Atos 2.1-13

Prédica

28/02/1987

Atos 2.1-13

Martim Lutero

Ao cumprir-se o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos no mesmo lugar; e de repente veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas como que de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem.

Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. Estavam, pois, atônitos, e se admiravam, dizendo: Vede, não são, porventura, galileus todos esses que aí estão falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna, partos, medos e elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia: da Frigia, Panfilia, do Egito e das regiões da Líbia nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes; como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus? T dos, atônitos e perplexos, interpelavam uns aos outros: Que quer isto dizer? Outros, porém, zombando, diziam: Estão embriagados!

Nesta festa de Pentecoste comemoramos e agradecemos a Deus o grande e infinito beneficio que nesta terra efetuou ao revelar do céu sua palavra a nós, pobres seres humanos. Hoje, neste mesmo dia, o reino de Cristo foi iniciado através, dos apóstolos, e por intermédio do evangelho foi revelado perante todo o mundo. Verdade é que Cristo, em sua pessoa, teve o seu reino desde a eternidade, mas hoje é que, pelos apóstolos, através do Espírito Santo, foi revelado a todo o mundo. E tal revelação foi proclamada com grande coragem, pertinácia e alegria por parte dos míseros pescadores, daqueles apóstolos que haviam negado e abandonado a Cristo anteriormente por medo, e que tinham sido medrosos, apavorados e desanimados.

Este é o Novo Testamento e o reino de Crista Ele inicia com força tão pouco aparente, e contudo inicia com força e poder onipotentes, aos quais ninguém é capaz de resistir. Parece coisa tola o fato de Cristo iniciar o Novo Testamento daquela forma. Começa com a pregação dos apóstolos no dia de Pentecoste. Qual o teor da pregação? É o seguinte: Nós, os apóstolos, pregamos que Jesus de Nazaré, o crucificado, que sete semanas atrás foi condenado à morte e depois executado publicamente, é o Senhor do qual todos os profetas haviam falado. Quem quiser ver-se livre de pecados e ter a vida eterna, que se arrependa e seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão de seus pecados. Convenhamos que aí tudo tem aparência modesta e insignificante. A pregação é pobre; os apóstolos e discípulos, que Cristo vai usando como instrumentos desta pregação, ainda são mais pobres. E contudo, através desta pobre pregação e destes insignificantes instrumentos inicia o Novo Testamento e o reino de Cristo.

É como diz Paulo em 1 Coríntios 1.23: ¨Nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios¨. E, contudo, nesta loucura e nesta fraqueza se ocultam a maior sabedoria e o maior poder, aos quais ninguém é capaz de resistir. Pois mesmo que os sumos sacerdotes e Pilatos sejam tão sábios e poderosos, precisam tolerá-lo. Deus os enche de temor, e se veem obrigados a temer o povo para que não sejam apedrejados. Parece atitude subversiva os apóstolos se levantarem e pregarem a Jesus de Nazaré crucificado, em objeção às autoridades espirituais e seculares. Mas tanto sumos sacerdotes como Pilatos chegam a ter medo. E verdade que eles não merecem coisa melhor do que ficarem atemorizados onde nada há a temer, para que Deus demonstre o seu poder por intermédio dos fracos. Assim, digo eu, a cristandade inicia publicamente com fraqueza, contudo, nesta fraqueza estão contidos poder e força tão imensos, que todos os sábios e poderosos ficam apavorados diante dela, obrigados a temê-la.

Em que é que consiste este poder e esta força? Em nada mais do que na palavra e no Espírito. Veja que poder possui Pedro, e, notando bem, não só Pedro, mas igualmente todos os demais! Como estão certos de sua causa! Com quanto poder recorrem à Escritura, como se tivessem estudado nela por cem mil anos, e tivessem aprendido a lição de modo perfeito. Estas pessoas sem instrução, pobres leigos que nada haviam aprendido, lançam mão da Escritura e sabem fazer melhor uso dela do que os escribas, que diariamente lidam com ela. Assim Deus, através da maior tolice e estultícia daqueles mendigos pobres e fracos, revela a maior sabedoria que chegou a este mundo, de maneira que ninguém consegue fazer coisa igual, nem Anás, nem Caifás, nem outra pessoa qualquer no mundo.

Jamais deveremos esquecer esta pregação de Pentecoste. Antes deveremos lembrar-nos dela constantemente, agradecendo a Deus por ter chegado a nós, a partir dos apóstolos, pelo Espírito Santo e que, por meio da força do Espírito, permanecerá no mundo até o fim. Pois se o Espírito Santo não tivesse preservado aquela pregação até o dia de hoje, nada saberíamos dela. O diabo há muito a teria arrancado de nós, destruindo-a totalmente. Mas já que o Espírito Santo dia a dia a mantém poderosa, a querida festa de Pentecoste e a confortante e alegre pregação pentecostal permaneceram e também chegaram a nós. Mesmo que muitas facções e seitas se tenham oposto a ela, tentando erradicar e exterminá-la, não conseguiram o seu intento.

Portanto também nós queremos falar desta alegre pregação, já que, pela graça de Deus, ela veio a nós, para que saibamos distinguir entre a pregação do direito e da lei e a pregação da graça, a qual é a própria pregação de Cristo, o Senhor. Da mesma forma como somos obrigados a distinguir, na consciência, entre pavor e alegria, também devemos distinguir claramente entre o antigo Pentecoste judaico, no qual a lei foi dada, no monte de Sinai, e entre o novo Pentecoste, no qual o evangelho foi revelado através do Espírito Santo. Sabemos distinguir entre tristeza e alegria, entre morte e vida. O antigo Pentecoste judaico foi uma festa marcada por tristeza, pavor, desânimo e morte, no povo de Israel, reunido junto ao monte de Sinai, todos se apavoram, tremem e fogem (Êxodo 20.18). Por causa disso mesmo o novo Pentecoste será uma festa de alegria, de consolo e de vida, na qual deveremos tratar daquela alegre e bela pregação que cria corações alegres e corajosos. Como aquilo aconteceu na vida dos apóstolos e discípulos, vamos enxergando aqui, sendo que o Espírito Santo transforma pessoas desanimadas, desalentadas, dispostas a fugir - em heróis afoitos, em gigantes valorosos e em pessoas invencíveis, a tal ponto que se tornam capazes de opor-se a todo o mundo, e mesmo ao diabo no inferno.

Essa será nossa pregação pentecostal, contrária a todas as ameaças apavorantes produzidas pelos pecados e pela morte. Quanto mais alegre você for, e quanto mais certa e firme a fé em seu coração, tanto mais próximo lhe é o Espírito Santo, e mais proveito você tem do novo Pentecoste. Mas quanto mais reinar a tristeza em seu coração, e quanto mais apavorado e desolado você for, tanto mais próximo lhe fica Moisés e tanto mais você tem da natureza do antigo Pentecoste do monte de Sinai. Por tal razão, eu digo: Assim como conseguimos distinguir tristeza e alegria, morte e vida, também distinguiremos o antigo e o novo Pentecoste. Necessitamos o antigo Pentecoste de Moisés por causa dos malvados e dos marotos, por causa das pessoas brutas e seguras, e também por causa dos santos altivos. Mas necessitamos o novo Pentecoste do Espírito Santo por causa das consciências desanimadas e atemorizadas. Do novo Pentecoste e da pregação do Espírito Santo nascem cristãos alegres, valorosos e corajosos, assim como o demonstram os apóstolos e discípulos, que já não temem o mundo nem o diabo. Do antigo Pentecoste e da pregação da lei nascem pessoas medrosas, dispostas a fugir, assim como o povo foge do monte do Sinai, vai a um lugar afastado, e diz: Caro Moisés, fala tu com Deus, e não deixes que Deus fale conosco, para que não morramos. Pessoas tais nascem do antigo Pentecoste e da pregação da lei. Elas são apavoradas, desoladas e desanimadas. E por tal pavor, e pelo medo da morte, se veem obrigados a desistir do pecado, a deixar de pecar.

Foi assim que o Espírito Santo, no dia do Pentecoste do Novo Testamento, começou a praticar o seu ofício e a efetuar sua obra, de modo que Cristo o chama de Consolador e de Espírito da Verdade. Pois ele infundiu nos corações dos apóstolos e dos discípulos um consolo autêntico e confiável, e lhes deu um ânimo seguro e valoroso, de maneiras que nada lhes importa o mundo e o diabo simpatizarem ou antipatizarem com eles, serem-lhes amigos ou inimigos, irritarem-se com eles ou rirem-se deles. Em toda a segurança eles caminham pelas ruas da cidade pensando: Aqui nem Anás nem Caifás, nem Pilatos nem Herodes são coisa alguma, mas nós somos tudo. Todos eles são nossos súditos e servos, nós é que somos os seus superiores e senhores. Assim eles vão agindo com máxima coragem, sem pedir licença a ninguém. Não perguntam antes se devem ou se não devem pregar, ou se os sacerdotes e os levitas de Jerusalém vão concordar, antes se colocam com franqueza diante do povo, abrem a boca alegremente, censuram e recriminam todo o povo, superiores e súditos como sendo homicidas, malvados e traidores que mataram o príncipe da vida. Tais criaturas pentecostais é que o Espírito Santo cria. Elas sabem que em Cristo têm um Pai gracioso, enfrentam tudo com destemor, confessam a Cristo perante todo o mundo e se prontificam a sofrer por sua causa.

Os apóstolos e discípulos precisavam de tal Espírito naquele tempo como nós precisamos dele nos dias de hoje. Necessitamos desta prédica pentecostal do Espírito Santo para termos coração e ânimo e rompermos as barreiras. Escandalize-se quem quiser, difamem-nos como quiserem, não nos importaremos. Este ânimo tem de prevalecer, constante e inalterável, mas que confesse e pregue o Cristo tão vergonhosamente julgado, condenado e morto - fazendo-o de maneira franca, impávida e pública.

Pois é peculiaridade e propriedade do evangelho ser ele pregação estulta e escandalosa, que por toda a parte no mundo vai sendo rejeitada e condenada. Se o evangelho não provocasse a ira de nenhum burguês nem camponês, de nenhum bispo e nenhum príncipe, seria uma pregação delicada e doce, agradável de ser anunciada, e os homens gostariam de ouvi-la, aceitando-a com prazer. Mas por ser uma prédica que provoca a ira dos homens, principalmente dos que são altos, poderosos e sábios no mundo: será preciso que quem quiser proclamar tal prédica possua coragem e tenha o Espírito Santo. Veja este fato: Os pobres mendigos e pecadores, os apóstolos, se põem entre o povo e pregam de uma forma que chegam a irritar todo o Conselho de Jerusalém, e além disso compram briga com todas as autoridades públicas, a classe sacerdotal e, ainda por cima, do imperador romano. O que é mais, abrem a boca, abrem mesmo, e dizem: Vocês são traidores e homicidas, etc., podendo esperar que por tais palavras venham a ser golpeados na boca. Tudo isso não aconteceu sem o Espírito Santo. Por tal razão o Espírito Santo, junto com esta prédica de Pentecoste é nosso conforto e nossa alegria, de maneiras que nada perguntamos pela ira e pela difamação do mundo. Esta prédica assim produz pessoas alegres em Cristo, que por amor de Cristo são capazes de ousar tudo, prontos para sofrer por sua causa.

Nosso amado Deus e Pai, por seu Espírito Santo, nos queira conservar sob essa pregação pentecostal, dando-nos um coração grato, assim que possamos permanecer nela, por amor de Jesus Cristo, o nosso Senhor.

Amém.


10 Sermões sobre o Credo - Martim Lutero

Prefácio de Lindolfo Weingärtner

O Primeiro Artigo do Credo Apostólico

Mateus 6.24-30

O Segundo Artigo do Credo Apostólico

Lucas 2.1-14
Lucas 22.7-20
João 19.13-30
Marcos 16.1-8
Lucas 24.13-35
Marcos 16.14-20
Mateus 25.1-13

O Terceiro Artigo do Credo Apostólico

Atos 2.1-13
João 10.12-16
  


Autor(a): Martim Lutero
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 13
Título da publicação: 10 Sermões sobre o Credo / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1987
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 28387
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