Prédica: Amós 8.4-7
Leituras: I Timóteo 2.1-8 e Lucas 16.1-13
Autor: Carlos A. Dreher
Data Litúrgica: 18º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 04/10/1998
Proclamar Libertação - Volume: XXIII
Tema:
1. O texto
Amós 8.4-7 é o primeiro de cinco ditos proféticos, colecionados e colocados redacionalmente entre a quarta, 8.1-3, e a quinta visão, 9.1-4. Ambas as visões têm o fim como tema. Todos os cinco ditos, 8.4-7, 8,9-10, 11-12, 13-14, também se dedicam a esse assunto.
8.4-7 funciona como uma introdução à série de ditos. Conclama os destinatários, ao mesmo tempo em que os denuncia, concluindo com um veredito: Javé jamais esquecerá nenhuma de suas ações. A partir desse veredito, os outros quatro ditos descrevem o castigo definitivo que sofrerão os denunciados: a terra tremerá (v. 8); a terra escurecerá e haverá luto (w. 9-10); haverá fome da palavra de Deus (l 1-12); a descendência dos denunciados perecerá pela sede. A paciência de Javé se esgotou. Desta vez, de fato, chegou o fim!
As pequenas alterações textuais necessárias permitem a seguinte proposta de tradução:
v. 4 - Ouvi isto, vós que
pisais o pobre,
e eliminais os oprimidos da terra;
v. 5 - que dizeis:
Quando passará a lua nova,
para que possamos vender cereal;
e o sábado,
para que possamos oferecer trigo;
para diminuirmos o efa,
e aumentarmos o siclo,
e enganarmos com balança falsificada;
v. 6 — para comprarmos com prata os fracos, e o pobre por um par de sandálias; e vendermos o refugo do trigo?
v. 7 - Jurou Javé, pela glória de Jacó:
Não me esquecerei jamais de nenhuma de suas ações!
A passagem compõe-se nitidamente de duas partes: a) uma conclamação aos destinatários, caracterizados por uma denúncia (vv. 4-6); b) um veredito (v. 7).
A primeira parte assume uma forma intrincada, na qual várias denúncias se entrelaçam. Os destinatários não são indicados por nome, função ou profissão. Inicialmente são apenas vós. As diferentes denúncias vão esboçando o seu perfil, ao acusá-los de urna série de ações. As denúncias assumem duas formas distintas: a primeira (v. 4) é uma acusação direta, faz uma afirmação sobre os destinatários; a segunda (vv. 5-6) põe as acusações na boca dos próprios destinatário. São eles que as pronunciam. Não o fazem, porém, em forma de confissão de culpa. Não estão nem um pouco arrependidos de suas ações. Fazem-no descaradamente, como se aquilo que praticam fosse normal. Mostram-se até mesmo irritados, porque os feriados atrapalham seus planos.
A primeira parte da denúncia atém-se a um único tema. Apresenta-se num paralelismo típico da poesia hebraica. Os destinatários pisam o pobre e eliminam os oprimidos da terra. Assim como os termos pobre e oprimidos da terra, também os verbos pisar e eliminar se correspondem. Estamos no campo da violência física. Pisar pressupõe calcar com o pé. Algumas traduções optam por esmagar. Pessoas agridem fisicamente os pobres. A segunda parte do paralelismo não deixa por menos: fala em eliminar. A agressão visa, de fato, acabar com os pobres, fazê-los desaparecer. Os oprimidos da terra são aqueles que foram dobrados, curvados à força. São as pessoas humilhadas que ainda vivem no território. Logo desaparecerão em decorrência daquela agressão.
A segunda parte, vv. 5-6, volta-se, de início, a uma questão aparentemente dis¬tinta. Os destinatários estão ansiosos. Há muitos feriados. Há uma lua nova a cada início de mês. E há um sábado por semana. Cinco dias, ao mês, nos quais não se pode praticar o comércio. (Para a menção de sábado e lua nova, lado a lado, cf. l Sm 20.5; Is 11.3s.; Os 2.12 -Almeida = 2.11; 2 Rs 4.23; Ez 46.3. Para a festa da lua nova, cf. Nm 28.1 Iss.)
Os feriados atrapalham seus interesses. Não estão interessados em descansar. Em outro paralelismo típico, os destinatários se identificam. Eua nova e sábado atrapalham sua atividade comercial: vender cereal, oferecer trigo.
Tal ansiedade pelo trabalho poderia ser até mesmo louvável. Afinal, não se diz que é o trabalho que dignifica o ser humano? Muitos feriados estimulam a preguiça e o mau desempenho das atividades nos dias imediatamente anteriores e posteriores aos feriados e aos fins-de-semana.
Contudo, lua nova e sábado são feriados instituídos por Deus, com dupla finalidade: restabelecer as forças de trabalhadores e trabalhadoras cansados/as e permitir espaço para a celebração da fé. São dias de descanso e de santificação. São dias de lembrança de uma criação íntegra e de uma libertação da escravidão, ambas obras de Deus.
Nesse sentido, a ansiedade dos comerciantes se apresenta aqui como desprezo ao culto, à fé de Israel. No fundo, Deus atrapalha os seus interesses. Tira-lhes cinco de 28 dias. Oração e descanso atrapalham o comércio. Esses comerciantes não gostam nem de descanso nem de serviços religiosos. Ambos são empecilhos para sua atividade.
Um novo paralelismo, composto agora de (rês partes, desmascara o tipo de comérc.io que praticam: está perpassado pela fraude. Diminuem o efa, aumentam o siclo, enganam com balança falsificada.
O efa é a medida para o cereal. Corresponde a cerca de 40 a 45 litros. O siclo é o peso para pesar a prata. Corresponde a cerca de 11,4 gramas.
Diferente de hoje, o cereal é medido, a moeda é pesada. Ao diminuírem, pois, o efa, os comerciantes sonegam cereal aos compradores. Ao aumentarem o siclo, recebem mais prata por um suposto valor. E aí ganham duplamente. Entregam menos cereal em troca de mais prata.
Se ainda falsificam a balança, destinada a pesar a prata, a fraude se triplica. Ao peso já adulterado, soma-se agora o ganho na balança, provavelmente entortada. Mesmo com o siclo correio, o comerciante já sairia ganhando numa balança torta. Agora, ganha duas vezes ao pesar a prata.
Basta olhar Dt 25.13-16 (compare também Ev 19.35s.) para perceber que também aqui os destinatários de nosso texto se voltam contra Javé e sua lei. É uma lei que se baseia no princípio da liberdade conquistada na saída do Egito (Ev 19.36b). Peso justo, efa justo, balança justa são garantia de liberdade e justiça para todas as pessoas. Quem os tem prolonga seus dias na terra (Dt 25.15b).
Contudo, não é apenas pela possibilidade de ter lucros fraudulentos que os comerciantes estão ansiosos. Os feriados também atrapalham outra prática terrível. Com seus lucros safados, essas pessoas objetivam um mal ainda maior: a compra de escravos!
Já Am 2.6 apontava para a prática de escravidão por dívidas. Por pouco, muito pouco mesmo, pode-se comprar um camponês endividado e torná-lo escravo. Talvez baste até mesmo a bagatela de um par de sandálias. Ao preço de uma ninharia se pode dispor de uma vida.
Não há dúvida de que a escravidão por dívidas sempre fez parte das contradições presentes em meio ao povo de Deus, mesmo já no tempo das tribos. Êxodo 21.1-11 o atesta. O camponês que se endivida, certamente em decorrência dos conflitos com a natureza, tais quais pragas na lavoura, doença, ou outro tipo de dificuldade, corre o risco de perder a liberdade, se não puder saldar seus compromissos. Dará seus filhos (cf. p. ex. 2 Rs 4.1-7), certamente também sua mulher, como escravos para o credor. Depois terá de entregar seu direito à terra. E aí só lhe restará entregar-se a si mesmo para saldar as dívidas. Ao sétimo ano, porém, sairão livres, todos eles (Êx 21.2; Dt 15.12).
Por mais difícil que pareça à nossa compreensão, a escravidão por dívidas fé/ parte do sistema regulador da economia do antigo Israel. As tentativas de minorar seus efeitos também existiram, como o demonstra Dt 15. A solidariedade, o amor ao próximo (Ev 19.18b) eram mecanismos que, em nome do amor de Deus por seu povo, buscavam evitar o endividamento de pessoas e sua conseqüenle escravização.
Em nosso texto, porém, todo e qualquer sinal de solidariedade desapareceu. Em seu lugar está a ânsia, a gana de comprar escravos. Quando passará a lua nova, e o sábado... para podermos comprar o fraco e o pobre?
Quem são o fraco e o pobre, vistos aqui como mercadoria? São certamente pequenos camponeses. Ainda não são escravos, mas estão em vias de tornar-se escravos. Ainda têm terra, mas estão em vias de perdê-las. Falta pouco tempo ainda. Logo estarão sendo expostos ao comércio humano. É questão de dias. Ah, mas esses dias não passam suficientemente depressa, porque sempre há essas tais luas novas, esses sábados, nos quais não se podem fazer bons e lucrativos negócios!
A última denúncia, v. 6b, parece deslocada. A menção à venda de refugo de trigo, do trigo que já não presta, estaria melhor situada ao final do v. 5b, onde se falava da oferta e da venda do cereal.
E, não obstante, o fato de encontrar-se ao final do v. 6 permite a interpretação de que, do início ao fim, as denúncias querem de fato estar entrelaçadas, como se uma levasse à outra, num moto contínuo e circular: pisando e eliminando os pequenos camponeses se consegue mais terras e mais escravos; com isso se aumenta a produção de cereal; a fraude na sua comercialização empobrece mais gente; gente empobrecida pode ser comprada e escravizada; aí se tem mais terras e mais escravos, maior produção, nova fraude, novos escravos... a roda-viva não pára!
Nada deve ser desperdiçado nessa busca ansiosa pelo controle da economia, pelo enriquecimento a qualquer custo. Por isso, até o refugo do trigo, aquele trigo que caiu no chão, que está sujo, contaminado, quem sabe, não pode ser perdido. Tem que ser comercializado. Efa menor, siclo maior, balança falsificada, trigo de qualidade inferior, tudo se presta de maneira excelente para aumentar os lucros e garantir a compra de mais e mais escravos.
E não há tempo a perder. Chega de sábados e luas novas, chega de canto e oração, chega de espaço para escutar leis e palavras sobre solidariedade e condenação da injustiça e da fraude. O comércio se regula a si mesmo - bem poderia ter sido esse o slogan do veteroliberalismo israelita.
Javé, porém, vê e sabe de tudo isso. Sabe da violência contra os pobres, sabe do descaso em relação aos dias de culto e de descanso, sabe da fraude no comércio, sabe do comércio de pessoas empobrecidas. Não esquecerá de nenhuma dessas ações. É juramento seu, seja lá o que signifique pela glória de Jacó - ironia em relação à soberba de Israel (Am 6.8) ou epíteto divino, os comentaristas não encontram resposta satisfatória. É juramento divino. Não haverá perdão para tais ações. São brutais demais para se perderem no esquecimento.
Por mais que se enfatize esse veredito final, é pouco provável que tais comerciantes desinteressados do culto, das leis e do descanso, se tenham sensibilizado com ele. De que vale um juramento divino para quem não se importa com Deus?
Amos, ou seus discípulos - é mais provável que nosso texto seja de autoria desses últimos, pronunciado, porém, ainda antes da queda de Samaria - certamente terão se sentido impotentes diante daqueles fatos. Nada demonstrava que o juramento de Javé teria alguma valia. Israel estava em um dos momentos de maior estabilidade, em termos econômicos e de política internacional. Nada ameaçava o país. Do ponto de vista do Estado e dos comerciantes, tudo ia de bem a melhor. Apenas os pobres se queixavam. Mas, afinal, que valor têm os pobres diante de interesses econômicos?
Em 722 A.C., porém, quando os assírios destruíram a suntuosa capital Samaria, certamente tais palavras foram lembradas entre os que sobreviveram. Não, Javé não havia esquecido aquelas ações. O fim havia chegado, irrevogavelmente!
2. Meditando
A partir de seu contexto imediato, nosso texto anuncia o fim. A paciência de Deus se esgotou. As ações dos comerciantes que eliminam os pobres, praticam a fraude, compram escravos e desprezam o culto e a lei divina já não serão esquecidas. Nesse sentido, o fim é anunciado para eles.
Ao falar do fim, nosso texto não é milenarista. Não se trata do fim do mundo, que continua sendo previsto por muitas pessoas para o ano 2000. Trata-se do fim para os praticantes daquelas ações egoístas, trucidadoras de seres humanos.
Ao chegar o fim para aquelas pessoas, chegam também ao fim as suas ações, que Deus jurou não esquecer. Ora, o fim de tais ações é, por consequência, o início de uma nova vida para aqueles que estão sendo trucidados. O fim da eliminação dos pobres de sobre a face da terra é o início de nova possibilidade de sobrevivência. O fim do desrespeito ao culto é o início de uma nova vida com Deus. O fim da fraude é o início da justiça. O fim da escravização de pessoas é o início de sua liberdade.
O texto fala, pois, de fim para alguns, de início para outros. Mais do que isso, fala do fim da maldade e do início de uma vida solidária, justa, honesta, liberta, sob o lema do temor a Deus.
Não obstante, o texto também fala de juízo. Deus não esquece. Na sequência do texto fica-se sabendo que Deus também castiga. Pede conta de nossas ações, julga-as e faz justiça.
As leituras previstas para o 18° Domingo após Pentecostes, Lc 16.1-13 e l Tm 2.1-8, nos falam, respectivamente, de um administrador infiel e da prática de súplicas, orações, intercessões e ações de graça, em favor de todas as pessoas, enfatizando que sejam feitas em favor de reis e de todas as pessoas investidas de autoridade.
O texto do Evangelho, Lc 16.1-13, fala de um administrador denunciado por defraudar os bens de seu senhor. É chamado a prestar contas, antes de ser destituído de seu cargo. Para safar-se das consequências de sua demissão - tornar-se lavrador ou mendigo - o administrador fraudulento apega-se a nova fraude. Subfatura as dívidas dos devedores de seu patrão. Diminui-lhes o débito. Favorece esses devedores e defrauda mais uma vez o senhor. Seu objetivo: conseguir favores de outros, quando estiver na rua da miséria. Uma vez corrupto, sempre corrupto, desde que tal corrupção lhe garanta uma vida tranquila.
Estranho no texto é o elogio que o senhor faz ao administrador corrupto (v. 8). Só pode tratar-se de ironia. O final da perícope é bastante claro: não se pode servir a Deus e às riquezas. Quem é infiel e injusto na aplicação de riquezas de origem injusta jamais será fiel ao administrar a verdadeira riqueza, oferecida por Deus.
Não obstante, o estranho elogio deixa urna verdade pairando no ar: os filhos do mundo, apegados à riqueza a qualquer custo, são mais hábeis - haveria que dizer: muito, muito, muito mais hábeis - que os filhos da luz.
A leitura da Epístola, l Tm 2.1-8, nos fala de oração em favor de reis e pessoas investidas de autoridade. Através disso, espera que vivamos uma vida tranquila e mansa, com toda a piedade e respeito. Argumenta ainda que Deus, nosso Salvador, deseja que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (v. 4).
A relação entre os três textos pretende compor a intenção do 18° Domingo após Pentecostes. E aí está a questão: como relacionar os comerciantes fraudulentos, o administrador infiel e os reis e autoridades, pelos quais devemos orar?
Só vejo um caminho: a esperança cristã é a de que bons reis e governantes controlem as fraudes administrativas e comerciais, garantindo a justiça, a liberdade e o direito à vida para todas as pessoas. Em última análise, tal esperança conta com reis e autoridades tementes a Deus, sujeitos à sua vontade. Conta com um Estado que seja filho da luz.
Sim, um Estado temente a Deus certamente controlaria o mercado fraudulento e esmagador de pessoas humanas, combateria eficazmente a corrupção, garantiria a justiça e a liberdade, os direitos humanos e a vida. Levaria a sério a lei do amor, da solidariedade, da defesa da vida.
A pergunta que fica é se um Estado assim é possível. Não será tudo mera utopia cristã?
Diante dessa pergunta é que a pregação deverá ser construída. Não bastará denunciar comerciantes fraudulentos. Não será suficiente apontar administradores infiéis. Tampouco bastará propor a oração como única esperança.
Por que não? Porque hoje o mercado não está mais interessado na população global, se é que alguma vez esteve. Interessam-lhe os consumidores. Aí, dois terços da população do Terceiro Mundo já estão descartados, de saída. Do Primeiro Mundo, um terço. Esses não interessam mais, nem mesmo como mão-de-obra barata. Podem ser eliminados da face da terra, depois de haverem servido para construir a riqueza de poucos.
Porque o Estado se submete aos interesses do mercado. Privatiza tudo, acenando com o bem-estar social, sob uma moeda estável e oferta de serviços essenciais, que acabam por não aparecer. Porque é composto por pessoas que, na ânsia de permanecerem no jogo do mercado, privilegiam seus próprios salários - esses não são inflacionários, como o é o salário mínimo -, defraudam a administração pública, utilizando precatórios que beneficiarão seus próprios bolsos.
Porque nem Estado nem mercado estão de fato preocupados com Deus. Nosso discurso soa vazio e atrasado, ao apelar para o amor e a solidariedade, que já não fazem mais parte de sua escala de valores. Nada de luas novas e de sábados, de leis divinas e de cultos. O Mamon, o poder do dinheiro e da riqueza, é o vitorioso. E ele não está interessado em luas novas e em sábados, que só atrapalham o bom andamento do mercado.
Porque a vida humana não vale mais nada, especialmente aquela que está fora do jío do mercado. Pensamos que era só um mendigo, disseram aqueles garotos de Brasília que alçaram fogo no índio Galdino, que dormia ao relento. O que estará dizendo Rambo, para justificar o assassinato de Mário José Josino?
Quando apenas o mercado conta, o Estado se alia a ele, e a vida das pessoas passa a não valer mais nada. Os valores morais se esfarrapam. Com eles se vão a fé e o temor a Deus. Apenas o dinheiro ainda conta. E, quem o tem, pode fazer de tudo, até mesmo eliminar os pobres da face da terra.
E, além de tudo, há que contar com o fato de que os filhos do mundo, com suas fraudes, com sua gana dos pobres, com suas injustiças e desonestidades, com a sua ansiosa busca por dinheiro e riquezas, com seu desprezo ao culto e à lei divina, são muito, muito, muito mais hábeis que os filhos da luz.
3. A pregação
Em 1998, o 18° Domingo após Pentecostes cairá no dia 4 de outubro, um dia após a eleição ou reeleição de presidente, de governadores, de senadores e de deputados. A sorte já estará lançada. Os votos ainda estarão sendo contados, na manhã de culto, mas a decisão sobre as autoridades que dirigirão o Estado brasileiro nos próximos quatro anos já terá sido tomada.
Diante desse fato, como pregar?
Está claro que parecerá deslocado enfatizar denúncias, a partir do texto de Amós. Uma eleição é, em si, um momento novo. Supõe-se que o povo, que nós todos, tenhamos feito uma avaliação da atuação de candidatos, partidos e atuações anteriores, e que tenhamos escolhido o melhor para a nossa sociedade. Supõe-se, também, que tenhamos escutado atentamente os programas apresentados por candidatos e partidos para fazermos a nossa escolha. Supõe-se, igualmente, que não tenhamos nos deixado levar apenas por simpatias, e que não tenhamos dado nosso voto em troca de algum favor pessoal. Supõe-se que, a partir do evangelho, tenhamos nos preocupado com o bem-estar de toda a população brasileira, ao depositarmos o nosso voto na urna.
A partir de tais suposições, estamos diante de uma esperança por dias melhores.
Contudo, esperança não é certeza. Afinal, os filhos do mundo são mais hábeis do que os filhos da luz. É possível, e bem provável, que mais uma vez nos tenhamos deixado levar por palavras falsas e vazias, apesar de bonitas. É possível que nos tenhamos maravilhado com novos programas e novas propostas, mas que bem cedo nos desiludamos ao percebermos que nossos candidatos não os cumprem. A história nos mostra que reis e autoridades, presidentes e governadores, deputados e senadores sempre apresentaram bons programas, até mesmo desde antes de Amós. E, na maioria dos casos, desde antes de Amós não se ativeram a eles, depois que estavam no poder. Mostraram-se filhos do mundo, muito hábeis.
Nesse sentido, as denúncias do texto de Amos nos servem de a leria. Não queremos que o mau passado se repita. Por isso, é importante não esquecê-lo. O mau passado nos permite projetar um bom futuro: um futuro justo, com práticas honestas, com vida para todas as pessoas, com solidariedade, especialmente para com os fracos e pequeninos.
Diante da fraqueza humana, também presente em políticos recém-eleitos, precisamos da ajuda de Deus para que este futuro se concretize, ao menos em sua maior parte, para que vivamos uma vida tranquila e mansa, com toda a piedade e respeito (l Tm 2.2b). E aí tem lugar a oração.
Contudo, não bastará uma oração dominical, única, acontecida apenas no momento. Haverá que ser uma oração constante, -vigilante. Será uma oração que não se satisfaça apenas em pedir por bons governantes. Será uma oração permanentemente preocupada com as ações do governo, uma oração que também conterá denúncia, protesto, indignação, quando os bons programas já não forem mais cumpridos. Será uma oração capaz de sair do templo, e, em nome de Deus e de sua Palavra, sair à rua e exigir que o Estado garanta a justiça, o mercado justo, a solidariedade, a vida digna para todas as pessoas. Será urna oração consciente de que, diante de velhas e novas injustiças, antes importa obedecer a Deus do que a pessoas, por mais votos que estas tenham feito. Tal oração lembrará sempre de que Deus não esquecerá jamais nenhuma das ações de governantes e controladores de mercado, nem as boas nem as más.
Diante disso, proponho que a prédica sobre Am 8.4-7 parta das denúncias das más ações do passado e proponha uma oração vigilante e constante por ações dignas e justas no futuro. Fará bem ressaltar a função do Estado em controlar a economia e o mercado, para que possamos viver urna vida tranquila e mansa, com toda a piedade e respeito, com amor e solidariedade, com justiça e honestidade, porque Deus deseja que todas as pessoas sejam salvas. Deus não quer o fim. Com certeza, porém, trará o fim, se o futuro não se esboçar com paz, justiça e integridade da criação.
4. Bibliografia
SCHWANTES, M. Amós - Meditações e Estudos. São Leopoldo : Sinodal; Petrópolis : Vozes, 1987.
WOLFF, H. W. Dodekapropheton - Amos. Neukirchen-Vluyn : Neukirchener, 1967. (Biblischer Kommentar Altes Testament, XIV/6).
Proclamar Libertação 23
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia