As crianças e a Eucaristia

Artigo

02/02/2002

Segundo a tradição mais recente herdada pelas igrejas do cristianismo ocidental, a participação na Eucaristia só se torna possível para as pessoas a partir de uma determinada idade. Os principais argumentos que sustentam essa norma se baseiam na ideia da necessidade de entender racional e conceitua/mente o que é a Ceia do Senhor antes de poder celebrá-la. Entretanto, existem hoje, em diferentes igrejas, comunidades que estão realizando experiências de Eucaristia com crianças. Consideramos que as razões que induzem e motivam para isso são dignas de ser levadas em conta no momento de pensar e discutir a prática eucarística da própria comunidade.

Com a intenção de promover e facilitar o diálogo e a reflexão sobre esse tema, compartifharemos, por um fado, argumentos a favor da inclusão de crianças na comunidade eucarística; por outro, destacaremos alguns aspectos que devem ser levados em conta no momento de querer implementar experiências desse tipo.

Crianças participam da Eucaristia - por que não?

Nos primeiros tempos da igreja cristã, as pessoas eram admitidas à Ceia do Senhor imediatamente depois de balizadas. Esta prática também se manteve quando a maioria dos batismos passou a ser de crianças (século 5 em diante). Até os dias de hoje, na igreja oriental, depois do batismo as crianças são recebidas e incluídas na comunidade eucarística. Na igreja ocidental, esse costume se manteve até o século 13 (4° Concílio de Latrão, ano de 1215). A partir de então se estabeleceu que a condição para participar da comunhão refere-se a uma instrução mínima, a qual pressupõe certa capacidade cognitiva. A crença é que, antes de participar da Eucaristia, as crianças devem alcançar a maturidade suficiente para professar conceitualmente sua fé.

Examinando a Bíblia, não vamos encontrar argumentos que deponham contra a participação de crianças na Ceia do Senhor. E mais: para Jesus, as crianças são tão capazes de receber o Reino, que ele as coloca como exemplo para seus discípulos: Em verdade vos digo: quem não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele. (Mc 10.15; ver também textos paralelos; Mc 9.33-37 e paralelos; Mc 77.25 e Lc 70.27). Ou seja, para Jesus, receber o reino de Deus não depende da capacidade cognitiva da pessoa. Importantes são a fé, a receptividade e a humildade. E é precisamente de relações de amor e de respeito mútuo que se trata numa comunidade cristã, antes que de conceitos dogmáticos e teóricos. Portanto, a exclusão de crianças da mesa do Senhor, baseada na crença da necessidade de certa capacidade cognitiva, é questionável.

Hoje em dia se sabe que as crianças são capazes de desenvolver uma fé autêntica e genuína. l m -portantes nesse processo são as vivências comunitárias e individuais, muito mais que as explicações teóricas e conceituais. Apesar disso, em muitas comunidades se insiste que os mais pequenos devem prestar atenção nos cultos, os quais estão sobrecarregados com palavras e explicações. Paralelamente a isso se lhes nega a participação na Eucaristia, a qual tem a ver com uma vivência central da comunidade de fé que a criança é perfeitamente capaz de assimilar. A própria celebração da Eucaristia, na medida em que expressa de forma autêntica cada uma de suas dimensões (a comunhão, a reconciliação, o louvor, o agradecimento), se refere a uma experiência que permite a vivência dessas dimensões e, por conseguinte, facilita sua compreensão. Assim, por exemplo, oferecendo a comunhão e a reconciliação através de uma ação e não de explicações teóricas, a Eucaristia permite que elas tomem corpo na vida de cada participante. Neste sentido, diversos autores salientam a importância que pode ter a participação na Eucaristia para o desenvolvimento da fé nas crianças.

Um dos argumentos teológicos mais fortes a favor da participação das crianças na Eucaristia surge a partir do Batismo. Considerando que com o Batismo a pessoa é incorporada no corpo de Cristo, que é sua igreja (1 Co 12.12-13; Gl 3.27), e que através dele participa de sua morte e ressurreição (Rm 6.4, Cl 2.12), qualquer pessoa batizada deveria ser admitida à Ceia do Senhor. Sendo ela a ceia da comunidade de fé, da família de Deus na qual ingressamos pelo Batismo, torna-se difícil justificar a exclusão das crianças balizadas.Durante vários séculos a igreja foi coerente com isso ao incluir todas as pessoas batizadas na comunidade eucarística. Neste sentido, podemos perguntar-nos se as igrejas que hoje em dia excluem as crianças batizadas da comunhão não caíram numa grave contradição e se estão aceitando ou não as consequências do Batismo em sua total radicalidade.

A partir da própria forma de entender a comunidade cristã não como um conjunto de indivíduos, e sim como uma comunidade de irmãos e de irmãs na fé, ou seja, como família de Deus, torna-se problemático excluir as crianças da comunhão de mesa. Família e comunhão se referem a inclusão e participação.

Aspectos a levar em conta ao pensar na admissão de crianças à Eucaristia

Em primeiro lugar, deve-se destacar que o fato de adiantar a idade da comunhão não deve surgir como uma estratégia para reavivar a vida comunitária. Em congregações em que historicamente as crianças têm sido excluídas da Eucaristia, este tema deve ser trabalhado e dialogado amplamente com todos os setores. Ao tratar-se da celebração da Eucaristia, a reflexão e o diálogo deveriam girar em torno da própria prática cultual e da forma de entender a comunidade cristã. Ou seja, é necessário perguntar-se como a congregação entende o fato de ser uma comunidade cristã, como entende e o que é que quer com os cultos e como celebra a Eucaristia. A partir daí pode-se pensar numa ação que busque incluir as crianças na comunhão. Essa ação deveria contemplar o seguinte:

1. Na celebração da Eucaristia devem ser ressaltados a comunhão, o agradecimento, o louvor, a reconciliação e a solidariedade e encontradas formas concretas de expressão. Isto implica, obviamente, uma revisão da própria compreensão e prática eucarística.

2. Para que as crianças possam entender e sentir a celebração eucarística como sua, é necessário que ela respeite seu nível de compreensão e maturidade. Isso não significa infantilizar a celebração. Trata-se de buscar formas litúrgicas que trabalhem a partir de símbolos, de gestos e ações, e de incluir as próprias crianças com tarefas específicas. Esta proposta questiona o elevado valor que comumente se dá à expressão verbal e conceituai nos cultos.

3. Para o desenvolvimento da fé de uma pessoa a experiência comunitária costuma exercer um papel sumamente importante. Neste sentido, são os próprios pais, outros adultos afetivamente próximos ou o grupo de pares que influem na religiosidade das crianças. Por isso, é recomendável que as crianças participem da comunhão acompanhadas por alguma pessoa de referência ou pelo próprio grupo do culto infantil ou da escola dominical. Vale recordar que a comunidade deveria ser a nova família, como o expressou Jesus (Mc 3.31-35 e paralelos).

4. Caso se estabeleça uma idade ideal a partir da qual as crianças podem participar da Eucaristia, voltar-se-ia a argumentar com critérios que se baseiam na capacidade cognitiva da pessoa. A participação deveria depender da própria congregação e da forma como ela entende o fato de ser uma comunidade cristã.

Uma proposta de ação para compartilhar a Ceia do Senhor com crianças poderia estruturar-se a partir da celebração de cultos familiares. Resta a cada comunidade ver, em função de seu contexto e de suas possibilidades, a forma concreta e a regularidade em que irá implementar esses cultos.

Pedro Kalmbach é pastor da Iglesia Evangélica dei Rio de Ia Plata e doutorando no Instituto Ecuménico de Pós-Graduação da EST

 

CONVÉM AS CRIANÇAS PARTICIPAREM DA COMUNHÃO ACOMPANHADAS POR PESSOA DE REFERÊNCIA OU PELO GRUPO Do CULTO INFANTIL


CONSIDERANDO QUE COM O BATISMO A PESSOA É INCORPORADA NO CORPO DE CRISTO, QUALQUER PESSOA BATIZADA DEVERIA SER ADMITIDA À CEIA DO SENHOR.

ENTENDENDO COMUNIDADE CRISTÃ COMO UMACOMUNIDADE DE IRMÃOS E IRMÃS NA FÉ, TORNA-SE PROBLEMÁTICO EXCLUIR AS CRIANÇAS DA COMUNHÃO DE MESA.

Sendo a Ceia do Senhor a ceia da comunidade de fé, da família de Deus na qual ingressamos pelo Batismo, torna-se difícil justificar a exclusão das crianças.

Examinando a Bíblia, não vamos encontrar argumentos que deponham contra a participação das crianças na Ceia do Senhor.

Para Jesus, as crianças são tão capazes de receber o Reino, que ele as coloca como exemplo para seus discípulos. (Mc 10.15)
 

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Autor(a): Pedro Kalmbach
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Crianças na Ceia do Senhor / Ano: 2008
Natureza do Texto: Artigo
ID: 14004
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Devemos orar com tanto vigor como se tudo dependesse de Deus e trabalhar com tanta dedicação como se tudo dependesse de nosso esforço.
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