Apocalipse 22.12-14,16-17,20-21

Auxílio Homilético

02/06/2019

 

Prédica: Apocalipse 22.12-14,16-17,20-21
Leituras: Salmo 97 e João 17.1a,20-26
Autoria: Evandro Jair Meurer
Data Litúrgica: 7º. Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 2 de junho de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

Elogiar mais, criticar menos

1. Introdução

Apocalipse 22 já foi tratado duas vezes em versões anteriores do Proclamar Libertação, mas com pequenas diferenças de recorte. Em 1984, Leonídio Gaede trouxe uma reflexão para o final do ano, propondo, a partir de 22.10-16, uma avaliação, um balanço do ser comunidade cristã naquele momento histórico. Em 1998, Roberto E. Zwetsch apresentou uma interessante reflexão sobre a perícope, também para o 7º Domingo da Páscoa. O recorte textual ali é 22.12-17,20.

Vistas de forma panorâmica, as três perícopes marcam o anúncio da glória de Deus (Sl 97.6) e a autoapresentação de Jesus em sua natureza divina (Jo 17.22,24), como “famoso” e “brilhante” (Ap 22.16). Aposto por aí o caminho para uma pregação neste último domingo do período pascal: elogiar Deus e proclamar o Cristo que veio, vem e virá. Assim, ainda com aquele “frio na barriga” mencionado por Zwetsch, convido você a “debulhar o trigo” do Apocalipse e “forjar o milagre do pão” (Mt 4.4; Jo 6.48), “fecundar o chão” no cio da comunidade cristã.

2. Exegese

Apesar de estarmos diante de um texto da assim chamada revelação de Deus a João (Ap 1.1), seu escopo e propósito estão mais para parênese comunitária, didaquê cristã, do que para material apocalíptico propriamente dito. É sabido que o livro foi escrito em um tempo em que as autoridades romanas estavam perseguindo os cristãos. A base da perseguição era o não cumprimento e sujeição à ordem de culto ao imperador. “Naturalmente não se pode esperar que as primeiras comunidades deixassem de entrar em contato com textos apocalípticos, principalmente diante de uma situação de catástrofe, perseguição e tormento [...]” (Sand, 1983, p. 229). Há de se concordar que o Apocalipse de João é uma coletânea de textos apocalípticos diversos que algum presbítero ou grupo de presbíteros compilou e reinterpretou em sentido cristão e parenético. Esse propósito transparece em Apocalipse 1.1-8 e, da mesma forma, no capítulo 22 (em especial os versículos 6 a 21), quando do encerramento do livro. Com Lutero entendemos que “podemos tirar proveito deste livro e usá-lo plenamente para consolo, para que saibamos que nenhum poder, nem mentira, nenhuma sabedoria, nem santidade, aflição ou sofrimento haverão de oprimir a cristandade, e sim, que ela, no final, se imporá e vencerá” (Lutero, 2003, v. 8, p. 155, 162-163). Sob essa perspectiva, busquemos juntos entender o texto em seus três recortes e entender sua mensagem, apoiados pelas duas leituras paralelas propostas.

Antes disso, é interessante e elucidativo analisar as partes excluídas da perícope: os v. 10-11,15,18-19, que contêm palavras negativas, exortativas e proféticas de correção, denúncia e anúncio de desgraça (“não seles”, “continue o injusto... o imundo...”; “os cães, os feiticeiros, os impuros, os assassinos, os idólatras e todo aquele que ama e pratica a mentira” e as ameaças de “flagelo”), foram excluídos da perícope. A ênfase, neste domingo, está nas palavras de elogio a Deus, a Jesus e às pessoas bem-aventuradas (v. 14).

Vejamos agora as partes contempladas pelo recorte:

V. 12,17a,20 – Propomos que as expressões “venho sem demora” e “vem, Senhor Jesus!” sejam compreendidas dentro daquela tríplice interpretação da parúsia de Cristo: ele veio (sua primeira vinda redentora, conforme narrada pelos evangelhos), continua vindo hoje (conforme relatado pelos apóstolos e vivenciado pela igreja cristã em palavra e sacramento) e virá (escatologicamente, como o aguardamos e testemunhamos em fé e esperança). Na perspectiva que propomos acima, escutemos esse vir como um chamado à presença de Cristo hoje em nós e na vivência comunitária transformadora e geradora da vida plena neste nosso chão.

V. 12,14,17b,21 – Como se não bastassem todas as bênçãos recebidas gratuitamente em vida, o texto destaca ainda as benesses por vir. Numa nítida referência às promessas veterotestamentárias do Segundo e Terceiro Isaías (40.10; 66.11), promete-se ainda um “galardão”. Que Deus gracioso e bondoso! Presenteia-nos já agora com sua graça e salvação e ainda promete “recompensas” (numa nova tradução alemã encontramos Lohn; e em uma versão inglesa, reward). Ou seja, mais “presentes” das mãos de Deus na vida por vir. Além da salvação já recebida por pura graça, há a bem-aventurança do direito de saborear, de “comer a fruta da árvore da vida” (NTLH), remetendo ao Gênesis (2.9; 3.22). Quanta bondade! Com tamanho presente já dado por Deus em Cristo (Jo 3.16), ainda a “graça da água da vida” vai superabundar com Cristo, em seu advento. Conforme as promessas já referidas em 2.7,11,17,26-28; 3.5,12, os vencedores serão galardoados ainda grandemente.

V. 13,16 – Em uma utilização visível da fórmula de autoapresentação de Deus no Antigo Testamento, Jesus aqui também se autoapresenta. A fórmula judaica “Eu sou” (presente em Êxodo 3.13-14) se reafirma aqui, assim como também no Evangelho de João (8.58) o “eu sou” está presente e está vindo. Utilizando figuras estranhas, que seus leitores e leitoras entendem, mas que não seriam entendidas pelas autoridades romanas, João apresenta Jesus, colocando-o na caminhada do povo de Deus do Antigo Testamento. Destaca que sua plenitude vai de “A” a “Z” (cf. Hb 13.8). Em Apocalipse 1.8,17 e 21.6, essa identificação é usada em relação ao Pai, enquanto aqui é relacionada ao Filho, conferindo e fortalecendo a divindade de Jesus. Ao referir-se à carta endereçada às sete igrejas da Ásia (1.4), mais uma vez é testificada a grandiosidade e plenitude de Cristo a essas igrejas. Ele é autor e consumador da fé (Hb 12.2), em todas as dimensões e épocas, é a causa primária e a causa final, a realização daquilo que fora iniciado por ele mesmo. Como em 5.5, também aqui há o reforço de que Jesus, como Messias, procede da linhagem de Davi, como com frequência é citado nos evangelhos (Mt 1.1,20; 9.27; 12.23; 15.22; 20.30; 21.9,15; 22.43,45). “Leão” remete à sua linhagem real. A tribo de Judá tinha por emblema um leão, atestando seu poder vastíssimo, com “força” para realizar qualquer tarefa que lhe fosse determinada. Semelhantemente “raiz” é linguagem simbólica que indica a descendência davídica, do “ramo” de Jessé (Is 11.1) como uma “bandeira para as nações”, pois onde ele reina, brilhará a glória de Deus (Isaías 11.10). A “aurora” como símbolo messiânico reforça a vinda de Jesus como luz da vida, vinda ao mundo e a todas as pessoas (Jo 1.9; 8.12). Ele é o “vênus”, símbolo da imortalidade, da glória e do domínio mundial.

3. Meditação

Elogios são importantes. Como é bom recebê-los! Mas como é raro dá-los. Somos mais preparados a apresentar críticas negativas do que encher alguém de elogios. Elogiar Deus até o fazemos muito bem, especialmente quando tudo vai bem. Elogiar uns aos outros nem sempre é uma prática cristã habitual. Podemos nos defender de um ataque, de uma crítica, mas somos totalmente indefesos a um elogio. Ele nos desarma. Elogie! Reconhecer qualidades de outra pessoa nos engrandece em humildade. É fato que gastamos muito mais tempo falando de nossos inimigos do que elogiando nossos amigos. “Elogio é o enaltecimento de uma qualidade ou virtude de algo ou alguém. É uma ferramenta educacional utilizada também para motivar outras pessoas, aumentar sua autoestima ou corrigir um defeito” (Wikipedia). Elogiar, exaltar, enaltecer, aplaudir, louvar, bendizer é bom para quem faz e para quem recebe. Dar e receber elogios faz com que nos sintamos melhores, seja dando ou recebendo. Mesmo que o contrário de elogiar seja desmerecer, depreciar, desconsiderar, menosprezar, queremos propor que o antônimo de elogiar seja “criticar”.

Biblicamente estamos diante de três textos que expressam elogios e glórias a Deus: O Salmo 97 destaca que o Senhor “reina” (v. 1); justiça e juízo são a base do seu trono (v. 2); os seus relâmpagos alumiam o mundo (v. 4); todos os povos veem a sua glória (v. 6); ele é “o Altíssimo”.

Em João 17.22 Jesus se revela como aquele que transmitiu a glória deste Deus, em carne e osso, para que todos sejam um, como ele e o Pai são um. Tudo com um especial propósito: para que o mundo creia. Apocalipse 22 coloca Jesus sob o mesmo patamar desse Deus grandioso e glorioso (v .13 e 16). Vale a pena reconhecê-lo e elogiá-lo por isso. É feliz quem o reconhece como tal (v. 14). Quem se lava, se banha na força expiatória de Cristo, é bem-aventurado. O critério para a bem-aventurança da salvação não são as obras, mas a obra vicária de Cristo na cruz. Os “santos” não são “justos” por causa das suas obras, mas por causa do sangue do Cordeiro (Ap 7.14). Entraremos pela porta da cidade de Deus não por causa das nossas obras, mas por causa do sangue do Cordeiro (v. 14). Seguindo a lógica da numerologia apocalíptica, Apocalipse 22.14 traz a sétima bem-aventurança do apocalipse de João (As outras seis encontram-se em 1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7). Felizes as pessoas que lavam as suas roupas (NTLH) no sangue do Cordeiro. Segundo Champlin, a mensagem geral que aproveitamos das bem-aventuranças é que “as principais realizações espirituais são as que obtêm os principais benefícios espirituais” (1982, p. 661). O seguimento de Cristo em toda a sua abrangência e radicalidade produz a verdadeira felicidade em seu Reino. Se não bastasse a gratuidade da salvação no sangue de Cristo derramado na cruz, poderemos ainda ser presenteados, na eternidade, por reconhecimento de um discipulado dedicado (v. 12).

Concretamente, poderíamos refletir com a comunidade sobre a importância do louvor a Deus e, da mesma forma, o valor de elogiarmos nossos irmãos e nossas irmãs em Cristo naquilo que fazem como cristãos e cristãs. Muito facilmente se privilegiam as críticas em detrimento ao reconhecimento elogioso do que se faz e recebe na convivência e labor comunitários. Da mesma forma, acontece isso na vivência no lar: marido e esposa, pais/mães e filhos, irmãos e irmãs entre si. Deus é um Deus que gosta de ser “elogiado”, louvado e engrandecido. Faz bem louvá-lo. De forma semelhante fica o desafio: que saibamos reconhecer-nos e elogiar uns aos outros em nossa convivência fraterna. Considerando a intenção parenética que defendemos (e não profética, que seria lógico do livro em apreço) e o fato de que o livro de Apocalipse em todo o seu conteúdo foi escrito “às igrejas” (as sete cartas – nos capítulos 2 e 3 – e conforme reaparece aqui no versículo 16), nossa proclamação será palavra de libertação à comunidade cristã reunida. Palavra animadora e proativa. Um convite triplo, cheio de graça, enunciado pelo Espírito Santo, pela noiva, a igreja e todas as pessoas que ouvem a Palavra (v. 17). Palavra em folhas divinas “para a cura dos povos” (22.2). Elogiar cura. A crítica pela crítica fere, adoece.

4. Imagens para a prédica

Coloque em seu site de busca na internet a expressão “elogio” ou “crítica” e você encontrará uma lista de artigos e reflexões em diferentes áreas da vida: psicológica, de gestão empresarial, de relações humanas, antropológica e sociológica. Certamente você encontrará um recurso com o qual melhor se identificará. Eu gostei deste:

“Quem bate esquece, quem apanha não esquece. Estamos num momento em que críticas são importantes para o aperfeiçoamento das pessoas, das empresas e do mundo. Mas elas estão sendo confundidas com desabafo, discórdia e uma maneira de alguém dizer o que pensa do jeito que bem entende. Quando criticamos alguém, logo esquecemos, mas a pessoa que recebeu a crítica nem sempre esquece tão fácil. Toda crítica deve ser sempre construtiva, e para isso existe uma regra de ouro: assine com um elogio toda crítica que fizer. Por mais que alguém ou algo mereça sofrer críticas, antes de fazê-las é necessário descobrir os pontos positivos dessa pessoa ou desse algo, eles sempre existem, basta procurar. Coloque-os em evidência e torne-os parte da crítica. Nunca critique apenas por criticar: isso é ‘tagarelice’ e ninguém aprende nada ou ensina nada com ‘tagarelice’. Muitas de nossas crianças passam por problemas em sua idade adulta pelo fato de terem sido submetidas a duras críticas durante a infância, sem nenhuma assinatura com elogio. Ficando a impressão de que quando se faz algo certo, não se fez nada mais que sua obrigação. A crítica existe para auxiliar no crescimento das pessoas e em suas realizações; é um instrumento de esclarecimento, e não uma técnica para prejudicar. Quando promover uma crítica, certifique-se que está com o devido preparo e fundamento para fazê-la; depois certifique-se que irá assiná-la com um elogio verdadeiro, sincero e honesto. Nossa opinião pode mudar a vida de alguém para melhor ou pode destruir a vida de alguém; muita gente não tem noção do impacto que uma crítica pode ter em determinados tipos de pessoas. Uma crítica harmoniosa pode fazer de você uma pessoa importante e inesquecível na vida de quem a recebeu”. (Cesar Romão)

5. Subsídios litúrgicos

Saudação

Com base no versículo de Apocalipse 22.14, destacando a bem-aventurança da ressurreição, reforçada sempre neste tempo pascal.

Hino

HPD 2, 400: “Bem-aventurados”, de José Acácio Santana, inspirado em Mateus 5.

Invocação Trinitária

Elogiar Deus pelo que ele é, fez, faz e fará, destacando que Cristo é o alfa e o ômega (Ap 22.13) e que o Espírito vem e convida: “Venha” (Ap 22.17).

Confissão de pecados

Seria importante reconhecer quantas vezes mais criticamos Deus do que o elogiamos e, da mesma forma, quando o fazemos em nossas relações fraternas, comunitárias, familiares e profissionais.

Após o anúncio da graça

Pode-se usar o versículo de Apocalipse 22.16; seria bom cantar um hino de glorificação bem conhecido para que a comunidade cante forte seu louvor e sua glorificação (sugestão HPD 2, 253).

Oração do dia

Reforçar o pedido de que Deus, por sua Palavra, neste domingo, nos revele a importância da questão do elogio antes da crítica.

Salmo 97

Proponho lê-lo da seguinte forma: versículos 1, 5 e 9 a comunidade lê em
conjunto; os versículos 2-4 e 6-8 o oficiante lê, pedindo a atenção e escuta da
comunidade. Excluir da leitura os versículos 10-12, encerrando com a leitura do
versículo 9 por toda a comunidade.

Antes da leitura do Evangelho de João 17.1a,20-26:
Refrão de Míria Therezinha Kolling: “Senhor, que a tua Palavra transforme a nossa vida. Queremos caminhar com retidão na tua luz” (Coleção Miriã 2,13).

Após a leitura de Apocalipse 22.12-14,16-17,20-21:
Muito marcante o hino 471 (HPD 2): “Glória ao Cordeiro”, preparando o ambiente e o momento litúrgico para a pregação.

Credo Apostólico

Chamar a atenção da comunidade e destacar a expressão “Todo-Poderoso”.

Pai-Nosso

Cantado informalmente pelo hino 286 (HPD 1).

Canto final

HPD 1, 250.

Bibliografia

CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Millennium, 1982. v. 6.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2003. v. 8: Interpretação Bíblica – Princípios.
ROMÃO, Cesar. Assine com elogio uma crítica. Disponível em: .
SAND, Alexander. A questão do “Lugar Vivencial” dos textos apocalípticos do Novo Testamento. In: Apocalipsismo. São Leopoldo: Sinodal, 1983.


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Autor(a): Evandro Jair Meurer
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50295
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Um pregador deve fazer três coisas: ler a Bíblia com afinco, orar de coração e permanecer um discípulo e aluno.
Martim Lutero
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