Por que Deus não castiga?

As crises são purificadoras!

09/08/2020

 

1 Reis 19.9-18
Mateus 14.22-33
Estimada Comunidade,
Estimados ouvintes da radiowebluteranos.com

O profeta Elias é uma das grandes figuras do Antigo Testamento. Elias sempre foi uma pessoa forte e vigorosa. Ele fez chover no tempo de seca, mas também já fez parar a chuva e o orvalho (17.1). Fez milagres, ressuscitou uma criança morta (17.8-24). Certo dia pediu que caísse um fogo do céu que consumiu um sacrifício (18.38) e depois eliminou os seus opositores (2 Rs 1.9ss.). Mas, agora, no texto que acabamos de ouvir é tudo ao contrário. Elias apresenta-se como um fracassado, um angustiado, cheio de dúvidas e frustrações. O que aconteceu na vida de Elias para que ele entrasse em tamanha depressão?

Como era a vida no lugar onde Elias vivia?
Elias viveu a quase 850 anos antes de Jesus. Naquele tempo Israel vivia um período de prosperidade econômica.
A política do rei Acabe consistiu em buscar apoio principalmente das atividades comerciais conduzidas pela classe alta da sociedade. Em nome da prosperidade econômica Israel recebeu pessoas de todas as partes. O comércio trazia riqueza. As pessoas de outros povos traziam também seus deuses e sua religião. Se é para ter prosperidade, que mal tem adorar outros deuses, diziam os comerciantes. Nessa diversidade de deuses, o profeta Elias via que a população gostava mais de adorar ao deus Baal do que a Javé - o Deus de Israel. Elias se chateia com isso e pergunta ao povo: Até quando mancareis para os dois lados? (l Rs 18.21).

Mas, o culto a Javé foi perdendo espaço. No culto a Javé lembrava-se do Êxodo, falava-se do Deus ouve os clamores do povo, um Deus que vai adiante deles na luta pela libertação, um Deus que é contra a opressão, a escravidão, um Deus que quer uma sociedade solidária, justa e fraterna. Mas essas coisas pareciam não ser mais importante para as pessoas. Por isso, muitas pessoas deixaram o Deus de Israel para trás e foram para o lado do deus Baal, do deus da prosperidade econômica.

O culto ao deus Baal era bem mais frequentado. Baal era um deus agrário e no seu culto se celebrava a fecundidade da terra, animal e humana. A fertilidade promovia a economia e o consumismo. Para a classe comerciante quanto mais produtos, mais lucro e para o rei isso significa mais tributos. Por isso, o rei Acabe defende o culto a Baal, que além de prometer o povo o pão de cada dia e também prometia mais tributos.
Para mostrar que o deus Baal não controla nada, Elias anuncia uma seca (l Rs 17.1). E aí isso começa uma briga entre Elias e Jezabel , a esposa do rei Acabe, que era defensora do culto a Baal. Elias foi acusado de não ser patriota, de sabotador, de querer que as pessoas morram de fome. Enquanto ambos brigavam entre si, com a queda da produção os preços subiam. O rei, no entanto, só pensava em apoiar os grandes comerciantes dos quais vinham os impostos.

Com a prosperidade econômica de Israel, o deus Baal fez com que as pessoas abandonassem a utopia de uma sociedade justa e fraterna. A utopia de uma sociedade solidária foi substituída pelo consumismo e por práticas cultuais devassas, que reduziam mulheres, homens, animais e a terra a meros objetos de reprodução.

No entanto, mesmo que Elias tivesse sido muito claro em sua critica ao deus Baal e tivesse feito várias demonstrações que o poder de Baal é fraco, mesmo assim, o povo não queria saber. O culto a Baal era mais sedutor. E assim, a camada majoritária da população, rendeu-se às promessas do deus Baal. Depois de muitos conflitos, Elias joga a toalha. Ele se rende. Decide largar tudo com a justificativa: ”Só eu sobrei!”

A volta às origens
Elias se retira, vai para o monte Horebe – que nós conhecemos também como monte Sinai. Esse é o local da revelação de Javé. Foi ali que Moisés conheceu o Deus que vê, que ouve, que conhece o clamor e a aflição de seu povo e que desce para livrá-lo (Êx 3.7s.). Foi ali que se estabeleceu a aliança entre Javé e seu povo (Êx 19.1ss.), dando-lhes a Sua lei, reveladora de Sua vontade (cf. Êx 24; 33). No monte Horebe/Sinai, Elias vai em busca de seu Deus, no momento de sua maior frustração.

Estando ali em Horebe, Elias ouve a voz de Javé: Que fazes aqui, Elias? Deus bem sabe por que Elias estava ali. Mas era necessário que Elias mesmo expressasse a razão de sua busca por Deus. E aí Elias conta sua história, de como a prosperidade econômica fez as pessoas adorassem ao deus Baal. Elias espera que Deus tome as dores de seu profeta e castigue o povo que virou as costas para Javé.

Mas a resposta de Javé a Elias é outra. Deus mostra a Elias três fenômenos naturais. A ventania, o terremoto e o fogo. Esses fenômenos eram considerados manifestações da ira de Deus. A Ventania era um instrumento ameno do juízo de Deus (Jó 1.19; Jr 4.11-13; Ez 13.11-13; Jn 1.4; Ex 10.13; Sl 11.6). O Terremoto era um instrumento mais forte do juízo de Deus (Ez 38.18-23; Mt 27.52). E o Fogo era um instrumento por excelência do juízo de Deus (Gn 19.24; Ml 3.19; Is 66.15s; Ez 38.22 e 39.6). No entanto, Deus mostra a Elias que ele não está em nenhum desses três. A ausência de Deus nesses fenômenos deixa bem claro que Deus não deseja a morte de ninguém, ainda que seja um povo incrédulo e desobediente.

Elias deve ter ficado decepcionado. Ele esperava uma atitude de vingança de Deus. O que Deus vai fazer para castigar esse povo que trocou de utopia, que trocou de horizontes, que abandonou o compromisso de construir uma sociedade fraterna e justa por rituais de fertilidade? O que Javé vai fazer?
Estabeleceu-se um grande silêncio. Um silêncio audível. Só depois desse silêncio é que Elias ouviu outra vez a voz de Deus. Quando nada mais parece audível, quando ficamos sem palavras, quando parece que não tem mais esperança – só então a voz de Deus se faz ouvir. E Deus pergunta outra vez: Que fazes aqui, Elias?

Elias já sabia que Deus não iria castigar nem o rei, nem o povo. Mas mesmo assim, ele conta outra vez a sua história. Elias já entendeu que a presença de Deus não está no juízo. Mas Elias quer saber, se Deus vai deixar tudo isso assim mesmo.

E Deus responde dizendo que o povo precisa aprender com suas escolhas. Por isso, ao invés de anunciar o juízo ou o castigo, Deus envia Elias para “ungir” Hazael, Jeú e Eliseu. São lideranças violentas dentro e fora de Israel que prometem garantir a prosperidade econômica, mas eles vão perseguir e matar a qualquer pessoa que discordar deles (quem escapar da espada de Hazael, Jeú o matará. Quem escapar da espada de Jeú, Eliseu o matará). Parece a mesma progressão dos instrumentos naturais (ventania, terremoto, fogo). No entanto, Deus deixa bem claro que a destruição e a matança não são obras de Deus. São consequência das escolhas das pessoas.

As crises são purificadoras
Principamente diante desses textos do Antigo Testamento, Martim Lutero dizia que sempre devemos nos perguntar: O que esses textos tem a ver com Jesus? De que maneira esses textos promovem a Cristo? O que os ensinamentos de Jesus dizem sobre os textos do Antigo Testamento?

Jesus chamava as pessoas a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Façam aos outros o que querem que eles façam a vocês, pois é isso que quer dizer a Lei de Moisés e os ensinamentos dos profetas (Mt 7.12). Mas, quando alguém não aceitava esses ensinamentos, Jesus não rogava praga em ninguém. Quem decidia se afastar do Pai, Jesus simplesmente o deixava ir. Assim foi com o jovem rico, assim foi assim com o filho pródigo (Mt 19.16-30 e Lc 15.11-32). Jesus convidava, mas não obrigava. Quando as pessoas se afastavam da vontade de Deus, Jesus deixa simplesmente que as pessoas experimentem o amargor de suas escolhas. Portanto, Deus não castiga. Como um pai bondoso, Deus apenas deixa que a pessoa siga o caminho que escolheu e colha o que ela plantou.

Em Mt 14.22-33, a comunidade de discípulos no barco, representa bem a imagem de uma igreja que deixa Jesus fora do barco. O barco é ameaçado pelas ondas. Nesse momento, o desespero dos discípulos é enorme. É isso que acontece quando Jesus não está no barco. O desespero nos consome. E de tão apavorados os discípulos nem conseguem ver Jesus estava se aproximando. O medo os aterrorizou. Sem Jesus eles não conseguem ver outra coisa além daquela forte tempestade.

Sem Deus – ou abandonando a vontade de Deus para seguir aos consumismo - cedo ou tarde - caímos no fundo do poço. Sem Deus teremos tanto medo da vida como da morte. Não haverá para onde fugir, nem haverá a quem culpar, exceto a nós mesmos. Quem insiste em deixar Deus fora do barco de sua vida, infelizmente vai em direção ao dia em que ele vai gritar de desespero – e – infelizmente - não haverá quem o ouça.

Por isso, as crises (como essa o coronavírus) não representam o castigo de Deus. Crises são oportunidades de purificação, através das quais Deus quer nos fazer ver que andamos por caminhos equivocados e que necessitamos libertar-nos das falsas teologias, dos falsos deuses, das convicções sociais, políticas e econômicas enganosas e dos horizontes imediatistas.

Até mesmo na igreja ouvimos pessoas dizerem que Deus não tem nada a dizer sobre a vida nos dias de hoje. Que cada um deve viver a vida do seu modo. Que cada pessoa deve ter o direito de viver segundo suas próprias regras, sem se importar com mais ninguém. Quem fala assim – na verdade - já deixou Jesus fora do barco de sua vida. Essa pessoa já criou o seu próprio deus. E – infelizmente - não há quem o faça dar-se conta de seu engano.

Portanto, o que ouvimos hoje da Palavra de Deus foi que Deus não obriga ninguém a obedecê-lo. Quem se afasta de Deus, não vai ser castigado com um raio na cabeça. Deus não é cruel com ninguém. Onde ele não é bem-vindo, ele apenas se retira e deixa que as pessoas sigam suas vidas sem Deus. Mas Deus – como um Pai amoroso, Ele espera que aprendamos com nossas escolhas. Ele espera que nos demos conta que ninguém consegue ir longe na vida, ignorando a vontade de Deus ou deixando Jesus fora do barco.

Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus nosso Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com cada um e cada uma de nós. Amém.

Oração:
Senhor nosso Deus e Pai, que cuidas de nós com amor de mãe. Ensina-nos que no silêncio da humildade escutaremos a tua voz. Ensina-nos a ouvir-te diante dos desafios que nos rodeiam. Rogamos pelo pão de cada dia, mas também necessitamos que reavives em nós os desejos por um mundo mais justo, mas fraterno, mais solidário. Ajuda-nos a amar em vez de odiar, conquistar amigos, responsabilizar-se pelo bem-estar dos outros, enxergar-se a si mesmo nos outros, perdoar as culpas. Essa é a utopia que alimenta a nossa fé em ti. Isso te pedimos em nome de Jesus. Amém
 


Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Paranapanema / Paróquia: Curitiba - Igreja de Cristo
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Testamento: Antigo / Livro: Reis I / Capitulo: 19 / Versículo Inicial: 9 / Versículo Final: 18
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 58136
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