ASPECTOS TEOLÓGICOS DA AÇÃO SOCIAL EM LUTERO
Martin N. Dreher
1. ALGUMAS COLOCAÇÕES INICIAIS
Nosso tema tem uma formulação positiva. Ele afirma, positivamente, que há uma ação social da Igreja, entendida como santa, católica e apostólica. Parte dessa Igreja santa, católica e apostólica é a Igreja Luterana. Nessa Igreja Luterana existem algumas dificuldades consideráveis, quando se trata de falar de uma ação social da Igreja. Creio que esta constatação é inegável. Por isso, julgo ser necessário apontar, inicialmente, para as razões históricas dessas dificuldades, antes de partir para os aspectos teológicos da ação social. Com isso, já estou delineando as duas partes maiores destas minhas colocações: nossas dificuldades e nosso compromisso a partir de nossa teologia, de nosso falar de Deus.
Antes de me ocupar com estas duas partes, permitam-me, ainda, alguns poucos outros comentários que nos querem auxiliar. No capítulo 3, verso 16, do Evangelho de João encontramos uma palavra que nos é por demais conhecida: ¨Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vi.- da eterna.¨ Essa palavra é repetida, quase que com os mesmos termos, em 1 Jo 4.9: ¨Nisto se manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele.¨ Tais palavras foram formuladas em uma época na qual boa parte da religiosidade, gnóstica sobretudo, afirmava seu desprezo pelo mundo. As palavras da teologia joanina, no entanto, vão afirmar que Deus não ama apenas o seu Filho. O amor de Deus se dirige e destina ao mundo. Esse amor de Deus pelo mundo, por sua vez, determina o lugar do Filho no mundo. Ele veio para salvar o mundo. Em uma sociedade e em meio a condições filosóficas que nos têm acentuado o individualismo, o Evangelho divino quer reacentuar que o amor de Deus se destina ao mundo, à criação como um todo. Não é por acaso que no prólogo joanino se vai acentuar o valor, a grande importância da criação divina, pois ela foi criada através, por meio e com a colaboração do Verbo, do Filho: ¨Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.¨ (Jo 1.3.)
Interpretando Jo 3.16, Lutero soube dizer com grande clareza quem é o mundo amado por Deus, o mundo ao qual Deus presta seu serviço, enviando seu Filho:
Donde vem que o mundo mereça tal amor de Deus? Ele é a noiva do diabo e inimigo de Deus e o maior blasfemador de Deus. Depois do diabo, nosso Senhor Deus não tem maior inimigo do que a nós, porque fora de Cristo somos filhos do diabo. (...) O mundo nada mais é do que um amontoado de pessoas que não crêem em Deus, que chamam a Deus de mentiroso, escarnecem de Seu nome e de sua palavra, são desobedientes a pai e mãe, adúlteros, traidores, ladrões e gozadores. Está diante dos olhos que são pura infidelidade, blasfêmia, etc, que dominam o mundo. A uma tão querida noiva e filha, que é inimiga de Deus, Deus dá o seu Filho!
Um pouco mais adiante, depois de haver descrito o mundo objeto do amor de Deus, Lutero vai exclamar
Não deveríamos amar àquele e confiar naquele que tira os pecados e que ama o mundo com todos os seus incontáveis pecados?1
Qual a posição do cristão diante de tal mundo, de tal ¨noiva¨? Quer me parecer que, na maioria das vezes, o cristão opta por uma postura monacal de fuga do mundo, entregando-o ao diabo. Não foi essa a postura de Lutero. Há uma palavra apócrifa de Lutero segundo a qual ele teria dito que se soubesse que o mundo terminaria amanhã, plantaria ainda hoje uma macieira! Para muitos, esta posição é ilógica, desperdício de tempo. Para Lutero, certamente, essa palavra seria consequência de um testemunho claro e inequívoco: Deus amou justamente este, e não um outro mundo. Se este é o mundo amado por Deus, sua ¨boa criação¨, então não deve ser entregue ao diabo. Antes, como vanguarda do Reino de Deus, os cristãos são chamados a lutar contra o diabo pela preservação do mundo criado e amado pelo Pai de Jesus Cristo, aquele que se deu em favor desse mundo. Outros tantos cristãos optam por uma postura pietista-idealista. Partindo da busca por perfeição cristã, os pietistas vão acentuar o indivíduo cristão, o qual deve ser levado pela educação ao novo nascimento. Através dessa renovação o mundo será modificado, passando a ser a soma dos indivíduos renovados. Mundo renovado através de indivíduos renovados. No pietismo não temos mais, como em Lutero, a tônica da preservação do mundo ante os poderes demoníacos. Consequentemente, vai surgir do pietismo a conversão no lugar da justificação. O acento vai estar no ¨novo homem¨. Assim, os pietistas vão estar cheios de esperança em relação ao mundo. Buscam a cristianização do mundo, numa forma de utopia cristã. A obra de Felipe Jacó Spener, Pia desideria, é um bom exemplo para isso. A ¨Christianopolis¨ de João Valentim Andreä é um objetivo a ser alcançado. Nestes autores existe a convicção de que a santificação individual é mais forte do que o pecado, de que a perfeição vence por sobre o desespero surgido com as contínuas falhas humanas. Em última análise, não encontramos mais neles a radicalidade de Lutero e da fé na justificação que partia do pecado, do demoníaco, que ameaça o mundo e o ser humano, que não só produz erros, mas também é capaz de destruir ao ser humano e ao mundo.
Com essas colocações iniciais estou a indicar que pretendo expor minhas considerações, apoiando-me em Lutero. Aqui é necessário que se faça mais uma observação. Como é sabido, Melanchthon e seus discípulos tiveram uma formulação bastante estreita da doutrina da justificação, entendida como sentença absolutória ou perdão dos pecados. Melanchthon e seus discípulos não conseguiram preservar a concepção de justificação que encontramos em Lutero e que inclui a renovação do ser humano todo. Esse aspecto também não foi preservado na Fórmula de Concórdia, que se mantém na linha de Melanchthon, sem reconduzir a Lutero.
2. NOSSAS DIFICULDADES NA AÇÃO SOCIAL
No final do século XIX comparavam-se as igrejas calvinistas com Marta, dizendo que elas estavam orientadas para a ação. As igrejas luteranas, por seu turno, eram comparadas com Maria, por causa de sua piedade quietista: sabem acerca do caminho para a liberdade da culpa do pecado, através da justificação, mas não sabem libertar do poder do pecado. Esse tipo de colocação pode ser encontrado até os nossos dias. . Quais as causas dessa situação, principalmente nas duas maiores igrejas luteranas brasileiras?
Nossas dificuldades na ação social começam em 1525. Nesse ano acontece a catástrofe da Guerra dos Camponeses. Após a catástrofe, Lutero pede à autoridade civil que assuma a reforma em suas mãos. Surge, assim, o ¨episcopado supremo do senhor territorial¨. Todo monarca passava a ser concomitantemente bispo da Igreja em seu território, podendo dispor dos pastores e servidores eclesiásticos como quisesse. O mesmo vaie em relação aos crentes leigos. Lutero esperava que essa situação de governo da igreja fosse uma coisa transitória, mas ela veio a ser sancionada pela paz de Augsburgo, de 1555. Desde então o luteranismo passou a ter um caráter nitidamente provinciano, pois ficou limitado às fronteiras dos diversos principados e cidades. Sua expansão só ocorrerá como consequência das crises econômicas que se fizeram sentir na Europa Central e na Escandinávia e que levaram à migração de grandes partes da população alemã, dinamarquesa, sueca, norueguesa e finlandesa. Essa migração, ocorrida 300 anos após o início do movimento luterano, não alteraria o caráter provinciano de nossas igrejas luteranas. Por outro lado, como o senhor territorial fosse bispo em seu território, passou a haver controle de todos os meios de formação e de opinião pública. Escola, púlpito e cátedra estavam nas mãos do senhor territorial. Aos súditos foi deixada a religiosidade interior, que nada mais tinha a ver com a vida na sociedade. A ¨ação social¨ era coisa do príncipe, o qual falava pelo corpo social e pelo corpo de Cristo. Para os teólogos ficaram contendas teológicas, levadas, inclusive, aos púlpitos, para o desespero das congregações, as quais nada podiam fazer com esse ¨evangelho¨. O movimento pietista tentou ser uma espécie de reação a esse estado de coisas. Houve pietistas protestando contra o ¨episcopado supremo do senhor territorial¨, outros, como Augusto Germano Francke, chegaram a esboçar tentativas de transformação social, mas também aqui o Estado soube manter seu controle. O rei prussiano, por exemplo, tornou-se pietista e reservou a ¨ação social¨ para si, aos pietistas deixou a piedade... Da Prússia também sabemos que no século passado, pouco antes de os primeiros contingentes de luteranos se dirigirem ao Brasil, Frederico Guilherme III ordenou que se estudasse liturgia e música sacra com a finalidade de ¨acorrentar os membros das comunidades aos cultos, e assim solapar de antemão qualquer pensamento revolucionário e perigoso¨. Dizia o rei prussiano que a liturgia é para a comunidade o mesmo ¨que a parada para o exército¨, faz com que os membros acertem o passo! Com essa finalidade ordenou, ainda, que cada congregação protestante em seu território contratasse um professor que ensinasse a congregação a cantar. Quem canta, seus males espanta, não pensa, é bom súdito...! Neste sistema, onde todos os aspectos da vida do crente são controlados, surge o ¨bom¨ luterano, súdito fiel, sempre disposto a se submeter à autoridade, que usa a escola, o púlpito e a cátedra teológica para reproduzir súditos fiéis. Não é por acaso que, quando, em meados do século XIX, este sistema de governo vier a ruir, a igreja Luterana não terá palavras para a questão social, para a problemática do operário. O luterano Wichern será uma das vozes isoladas, como isoladas serão as palavras de Loehe, de Petry e de Fliedner. A regra será que a Igreja Luterana perderá o operariado. Aliás, entre as igrejas protestantes, os metodistas são os únicos a terem desde o inicio operários entre suas fileiras. No Brasil, o operário alemão imigrante nada quer saber da Igreja Luterana, manifestando-se clara e abertamente contra ela2.
A partir de 1824 luteranos, súditos fiéis, emigram para o Brasil. Como tais vão ser usados pelos governos do Império para diversas finalidades:
a) Auxiliam no branqueamento da raça.
b) Auxiliam na eliminação de nações indígenas.
c) São agentes de segurança nacional, ao povoarem áreas de litígio.
d) Auxiliam na valorização fundiária.
e) São mão-de-obra barata.
f) Constroem e conservam estradas.
g) Criam uma classe média brasileira.
Não me é possível expor em detalhes cada um dos aspectos arrolados, mas espero que os pontos arrolados permitam detectar que ao invés de engajar-se na ação social em favor do outro, o imigrante luterano é usado contra o próximo negro e indígena, e presta-se aos interesses das oligarquias brasileiras, conquistando territórios, valorizando terras, sendo substituto de mão-de-obra escrava, construindo estradas e, principalmente, formando uma classe média brasileira, auxiliando assim a integrar o Brasil no novo esquema do capitalismo mundial3.
Usado politicamente, o imigrante luterano é politicamente marginal, pois vai permanecer à margem da política, por motivos constitucionais até o final do Império. Acostumado a essa marginalidade, o luterano brasileiro vai conseguir dar alguns pequenos passos, muito tímidos, durante a Velha República (1889-1930), quando criará algumas instituições diacônicas: asilo, orfanato, hospital, todas voltadas para os seus fiéis.
Além disso, criará centros de formação escolar, também voltados para as suas próprias necessidades. Aqui se reflete, mais uma vez, o caráter provinciano do luteranismo. De sua marginalidade provinciana os luteranos brasileiros só começam a ser arrancados durante os anos de 1930 a 1945. Nesse período vão ser arrancados violentamente de sua marginalidade política e cultural. O choque dos anos de 1930 a 1945, que não nos cabe descrever aqui, foi altamente salutar para os luteranos. Salutar qua choque, não qua experiência. Em consequência do choque parece haver surgido a consciência de que, permanecendo na situação de marginalidade em que haviam sido colocados, estavam condenados a uma existência sectária. É por isso que a partir de 1945 vai ocorrendo uma paulatina mudança no comportamento luterano, no Brasil. Exemplo disso é o surgimento de uma classe de políticos luteranos, muito pequena é verdade, mas presente.
Importante para o nosso tema parece-me ser o estudo de um aspecto da vida nacional que vai atingir os luteranos a partir de 1960. Desde princípios da década de 1960, os luteranos vão ser atingidos em massa pelo fenômeno do êxodo rural e da migração interna. Começa a surgir um proletariado luterano e grandes contingentes de luteranos vão se ver forçados a deixar suas terras e migrar em direção à nova fronteira agrícola. O problema social entra nas congregações luteranas. Como um todo, as igrejas luteranas vêem-se compelidas a tomar posição na questão da ação social. Ação social não é mais apenas uma questão de indivíduos, mas de toda a Igreja. Se em 1970 as duas igrejas luteranas ainda tinham dificuldades de posicionamento, nos anos seguintes, mesmo que caminhando em ritmos diferentes, é inegável a tomada de posição luterana. Parece-me que esta tomada de posição está ligada a uma redescoberta de Lutero, no confronto com a nossa realidade.
3. AÇÃO SOCIAL COMO ¨NOVA OBEDIÊNCIA¨ EM LUTERO
A ação social de maneira alguma é algo secundário em Lutero. Ela está intimamente ligada a sua compreensão da ética. Quem conhece a vida e a obra do reformador sabe que sua atividade se inicia no campo da ética, da ação na sociedade. Inclusive é importante que se afirme que sua descoberta da justificação passa pela ação, pois quando Lutero in-gressa no convento negro da Ordem dos Agostinianos Eremitas, a 17 de julho de 1505, defronta-se com a justificação por obras da teologia medieval, a qual parte do princípio de que o ser humano tem a capacidade inata e natural de cumprir a vontade de Deus. Em breve, Lutero vai descobrir que normalmente se procuram adaptar as exigências divinas às possibilidades humanas. Em sua época consideram-se o matrimônio, a administração de propriedade, o desempenho de função pública como atividades especialmente propensas para o pecado. Quem quer alcançar a perfeição diante de Deus deve evitar tais âmbitos de vida e de atividade, deve ir viver entre os monii, os monges. Contra estes Lutero vai opor que ¨toda a vida de Cristo foi social e jamais solitária, a não ser quando orava¨ (Christi vita omnino socialis fuit et nunquam solitaria, nisi cum oraret) e dá o adeus aos que afirmam: ¨Bleib gern allein, so bleibt dein Herz rein¨ (WA TR 2,462, no. 4231) — ¨Prefere permanecer só, assim teu coração permanecerá puro.¨ Não se adapta a vontade de Deus às possibilidades humanas, mas vive-se a vontade de Deus no dia-a-dia. Lutando contra a visão que encontra no convento, Lutero vai perguntar: qual é a vontade de Deus?, e vai responder
Primeiro, devemos saber que não há boas obras além daquelas ordenadas por Deus, assim como não há pecado fora daquele proibido por Deus. (WA 6,204.)
Lutero concentra toda a vontade de Deus em um único mandamento: ¨Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento e a teu próximo como a ti mesmo.¨ Isso não é novidade, novidade é a maneira como Lutero vai entender esse único mandamento. Lutero vai constatar que (1) o que Deus exige é exigido de todos da mesma maneira e que (2) o que Deus exige deve ser cumprido por todos. Na primeira constatação desaparece a distinção entre convento e mundo:
Leigos, sacerdotes, bispos e, como dizem, ¨espirituais¨ e ¨seculares¨ no fundo não apresentam qualquer diferença (...) pois somos cristãos iguais, tendo igual Batismo, fé, espírito e todas as coisas.4
Na segunda constatação é feita a descoberta de que Deus exige perfeição5. Isso é, Deus quer que eu faça com alegria o que ele espera de todos. Aqui, Lutero sucumbiu diante de Deus, pois diante de tal exigência não bastavam observâncias exteriores dos mandamentos de Deus. O coração tinha que ser envolvido na ação. Essa nova obediência só podia ser consequência de um novo coração, de um ser humano novo, criado por Deus. (Jr 13.23: ¨Pode acaso o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então poderíeis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal.¨)
Vemos, pois, que a primeira descoberta de Lutero foi a exigência ética. Essa exigência ética não é diminuída para o cristão, ela continua a vigorar para ele. Disso advêm duas coisas importantes: (1) O caminho que leva à salvação não passa pela ação do cristão, pois jamais a ação do cristão vai corresponder ao esperado por Deus. Jamais o cristão vai estar de boa consciência diante de Deus a partir de suas obras6. (2) Também no ser humano justificado a obra é pecaminosa, pois sempre pecamos, enquanto fazemos o bem. Nossas obras só são boas quando envoltas no perdão e na misericórdia de Cristo, só assim elas são agradáveis a Deus (WA 6,206,33).
O texto de um dos hinos de Lutero expressa essa constatação com as seguintes palavras:
As obras nunca poderão
livrar-me do pecado.
O livre arbítrio tenta em vão
guiar o condenado.
Horrível medo me assaltou,
ao desespero me levou,
lançando-me ao inferno! 7
Diante destas palavras, porém, surge para nós a pergunta: se o cristão só pode subsistir diante de Deus por graça, mesmo quando todo o seu fazer for ética e exteriormente correto, será que ainda faz sentido o agir, será que ¨ação social¨ não é uma palavra vazia e sem sentido? Não estariam estas outras palavras de Lutero a apontar nessa direção?
Perante ti não têm valor
virtudes e cuidados;
somente tua graça e amor
absolvem os pecados.
Ninguém se pode enaltecer;
a ti devemos só temer,
vivendo em tua graça.8
Bei dir gift nichts denn
Gnad und Gunst, die Sünde
zu vergeben; es ist doch unser Tun
umsonst auch in dem besten Leben.
Vor dir niemand sich rühmen kann,
des muss dich fürchten jedermann
und deiner Gnade leben.
Por que agir, se tudo é graça? — A pergunta é uma pergunta errada, pois tudo é graça. Por isso, podemos agir, viver, querer, planejar.
A ação do cristão não precisa provocar a salvação, mas tem a salvação como dádiva atrás de si. Isso significa que dele foi tirado todo o medo, toda a timidez, e também todo o peso de consciência e toda a pressão de ter que ser alguém através do que faz. Ele está livre, não para a inatividade, mas para o correto agir:
A liberdade da fé não dá permissão a pecados, também não os encobre, mas dá permissão a que se faça todo o tipo de obras e a sofrer tudo, como é dado. (WA 6,107.)
A consciência de que não são as obras que fazem o cristão não permite que se tire a conclusão de que um cristão também não faça nada, pois o cristão
continua (...) na vida corporal e há de governar seu próprio corpo e conviver com seus semelhantes. Aí é que começam as obras, (...) deixando de lado a ociosidade (...).9
O ser humano bom e piedoso, isto é o justificado por graça e fé, não pode agir de outra maneira do que fazendo boas obras. Vejamos como isso acontece:
a) Na justificação ocorre uma ¨troca maravilhosa¨, através da qual o crente é posto em uma comunhão estreita e pessoal com Cristo:
Não é acaso um lar feliz, que Jesus Cristo, o noivo rico, nobre e justo, se case com uma insignificante rameira, pobre, desprezada e má, tirando-a desta forma de todo o mal e adornando-a com toda espécie de bens?10
Na justificação ocorre comunhão de vida com Cristo, passa a haver algo novo:
E como somos um bolo com Cristo, este age tanto que também entre nós passamos a ser uma só coisa. (WA 12,488,9.)
Agora, a vontade de Deus passa a ser algo querido e não mais pesado para o cristão. Aí ocorreu uma mudança provocada pelo Espírito Santo:
E aí ele [o Espírito Santo] vem e passa pelo coração e faz um outro ser humano, que agora ama a Deus e gosta de fazer o que ele quer (...) aí ele escreve tão-somente chamas ardentes no coração e vivifica-o, de modo que explode em línguas fogosas e mão atuante, e torna-se um homem novo, que sente que tem um outro entendimento, ânimo e sentido do que outrora. E, agora, tudo é vivo, entendimento, luz, coragem e coração que queima e quer tudo o que agrada a Deus. (WA 21,440,4.)
b) A justificação leva à comunhão com outros cristãos. Isso se evidencia especialmente na Santa Ceia, que é o sacramento da comunhão e do amor. Nela, o cristão não é apenas unido com Cristo, mas a todos os cristãos. Na Ceia, os outros podem experimentar-me, assim como experimentei a Cristo. Aqui é impossível que alguém viva apenas para si:
Amaldiçoada e maldita do inferno seja a vida que vive somente para si; pois é pagã e não cristã. Os pecadores que têm suficientemente parte em Cristo, têm que seguir o exemplo de Cristo e do fundo de seu coração fazer o bem ao próximo.11
Os filhos de Deus não fogem da companhia dos maus, eles os procuram, para que os possam auxiliar. Eles não querem entrar sozinhos no céu, mas levar consigo para dentro os maiores pecadores, desde que queiram. (WA 1,397,29.)
c) O Deus que nos justifica em Cristo e que age em nós pelo Espírito Santo é um Deus ativo. Também Cristo continua agindo junto a e nos seus. Por isso, também o crente está em movimento. Sua vida é concretização da fé. Ele é instrumento através do qual Deus realiza sua obra na terra. Onde há verdadeira fé, aí também há ação, e quanto mais fé há, tanto mais ação há. Deus não dá a ninguém a graça para que fique inativa e não seja posta a serviço de alguém (WA 10/1/1,269,19).
d) Cada cristão é chamado a aumentar a herança que lhe foi dada pelo Pai e a preservá-la. Nesse sentido ele é responsável pelo seu próximo, chamado a auxiliá-lo a melhorar e a preservar o que tem, a assumir suas funções na profissão, na família, na Igreja e no Estado. Os dons que possuímos devem ser colocados a serviço. A importância que esse fazer e agir do cristão, no aumento e preservação da herança confiada por Deus, tem para Lutero evidencia-se na conhecida expressão de que nos devamos tornar um Cristo para o outro12. A questão fica, no entanto, mais evidente ainda, se observamos uma outra expressão cunhada por Lutero: ¨tornar-se um Deus para o outro¨.
Somos Deus através do amor, que nos torna caridosos em relação a nosso próximo; pois natureza divina nada mais é que pura caridade. (WA 10/1/1,100,18.)
Nessa citação temos talvez o melhor exemplo para a importância da ¨nova obediência¨ na teologia de Lutero. Enquanto em tempos anteriores se entendia a semelhança com Deus na obtenção da imortalidade, no domínio das paixões, na união com o divino, através da experiência mística, em Lutero a semelhança com Deus significa caridade em relação ao semelhante. Isso significa que a justificação leva a uma melhora da qualidade de vida. As obras, que já não são mais obras que devem ser realizadas por exigência da lei, mas por causa da graça, são concretização, evidenciação da fé. Uma fé sem obra é inadmissível, é morta. Isso, que pode ser visto como cópia de Tiago, é Lutero.
e) A salvação obtemos por graça de Deus, somente pela fé, em confiança. Esta fé leva a um serviço ao próximo. A ¨nova obediência¨ é sinal de que a fé é fé. As boas obras são obras da graça, sinais da atuação da graça:
Onde as obras não seguem, ar é certo que a fé em Cristo não mora em nosso coração, nós estamos completamente mortos. (WA 39/1,42,20)
As obras da graça são necessárias (...) para que glorifiquem a Deus Pai, que está nos céus, para que sirvam ao próximo. (WA 39/1,224,1).
f) Finalmente, o cristão justificado vive entre os tempos. Lutero tem a convicção de que o Dia do Senhor irromperá a qualquer hora, pois Satanás está à solta. A defesa que a Cúria e o poder papal apresentam para a prática da venda de indulgências estão a evidenciar que o anticristo vem vindo. Isso lhe deu a convicção de que nunca a Igreja esteve tão mal. Por outro lado, observando as autoridades de seu tempo, Lutero viu que nunca o mundo esteve tão mal. Vê que Satanás não se contenta apenas em invadir a Igreja; ele também quer governar o mundo, para destruir a criação de Deus, para reintroduzir o caos que havia antes da criação. O tempo em que ele está vivendo não é apenas tempo de permanecer firme na fé, mas também tempo de sobreviver no mundo. Lutero não entrega a Igreja e o mundo ao caos. Os cristãos estão em perigo, mas contam com defesa; são atacados, mas não estão sem defesa. Onde o Evangelho é pregado, há a possibilidade de se sobreviver aos ataques de Satanás, ali o mundo pode ser melhorado. O tempo é de melhoramento, ¨Besserung¨.
Dentro dessa perspectiva de que o cristão não entrega nem a Igreja, nem o mundo ao diabo, pois são boas obras de Deus, Lutero vai lutar por boas obras. Nas 95 teses, de 31 de outubro de 1517, Lutero vai gritar aos cristãos: boas obras são melhores do que indulgências!
Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus. (Tese 45.)13
Lutero luta por boas obras, não como méritos diante de Deus, mas como serviço necessário ao mundo e a suas instituições. O professor de Wittenberg é um profeta de penitência, sem dúvida, mas não de penitência monástica. Sua pregação não é ascética, distanciada do mundo. Não pretende transformar o mundo em um convento. Sua pregação destina-se ao mundo para que o mundo permaneça e seja o que é: a boa criação de Deus. Sua ética não é ética válida para todos os tempos, mas ética de sobrevivência em tempo difícil. É ética no contexto de caos e de perigo, não é lei, mas adaptação à necessidade da época. O cristão vive entre a raiva do diabo e a ira de Deus, entre o poder do caos e o juízo que vem; por isso, o tempo que lhe resta deve ser usado para proteger a criação, o campo em que vivemos, com todas as forças. Até a hora derradeira, o ser humano tem a incumbência de cuidar do mundo de Deus. Nisso ele é cooperador de Deus. Aos que fugirem desse compromisso, Deus castigará, mesmo que tenham mandado rezar muitas missas, participado de peregrinações e lutado contra hereges. Correr atrás da salvação e abandonar família, casa e lar, a política, não é boa obra. Aí quem se alegra é o diabo, pois nós o ajudamos a promover o caos. O diabo faz festa quando o cristão pára. Lutero transfere o alvo da ética cristã do céu para a terra. Boas obras produzem salvação, a salvação da sobrevivência em um mundo em perigo. Só a partir daí se pode compreender toda a abrangência da ação social de Lutero, que vai dos sapatos ao imperador. ¨comida, bebida, vestes, calçados, casa, lar, campos, gado, dinheiro, bens, consorte piedoso, filhos piedosos, empregados bons, superiores piedosos e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, leais amigos, vizinhos fiéis, e coisas semelhantes¨14.
Lutero é o teólogo da vida cristã entre os tempos. Sua ação social é atualização da mensagem cristã da vinda iminente de Deus. Por isso são proverbiais as palavras a ele atribuídas de que se soubesse que o mundo terminaria amanhã, plantaria ainda hoje uma macieira; não entregaria, hoje, no último dia, a boa criação de Deus ao caos, ao diabo; viveria como um justificado por graça e fé.
Na teologia de Lutero aprendemos que somos justificados sem obras, mas que nossa vida cristã produz obras. Onde Cristo nos pega o coração, aí surge a ação correspondente, a nova obediência
4. A FEIÇÃO DA AÇÃO SOCIAL COMO ¨NOVA OBEDIÊNCIA¨ EM LUTERO
Creio que nos deve ter ficado mais que claro que o cristão não é um ser inativo, mas que ele age. Mas o que faz o cristão?
A primeira e mais 'alta, mais nobre boa obra é a fé em Jesus Cristo. (...) pois nessa obra têm que estar resumidas todas as obras. (WA 6,204.)
Ao lado da fé temos o amor. A fé se dirige a Deus, o amor se dirige ao próximo:
Pela minha fé já possuo todas as coisas em Cristo. Vede como da fé fluem o amor e o gozo em Deus, e do amor emana, por sua vez, uma vida livre, disposta, alegre, para servir ao próximo sem olhar para recompensa.¨15
Fé e amor. Com essas palavras estão indicados os dois pólos entre os quais acontecê vida cristã.
A. A ação da fé
a. A oração na ação da fé
Lutero considera a oração como um exercício todo especial da fé.
A oração é um exercício especial da fé, a qual toma a oração tão agradável que ou ela se cumpre ou recebemos algo melhor do que pedimos. (WA 6,232.)
A oração não é algo que o cristão possa fazer quando quiser. Ao contrário, é uma ordem de Deus:
O que e por que pedimos, devemos considerá-lo como exigido por Deus e feito em obediência a ele. E cumpre pensemos assim: ¨Em quanto a mim, nada seria; deverá valer, isto sim, porque Deus o ordenou.¨ De sorte que cada um, seja qual for sua petição, sempre deve ir à presença de Deus em obediência a esse mandamento.16
Na oração devem ser incluídos nossos pecados e fraquezas, bem como as necessidades do próximo e da Igreja. Quem não pensar nas necessidades do próximo, peca contra o amor:
Pois Cristo não perguntará no dia final o quanto oraste por ti, o quanto jejuaste, peregrinaste, fizeste isto ou aquilo, mas o quanto fizeste pelos outros, os mais insignificantes. (WA 6,242.)
b. O sofrimento na ação da fé
Na ação da fé podemos aprender a arte de crer que, mesmo quando as coisas estão difíceis, quando passamos por necessidades do corpo, perdemos bens, honra e amigos, Deus está conosco. Deus parece estar oculto, mas está me vendo e não me abandona (WA 6,208). No hino, Lutero canta:
O Verbo eterno vencerá
as hostes da maldade.
As armas, o Senhor nos dá:
Espírito, Verdade.
Se a morte eu sofrer,
se os bens eu perder:
que tudo se vá!
Jesus conosco está.
Seu Reino é nossa herançal17
Das Wort sie sollen lassen stahn
und kein' Dank dazu haben;
er ist bei uns wahl auf dem Plan
mit seinem Geist und Gaben.
Nehmen sie den Leib, Gut,
Ehr, Kind und Weib;
lass fahren dahin,
sie habens kein' Gewinn,
Das Reich muss uns doch bleiben.
c. A ausência de acepção de pessoas na ação da fé
Onde a verdade e a justiça são violentadas, aí a fé é ativa, resistindo à injustiça. E ela não resiste apenas quando ricos, poderosos ou amigos são atingidos, mas, principalmente, onde pobres, desprezados ou inimigos(!) são atingidos. Lutero aponta para o Salmo 82: ¨Até quando julgareis injustamente, e tomareis partido pela causa dos ímpios? Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado. Socorrei o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios.¨ (Cf. WA 6,226s.)
d. Não há distinção de obras na ação da fé
As boas obras são boas por causa da fé. Com isso torna-se impossível distinguir entre as obras. Não há distinção entre obras espirituais e mundanas. Tudo é espiritual, pois o cristão faz a obra de Deus; tudo é mundano, pois está a serviço da preservação do mundo que é boa obra de Deus. A mais insignificante obra de um cristão é espiritual, pois acontece a serviço de Deus. Tudo é ¨Beruf¨, vocação/profissão.
e. A ação da fé vive do perdão
Muitos cristãos permanecem inativos por medo de que venham a pecar. A estes Lutero afirma: Não tentes ser um não-pecador. És pecador; quando agires, pecarás. Caso deixares de agir, por medo ao pecado, também pecarás.
Numa carta a Melanchthon, Lutero escreve:
Deves ser um pecador, e peca valentemente; crê, porém, mais valentemente e alegra-te em Cristo, o qual é o vencedor sobre pecado, morte e mundo. Enquanto estivermos aqui, teremos que pecar (...). Ora valentemente, também como um pecador mui valente. (WA Br 2,370-3, no. 424.)
O cristão age, confiadamente, sabendo do perdão obtido por Cristo. A ação da fé, a nova obediência, produz cristãos livres, confiados, dispostos. Ela afasta de si todo perfeccionismo doentio, considerando-o blasfêmia contra Deus, pois desconhece a vontade e a graça de Deus.
A essa ação da fé corresponde a ação do amor. Esta ação do amor não é apenas mandamento de Deus. Ela é uma possibilidade, por causa da experiência do amor de Deus, que aceita o pecador. Este amor não é mera simpatia, mas ¨uma vida livre, disposta, alegre, para servir ao próximo sem olhar para a recompensa¨18. Toda a ação do cristão está sob o mandamento de que sirva à comunidade e ao próximo. É possível, a partir disso, que se tracem algumas linhas mestras para a ação do amor.
B. A ação do amor
a. A revelação da vontade de Deus e a ação do amor
A ação do amor está orientada nos mandamentos de Deus, como os encontramos no Decálogo, o qual é expressão da vontade original do Criador. A vontade do Decálogo é também a vontade de Cristo: que não nos vinguemos, que o marido providencie alimento para a esposa e os filhos, que revidemos o mal com o bem. Isso significa que para o cristão não há nada de especial a fazer. Dele se espera apenas o normal, o natural, o racional: o mandamento do amor. Dentro dessa ¨normalidade¨, o cristão está chamado a atualizar o Decálogo, assim como Cristo e os apóstolos criaram ¨novos decálogos¨. Estes ¨novos decálogos¨, porém, não são formulações arbitrárias da imaginação humana, mas aplicação concreta daquele um Decálogo e da orientação do Novo Testamento. Nesse compromisso de atualização do Decálogo na situação concreta em que vive, o cristão pode incorrer no erro de ser arbitrário. Por isso, Lutero recomenda que a palavra de Deus, a oração e a fé estejam de tal manei-ra presentes na vida do cristão que a vontade de Deus, afinal, more den-tro dele.
b. A vocação/profissão e a ação do amor
A ação do amor adquire forma e expressão naquele lugar ou situação em que o cristão se encontra: no matrimônio, na família, na profissão, na vizinhança. Um cristão sempre vai estar em mais de uma situação. Estas situações são lugares que lhe foram designados por Deus, são vocação de Deus, pois através delas Deus mantém e preserva a sua criação (WA 31/1,410,2). A mãe, o comerciante, os pais, o soldado, o varredor de ruas, o ministro servem a Deus na fé e ao próximo em amor. Com isso ocorre uma tremenda valorização da vida natural. Não se necessita mais fugir de matrimônio, trabalho, propriedade para servir a Deus. Para ser santo ninguém precisa fugir de sexualidade, comida, sono. Também a moda, o corte de cabelo, o tipo de dança não tem poder salvífico. O cristão é santificado pela fé. Lutero não é contra o celibato — através dele também se pode servir Lutero não é contra a pobreza como opção, desde que com ela se ponha a vida a serviço do próximo. Comer, beber, vestidos, penteados são neutros, mas nem sempre os cristãos souberam compreendê-lo. Que fazer em tal situação? Lutero diz: que não se desprezem tais cristãos, pois ainda não conhecem a liberdade da fé, devem ser tratados como os doentes. Mas, ai deles, quando tentarem transformar sua posição em lei e impô-la como distintivo de fé a outros. Aí é necessário resistir (WA 6,214s.).
c. Propriedade, trabalho, função pública e a ação do amor
Tudo o que o cristão é e tem, seus bens e suas capacidades, estão a serviço do amor, pois com o que é seu o cristão é chamado ao serviço. Isso vale com respeito à propriedade, vale com relação ao trabalho. Lutero fez estas observações em uma sociedade que estava alterando os valores fundiários e monetários. Soube falar da propriedade que é roubo, quando não está a serviço, soube falar contra os ganhos de capital. Da mesma maneira, vendo a falsidade que há no mundo caído não cessou de acentuar a necessidade e o compromisso de o cristão assumir função pública como serviço de amor. Por causa do amor, o mundo, o Estado, a economia não podem ficar entregues a si mesmos. O cristão está nestas esferas, não com uma dupla moral, mas sob o duplo mandamento de fé e amor, e deve procurar, sob o mandamento de Deus e sob a orientação do Espírito, descobrir como o amor se concretiza. Como esse amor não su-porta a injustiça e quer o bem do próximo, não consegue ver a estrutura social na qual se encontra como uma ordem social eterna, mas como uma estrutura que sempre deve ser melhorada.
5. CONCLUSÃO
Creio que pudemos constatar que a ação do cristão em sociedade e para o bem da sociedade não é algo secundário ou até mesmo dispensável. Pelo menos em Lutero não. Necessitamos da justificação, porque temos que agir como pecadores em um mundo pecador. Concomitantemente, a justificação possibilita uma nova ação, uma ação obediente, no mundo. Esta ação é determinada pela fé e pelo amor. Fé e amor têm uma coisa em comum: ambos vivem fora de si. A fé vive em Cristo, o amor vive no próximo. Assim, a ação obediente do cristão existe extra nos. Lutero usa só poucas vezes a palavra ¨obediência¨. O termo ¨nova obediência¨, tomei-o de Melanchthon na Confissão de Augsburgo. Lutero não usa muito seguido este termo, pois a ação cristã acontece sem pressão. Ela acontece em liberdade. Não acontece por medo, mas tem sua origem na alegria. Não acontece por lei, mas por graça. É concretização da fé em amor. Ela nos tira do medo, da desesperança, da estreiteza, da fuga, do desnorteamento para uma alegre vida no mundo, criado por Deus, pois é tempo de plantar macieiras.
Notas
1 MÜLHAUPT, Erwin, ed. D. Martin Luthers Evangelien-Auslegung; vierter Teil; das Johannes-Evangelium mit Ausnahme der Passionstexte. Bearbeitet von Dr. theol. Eduard Ellwein. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1954, p. 170s.
2 CL DREHER, Martin N. Luteranismo e participação política. In org. Reflexões em torno de Lutero. v. 2. São Leopoldo, Sinodal, 1984, p. 121-32.
3 CL meu estudo, O protestantismo mineiro do século XIX. Estudos teológicos, São Leopoldo, 25(1):77-86, 1985.
4 LUTERO, Martim. Da liberdade cristã. São Leopoldo, Sinodal, 1979, p. 81 e 83.
5 Cf. HOLL, Karl. Der Neubau der Sittlichkeit. In Gesammelte Aufsätze zur Kirchengeschichte; v. 1: Luther. 6. ed. Tübingen, Mohr, 1932, p. 176s.
6 Cf. ALTHAUS, Paul. Die Ethik Martin Luthers. Gütersloh, Gerd Mohn, 1965, p.11s.
7 Cristãos, alegres jubilai. In: Hinos do povo de Deus; hinário da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo, Sinodal, 1981, nu 155, v. 3.
8 Das profundezas clamo a ti... In: idem, n2 147, v. 2.
9 LUTERO, Martim. Da liberdade cristã (nota 4), p. 30.
10 Ibid., p. 20.
11 Pregação sobre João 3.16-21, proferida em 9/6/1522. In: MÜLHAUPT, Erwin, ed., op. cit. (nota 1), p. 163.
12 Cf. LUTERO, Martim. Da liberdade cristã (nota 4), p. 42.
13 Debate para o esclarecimento do valor das indulgências. In: LUTERO, Martinho. Obras selecionadas; volume 1: Os primórdios; escritos de 1517 a 1519. São Leopoldo, Sinodal; Porto Alegre, Concórdia, 1987, p. 26.
14 Cf. a explicação da quarta petição do Pai Nosso. In: COMISSÃO INTERLUTERANA DE LITERATURA, ed. Livro de concórdia; as confissões da Igreja Evangélica Luterana. Tradução e notas de Arnaldo Schüler. São Leopoldo, Sinodal; Porto Alegre, Concórdia, 1980, p. 374.
15 LUTERO, Martim. Da liberdade cristã (nota 4), p. 42s.
16 Introdução ao Pai Nosso. In: Livro de concórdia, (nota 14), p. 458.
17 Deus é castelo forte e bom... In: Hinos do povo de Deus (nota 7), n2 97, v. 4.
18 LUTERO, Martim. Da liberdade cristã (nota 4), p. 43.
Voltar para Índice de Reflexões em torno de Lutero