Apocalipse 7.9-17

Auxílio Homilético

12/05/2019

 

Prédica: Apocalipse 7.9-17
Leituras: Salmo 23 e joão 10.22-30
Autoria: André Martin
Data Litúrgica: 4º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 12 de maio de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

A vitória é certa! Sigamos lutando!

1. Introdução

O texto indicado para o 4º Domingo da Páscoa é o texto de Apocalipse 7.9-17. As demais leituras indicadas, Salmo 23 e João 10.22-30, norteiam a interpretação do texto apocalíptico. O Salmo 23, conjugado com o texto da pregação, faz perceber o amor e consequente cuidado de Deus para com suas ovelhas. O salmista nos dá uma certeza: o Senhor é o nosso pastor, por isso nada há de nos faltar, inclusive se tivermos que caminhar pelo vale da sombra da morte. Creio que essa percepção nos é importante se considerarmos o contexto de perseguição aos cristãos no qual o texto de Apocalipse foi escrito.

O texto neotestamentário do Evangelho de João reitera nossa pertença a Deus por meio de Cristo Jesus. Cristo, o filho encarnado de Deus, é o bom pastor. É aquele que dá a vida pelas suas ovelhas. E o rebanho ouve e reconhece a voz do seu pastor. Nada pode arrancar as ovelhas da sua mão. Também essa certeza perpassa o texto de Apocalipse, objeto deste estudo.

Convém lembrar que estamos no tempo após Páscoa. A comunidade reunida já vivenciou a paixão de Cristo. Já teve o momento de compartilhar da dor e do sofrimento de Jesus, lamentar e chorar sua crucificação e morte. Mas também teve o momento de jubilar e celebrar a vitória da vida sobre a morte, a ressurreição de Cristo. Esta certeza de que Cristo vive e que nada pode nos separar de seu amor conduz e sustenta o seu rebanho, a comunidade cristã. Nessa certeza se firmou o texto apocalíptico e também nós, ainda hoje, nos firmamos.

2. Exegese

O texto sugerido para este final de semana, a perícope de Apocalipse 7.9-17, situa-se dentro da segunda visão de João, que se estende do capítulo 4.1 até 16.21. Sobre as visões do capítulo 7, mais especificamente, concordamos com a sentença de que “as visões do capítulo 7 vão se integrando nas visões anteriores do trono, do cordeiro e dos Sete Selos. Aos poucos, o palco ao redor do Trono foi se enchendo: os quatro seres vivos e os 24 anciãos (Ap 4.4-6), o Cordeiro e os milhões de anjos (Ap 5.5,11), os mártires debaixo do altar (Ap 6.9-10). E agora, aqui no capítulo 7 a eles se unem 144.000 assinalados (Ap 7.1-8) e uma multidão imensa sem conta (Ap 7.9-17). No fim, tudo se confraterniza numa grande liturgia universal” (Mesters; Orofino, 2003, p. 198-199).

Tomando o capítulo 7 de Apocalipse como um todo, percebemos uma clara distinção entre a perícope que é objeto deste estudo e a perícope anterior. Eugênio Corsini, no livro O Apocalipse de São João, concorda com essa distinção, mas também alerta que as duas estão intimamente ligadas. Ele ressalta que as duas cenas representam duas fases da intervenção divina: a antiga aliança e a nova aliança. Ainda conforme Corsini, o julgamento de Deus perpassa a história da humanidade e é consumado com a morte de Cristo. O agir de Deus converge para a salvação. A pergunta que permanece e que é feita por Hans Lilje é: “Quem pode subsistir?” (Lilje, 1955, p. 133). Pois “tribulação – perseguição – é o que a igreja deve esperar como normal no mundo” (Ladd, 1980, p. 89).

Partindo para o específico de nossa perícope, para nos auxiliar na compreensão do texto e posterior elaboração da mensagem, temos:

V. 9 – Após a visão dos 144 mil, intimamente ligados às tribos de Israel e que tinham o selo de Deus, João vê uma multidão incontável. Essa multidão era composta por pessoas de todos os povos, línguas e raças. Aqui João tem uma visão antecipada do que espera a igreja de Cristo, composta por um número incontável de pessoas. “João vê uma situação que de fato só acontecerá mais tarde” (Ladd, 1980, p. 89). “Também nesta cena a Igreja é representada, mas não mais como a terrena, militante, mas como a celestial, triunfante” (Lohse, 1966, p. 51). Os exegetas concordam que as vestes brancas e os ramos de palma são símbolos de vitória. Cabe ressaltar que não se fala em marca ou selo, mas as vestes brancas e os ramos de palma são a identificação dos que estão junto ao trono de Deus e do Cordeiro.

V. 10 – Aqui temos um louvor, entoado pela multidão, reconhecendo que a salvação provém de Deus. “Este canto é retomado após a queda do dragão (12.10) e a queda da Babilônia (19.1)” (Lohse, 1966, p. 51). Chama a atenção que no capítulo 5 os seres celestiais louvam e todas as criaturas terrenas respondem. Agora é a grande multidão que inicia com o louvor, sendo seguida pelos anjos celestiais.

V. 11,12 – Nesses versículos, temos o reconhecimento e o louvor a Deus por parte de todos os seres celestiais, encerrando com “Amém”. Conforme Eduard Lohse, em Die Offenbarung des Johannes, esse Amém é indicativo que todos concordam e tomam para si aquilo que anteriormente foi clamado diante do trono de Deus e do Cordeiro.

V. 13,14 – A visão e o louvor celestial são interrompidos por uma pergunta feita a João por um dos anciãos: Quem é este povo vestido de branco? Quem é esta multidão incalculável? De onde vieram? João devolve a pergunta de forma assertiva: Senhor, tu sabes! A resposta do ancião é precisa: Estes são os que vieram da grande tribulação, e lavaram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro. Essa grande multidão passou pela grande tribulação e perseverou. Lavar as vestes e branqueá-las no sangue nos dá o indicativo de quem é o personagem principal da cena: Jesus Cristo! Conforme Johannes Behm, em Die Offenbarung des Johannes, e também Adolf von Schlatter, em Die Briefe des Petrus, Judas, Johannes, an die Hebraer, des Jakobus, Die Offenbarung des Johannes, a incontável multidão alcançou a bem-aventurança celestial não por força própria, de heroísmo e/ou martírio, mas por conta da ação salvadora de Cristo Jesus na cruz. “Não por força própria os mártires lavaram suas vestes no martírio, isto é, pelo martírio se tornaram agradáveis a Deus, livres de toda culpa, mas a força para tal receberam do sacrifício salvífico do Cordeiro” (Bousset, 1906, p. 286).

V. 15-17 – O que nos vem nesses versículos finais é a consumação de tudo. Não há mais tribulação. O grande final é a multidão servindo, prestando culto dia e noite (cf. Mesters; Orofino, 2003) a Deus. Essa grande, incontável multidão estará na morada de Deus, no seu templo, na proteção de sua tenda, na proteção da sua sombra. Todas as bênçãos descritas estão em consonância com Apocalipse 22.1-5, onde nos é descrito o Reino do Céu. Cristo, o Cordeiro é o guia que conduz o povo às águas límpidas, águas da vida. Deus, que em Cristo subjugou o poder da morte, é quem enxuga dos olhos do povo todas as lágrimas.

3. Meditação

Estamos em épocas turbulentas. Incertezas, temores, assim como em outras épocas, também nós vivemos as tribulações que o agir satânico nos impõe. Guerras e perseguições, fugas de situações adversas, e nem sempre se encontra a terra que emana leite e mel. Em nossa realidade brasileira, estamos desnorteados, vítimas de injustiças, de violências, com medo. Corrompemos e somos corrompidos com muita facilidade e frequência. Enquanto este texto é escrito, estamos em época pré-eleições no Brasil; não me parece haver grandes alternativas e probabilidades de mudanças.

Parece que estamos vivenciando, sentindo na pele mais um momento de turbulências. A tribulação, tantas vezes descrita e experimentada em tempos e textos bíblicos, ainda hoje se faz sentir e somos vitimados pela manifestação de poderes opressores, diabólicos. Como igreja de Cristo, estamos sujeitos a passar por todo tipo de tribulação. O Salmo 23 já nos alerta: Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, ou seja, também a igreja de Cristo, também nós podemos passar por esse caminho escuro, turbulento.

Clamamos, assim como no Evangelho de João 10, que Cristo se manifeste abertamente. Também nós, em meio às sombras que nos cobrem, pedimos para ver mais claramente a Cristo.

Mesmo que no calendário litúrgico estejamos em um período pós-Páscoa, a impressão que carregamos no íntimo de nossa existência é que as dores do suplício e da paixão de Cristo estão muito presentes, podemos sentir e ouvir. Muito facilmente, também nosso testemunhar e nosso agir sucumbem em meio às sombras e à incerteza.

Em meio a isso tudo, o texto de Apocalipse, indicado para este final de semana, surge como a legítima visão do paraíso. Uma pequena gota de esperança e, ao mesmo tempo, certeza, que caindo em nosso mar de calmaria e indiferença, subjugado pelas forças opressoras do mal, causa um tsunami capaz de reerguer e colocar em alerta a igreja de Cristo.

A visão de João nos abre uma janela, e dela podemos ver a igreja triunfante, que nada mais pode fazer a não ser louvar a Deus pelo seu imenso amor e carinho com a qual conduziu o seu povo, mesmo em meio a grandes tribulações.

Nesse aspecto, nossos olhos e pensamentos se voltam para a cruz de Cristo, seu sacrifício salvador e, alertados que estamos no tempo pós-pascal, também para o túmulo vazio, para o Cristo vencedor.

A visão de João nos faz ter a certeza de que precisamos continuar lutando com as armas que pela fé nos são dadas. O inimigo, que pode ser identificado das mais variadas formas – cada contexto tem suas próprias experiências de opressão e tribulação –, não vencerá. Tomando por pano de fundo o compromisso profético, de denúncia e anúncio, do livro de Apocalipse, não podemos esmorecer na luta do dia a dia. Poderemos passar fome e sede, nossos olhos poderão encher-se de lágrimas, o sol poderá ser escaldante ou a brisa tão suave a ponto de querer nos acomodar, tudo poderá acontecer, poderemos até mesmo sucumbir, mas a batalha já está ganha. O Cordeiro de Deus é o vencedor. Firmes na esperança e na promessa de Cristo, poderemos até mesmo perder a batalha, mas a guerra, esta já está ganha. João, na sua visão apocalíptica, já vislumbrou e testificou o triunfo do rebanho salvo, guiado pelo Cordeiro e Bom Pastor.

4. Imagens para a prédica

Na elaboração deste estudo, três imagens ocuparam meu pensamento.

1ª: A vestimenta com a qual vestimos nossos batizandos e batizandas. Tenho percebido que as famílias sempre primam, ao menos em nosso contexto rural, pelo uso de vestimentas brancas para as crianças a serem batizadas. Creio que é um bom recurso partirmos também dessa experiência: perguntar e observar as fotos de batismo e perceber que neste momento a cor branca se faz muito presente. Branca, lavada pelo sangue do Cordeiro, também é a vestimenta da incontável multidão presente junto a Deus. O batismo testifica que fazemos parte do povo de Deus. Somos herdeiros e herdeiras de suas promessas e aliança.

2ª: A expressão baptizatus sum – sou batizado – escrita por Martim Lutero em sua escrivaninha para relembrá-lo que mesmo em adversidades nada poderia separá-lo do amor de Deus.

3ª: O povo reunido para a Santa Ceia. Momento de experimentar um pedacinho do céu já agora, em meio às turbulências do dia a dia. Presença real do próprio Cordeiro em nosso meio, sob o pão e suco da videira.

Creio que esses momentos podem nos auxiliar e tornar palpável o que nos é prometido. A visão de João, baseada na concretização definitiva do reino de Deus, pode ser experimentada, sentida e vivenciada nesses momentos. Nossa fé não se baseia em algo vago, mas muito concreto. Esses são os sons que ainda hoje nos fazem seguir ao chamado do Bom Pastor.

5. Subsídios litúrgicos

Seguem algumas sugestões:

1. Sugiro fazer a leitura do texto previsto para a pregação, do púlpito, antes ou durante a pregação. A cruz do altar deverá estar ornamentada com um pano preto. Pedir para a comunidade reunida que, enquanto é proferida a leitura do texto de Apocalipse, feche os olhos e mantenha-se assim durante a  leitura bíblica, concentrando-se ao máximo no ouvir o texto e imaginar-se na situação de João tendo a visão. Enquanto é proferida a leitura, alguém do presbitério, de forma previamente combinada e em silêncio, troca o pano preto por um grande pano branco. Pode-se usar essa “transformação” como um exemplo para a pregação. Inclusive, esse pano branco, lembrando as vestes brancas e seu significado, pode unir a pia batismal e o altar da Ceia.

2. A confissão de fé deveria ter um apelo todo especial no contexto do culto como um todo. Pois a nossa fé não é vã, não são palavras vazias, mas é a confissão de uma certeza que nos é revelada de forma muito bonita em Apocalipse 7.9-17. Inclusive o Salmo 23 pode ser lido com a comunidade reunida como um complemento para a confissão de fé.

3. O momento da Santa Ceia poderá ser introduzido pelo hino 432 (Digno é Cristo), do Livro de Canto da IECLB. Esse hino poderá ser retomado no momento da distribuição da Ceia.

Bibliografia

BEHM, Johannes. Die Offenbarung des Johannes. 4. ed. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1949.
BOUSSET, Wilhelm. Die Offenbarung Johannis. 6. ed. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1906.
CORSINI, Eugênio. O Apocalipse de São João. São Paulo: Paulinas, 1984.
LADD, George Eldon. Apocalipse, introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1980.
LILJE, Hanns. Das letzte Buch der Bibel: eine Einführung in die Offenbarung Johanes. Hamburg: Furche, 1955.
LOHSE, Eduard. Die Offenbarung Johannis. 9. ed. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966.
MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco. Apocalipse de São João: a teimosia da fé dos pequeninos. Petrópolis: Vozes, 2003.
SCHLATTER, Adolf von. Die Briefe des Petrus, Judas, Johannes, an die Hebraer, des Jakobus, Die Offenbarung des Johannes. 2. ed. Stuttgart: Calwer Vereinsbuchhandlung, 1921.


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Autor(a): André Martin
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50288
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