos tornar humildes, se tornou sistema, torna-se um hábito mental, uma forma de vida. O corrupto é aquele que peca e não se arrepende, aquele que peca e finge ser cristão. A corrupção nos coloca em um lugar que não podemos sair, por isso, devemos rezar para Deus abrir uma fresta nos corações dos corruptos, dando-lhes a graça da vergonha e de se reconhecerem como pecadores”.

           Mas na fé pascal, enviados por Cristo, devemos anunciar a justiça, pois o Reino de Deus é construído lentamente, é fruto do trabalho e do testemunho dos seguidores e seguidoras de Jesus. Isso jamais entenderá quem imagina que a pregação de justiça do evangelho de Jesus Cristo e o compromisso de vivê-lo em sua plenitude é um movimento como qualquer outro, bastando leis, castigos e ameaças para detê-los. Esta obra é de Deus e nada a poderá deter. Amém.
 


Autor(a): Roberto Carlos Porto
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: ABCD (Santo André-SP)
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 27 / Versículo Final: 32
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 39314
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